Nestes últimos dias, as minhas redes sociais encheram-se de vidas perfeitas. Outfits exuberantes, maquilhagens impecáveis, salas dignas de aparecerem nas páginas da "El Mueble". E as mesas? Valha-me Deus, tanta comida. Pratos e pratos de iguarias que poderiam ter sido feitas por um qualquer chef famoso. Estava tudo exímio: os guardanapos de linho impecavelmente alinhados, os copos de cristal a brilhar, a família toda sorridente.
E os textos das conquistas de 2019 e dos sonhos para 2020? Parece que toda a gente teve um ano incrível — difícil, claro, afinal somos tugas e não perdemos uma oportunidade para nos queixarmos. Mas acima de tudo, incrível: os obstáculos de dimensões colossais foram ultrapassados, as batalhas vencidas e o crescimento pessoal atingiu o seu auge. São agora tudo pessoas melhores, mais completas, íntegras e até já fazem reciclagem.
Vamos sair agora do universo das redes sociais. Passavam 12 minutos das 17 horas quando me apercebi de que tinha ficado sem manteiga. Como é que eu sei precisar tão bem as horas? Porque calculei que tinha exatamente 48 minutos para chegar ao Lidl antes deste fechar. Com o cabelo desgrenhado e um rosto que não vê maquilhagem há meses, tirei o pijama polar e agarrei no primeiro par de calças.
Se estivéssemos nas redes sociais, eu seria a versão feminina daquele menino musculado que fazia os anúncios da Planta. Não se iludam: a minha camisola de malha mal escondia uma das peças do pijama que não tive coragem de tirar. Tinha o cabelo apanhado com um elástico estragado que só voltou a cumprir a sua missão depois de um nó mal amanhado. Ah, e fui empurrada várias vezes até chegar ao corredor dos frescos, já para não falar nos repetidos choques contra pessoas.
Mas o pior ainda estava para vir. Quando sai do parque de estacionamento do supermercado, o espelho começou a ficar rapidamente embaciado. De repente, estava no meio da estrada, com um carro atrás de mim e sem conseguir ver nada para a frente. Meti a cabeça de fora para tentar perceber como é que ia parar o carro quando, de repente, bum. Um estrondo.
Pronto, não foi um estrondo muito grande. Foi mais como uma pancada. Quando olhei para a direita, vi um homem assustado a olhar para mim, colado ao meu carro. "Oh meu Deus, o senhor está bem?", perguntei. Mentira, na realidade gritei.
Do outro lado da rua, duas senhoras bramiam ainda mais alto do que eu. Quanto ao senhor que quase foi atropelado, bem, atirou-me com um ríspido "Eu? Eu estou bem" — claramente a insinuar que eu era maluca — e fugiu.
Foi assim o meu último dia do ano. Já a minha passagem de ano foi passada a fazer piscinas entre a cozinha e o sofá, com um número vergonhoso de papéis de chocolate em cima da mesa e umas quantas migalhas no pijama. Quando começaram os fogos de artifício, o cão ladrava e gania que nem um louco e a criança em cima da minha janela não se calava.
Foi ótimo, atenção. Foi mesmo uma ótima passagem de ano, muito melhor do que a que passei em anos anteriores. Dispensava quase ter atropelado alguém, mas foi perfeita com todas as suas imperfeições. Todavia, não podia estar mais longe das imagens do Instagram.
Não fui a única a fugir à norma. Quando a minha melhor amiga me ligou para desejar bom ano, passavam poucos minutos das 19 horas e ela já tinha a voz meia enrolada. "Estou sozinha em casa a beber vinho", disse-me. Eu ri-me. "Eu quase atropelei uma pessoa."
Cada vez tenho menos paciência para vidas perfeitas. Não tem nada que ver com inveja, FOMO ou o raio que o parta — só me sinto cada vez mais distante de um mundo com o qual não me consigo identificar, nem tão pouco entender como verdadeiro. Hoje olho para o meu próprio Instagram e não me identifico com ele, porque a realidade é que aquela é uma parcela demasiado pequena — e até um bocadinho falsa — de quem eu sou.
Tudo isto faz-me questionar o futuro das redes sociais. Até quando vamos continuar fascinados com a influenciadora que tem sempre o cabelo, a maquilhagem e a ponta do dedo do pé direito impecáveis? Até quando vamos continuar a seguir pessoas que perderam 40 minutos só a tornar os dentes mais brancos no Photoshop?
Até quando vamos continuar a acreditar que os famosos acordam todos os dias como os vemos na televisão, e a ficar chocados quando tiram fotos sem maquilhagem — mas carregadas de filtros? Até quando vamos continuar a querer seguir vidas perfeitas quando somos humanos, que é o mesmo que dizer que não podíamos ser mais imperfeitos?
Não tenho resposta. Apesar de tudo, acho que a maioria das pessoas ainda continua fascinada com o irreal. Sempre foi assim, provavelmente sempre continuará a ser assim. Tenho pena — as pessoas imperfeitas são muito mais interessantes.
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Esta semana, o jornalista Fábio Martins sentou-se no primeiro dia do ano a ver o novo programa da SIC, "A Máscara". O objetivo era identificar os pontos fortes e fracos do reality show que mete famosos escondidos por detrás de máscaras a cantar, mas não foi fácil descobrir nada de bom. O mau, o péssimo e o absolutamente terrível do novo programa da SIC está aqui.
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Até para a semana.