Os "anjos" da Victoria's Secret caíram. Em alusão à linha de lingerie Angel, uma das mais emblemáticas da marca, as modelos escolhidas pela empresa para os desfiles, onde apareciam ostentando asas proeminentes, representavam uma definição de sexy assente em estereótipos e na perpetuação de ideias tóxicas, e de exclusão, sobre o corpo feminino. As asas, as penas, o luxo e a hipersexualização do corpo feminino deixou de fazer parte do foco da marca, que quer agora focar-se naquilo que as mulheres querem.

Entre 2019 e 2021, no entanto, a marca foi obrigada a readaptar-se. Em setembro de 2019, Rihanna, que em 2012 desfilou para a marca com um soutien desportivo, vinha a público dizer ter zero interesse nas modelos magras da Victoria's Secret. No processo, apresentava a sua própria marca de lingerie que pretendia ser mais inclusiva ao ser representada por mulheres com vários tipos de corpo e tons de pele. Mas não se ficaria por aqui.

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Em fevereiro de 2020, passou a conhecer-se o clima de bullying e de assédio sexual a que muitas modelos da Victoria's Secret, a marca que ajudou a definir a feminilidade para milhões de mulheres, se viam sujeitas nos bastidores dos desfiles. O estrago estava feito: estava cancelado o popular desfile, tendo o último acontecido em 2018.

Um ano depois, a marca prepara-se agora para uma mudança radical na sua forma de comunicação, redefinindo o conceito de sexy. No lugar dos anjos da Victoria's Secret estão agora sete mulheres cujo reconhecimento decorre não do tipo de corpo que têm, mas daquilo que conseguiram em vários setores da sociedade.

Uma delas é Megan Rapinoe, a futebolista que desafiou o presidente Donald Trump e uma sociedade misógina. A ela juntam-se também a atriz indiana Priyanka Chopra Jonas; Eileen Guu, esquiadora e atleta olímpica; Paloma Elsesser, a modelo plus size que posou para a "Vogue"; Adut Aketh, modelo negra; Amanda de Cadenet, jornalista e ativista; e Valentina Sampaio, atriz, ativista pelos direitos LGBTI+ e modelo transgénero.

A ideia é clara: afastar a marca da ideia de feminilidade assente em curvas que perpetuou estereótipos e ajudou a vender milhões.

O ignorar do movimento #MeToo e a lentidão em responder à mudança

Especialmente agora que se sabe que, além da cultura de assédio e bullying presente nos bastidores, Leslie Wexner, 82 anos, fundador e diretor executivo da empresa, era próximo de Jeffrey Epstein, o homem acusado de tráfico sexual e que morreu na prisão, nunca uma empresa tão dominante no seu segmento esteve tão desligada do movimento #MeToo como a Victoria's Secret.

Quem o diz é a futebolista Rapinoe, uma dos novos rostos da marca, analisando o percurso da empresa até aqui. "Foi uma atitude muito patriarcal e sexista, olhando não só para o que significava ser sexy, através de roupas que agradassem ao olhar masculino e àquilo que eles desejavam. E vendeu-se muito, focando-se nas mulheres mais jovens. Foi muito danoso", diz ao "The New York Times".

"Quando o mundo começou a mudar, fomos demasiado lentos no acompanhamento dessa mudança. Precisávamos de deixar de ser aquilo que os homens querem e passar a ser aquilo que querem as mulheres", diz Martin Waters, diretor-executivo da marca, ao mesmo jornal.

Nesta nova fase da marca, as sete mulheres, que formam o grupo VS Collective, vão representar a Victoria's Secret e aparecer em vários anúncios publicitários no Instagram. Mas também houve mudança nos cargos da empresa — a equipa executiva é toda ela recente e os novos lugares da direção serão todos eles, à exceção de um, compostos por mulheres.

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A mudança surge numa altura em que, só em 2020, a posição da marca no mercado caiu cerca de 21%. "Durante muito tempo soubemos que era necessário mudar a marca, mas não tínhamos o controlo total para o poder fazer", continua Waters.

É com esta nova perspetiva que o próprio garante que os "anjos" — modelos que, como Heidi Klum ou Tyra Banks, posaram exclusivamente para a marca em lingerie, saltos altos e asas — neste momento não lhe parecem "culturalmente relevantes". "Antigamente, a marca Victoria's Secret tinha apenas um foco: o ser sexy", explica Waters. Mas o problema está na definição do termo, tal como a futebolista Rapinoe o entende.

"Como mulher gay, penso muito no que achamos ser sexy. Não tenho de usar a lingerie tradicional para ser sexy nem acho que, quando se trata da minha parceira ou de pessoas com quem namorei, a lingerie tradicional seja sexy nessas ocasiões. A funcionalidade é a coisa mais sexy que existe na vida. Por vezes, só o que é fixe pode ser sexy", explica ao mesmo jornal.

Não se sabe exatamente quanto terá custado esta viragem comunicacional, mas sabe-se o seguinte: a marca tem um registo de vendas anuais de 5 mil milhões de dólares (cerca de 4 mil milhões de euros) das quais dependem 32 mil trabalhadores no setor a retalho e cerca de 1.400 lojas espalhadas pelo mundo.

Se a mudança de imagem vai funcionar e atrair novos consumidores? Essa é a pergunta de muitos milhões de dólares.