Perdoem-me a linguagem agressiva, mas não encontro palavras melhores: eu borrava a minha cara com merda se fosse aquele assessor que, dentro da lancha, captou as imagens de Luís Montenegro, atafulhado dentro de um colete salva-vidas cor de laranja, a fazer-se sabe Deus o quê enquanto decorria a operação de buscas pelos corpos dos militares que perderam a vida na queda do helicóptero desta sexta-feira, 30 de agosto.

Foi Luís Montenegro que teve a ideia? Foi alguém que lha sugeriu? Até estou a imaginar o diálogo: 'ó senhor primeiro-ministro, sabe o que é que impactava? Era ir ali até ao rio, enfiar-se num barco e mostrar-se com um ar preocupado a olhar para a água. Era capaz de ser giro. Vai o estagiário consigo e faz uns bonecos para as redes sociais'. 'Porreiro, pá'. O diálogo pode ser parte de um sketch dos Gato Fedorento, mas terá acontecido na realidade. Ou então saiu tudo da cabeça do primeiro-ministro. Seja como for, foi assustador. Foi despropositado, foi grotesco.

Enfiar-se numa operação de buscas, enquanto as famílias das vítimas mortais estão em choque, em negação, a acreditar num milagre ou então a tentar lidar com a perda súbita dos seus entes queridos, em prol de um momento mediático, é incompreensível. Que Luís Montenegro tivesse ido até ao local, falado com as autoridades, inteirar-se da operação, falado depois à comunicação social, tudo bem. É a função de um chefe de governo. Que tenha tido esta ideia, que a tenha concretizado, que até tenha reagido de forma defensiva quando confrontado com as críticas, é que me parece mais incompreensível.

Ou então, não. Ou então Luís Montenegro, que as altas instâncias do comentarismo português criticam, que as grandes figuretas da bolha mediática sempre desprezaram e desvalorizaram, que foi apelidado de "rural" pelo próprio presidente da República, sabe mais disto de olhos fechados do que dois Costas de olhos abertos.

Num País em que parte substancial da população adora abrandar na auto-estrada e ficar a apreciar um acidente de viação, olhar para obras durante horas a fio, filmar pessoas a levar cornadas em "tradições" dantescas com animais, atirar foguetes em época de incêndios, captar para a posteridade fogos florestais e desgraças afins, não é de espantar que, nas redes sociais (sobretudo no Facebook, que ainda é a melhor plataforma para auscultar a opinião do português médio) muitos tenham aplaudido esta performance de Luís Montenegro. Afinal, o povo gosta é disto e, Luís Montenegro, o rural, parece perceber o povo melhor do que muitos gostariam de acreditar.

* "lelé da cuca" foi a expressão usada por Marcelo Rebelo de Sousa, num texto jocoso publicado no "Expresso", para se referir a Francisco Pinto Balsemão, fundador do semanário. A brincadeira terá contribuído para o deteriorar da relação entre os dois.