Os portugueses mostraram este sábado de que lado estão nesta guerra entre os populistas que entendem que a morte de um cidadão é uma oportunidade de defender forças policiais repressivas e com ordem indiscriminada para matar (como em qualquer ditadura), e aqueles que acham que as forças policiais são uma organização racista e que um agente da PSP deve ser condenado ainda antes de se saber o que verdadeiramente aconteceu após ter disparado mortalmente numa operação. As duas manifestações de apoio aos dois lados, que percorreram ruas e avenidas do centro de Lisboa, foram um absoluto fracasso, não juntando, em conjunto, mais de 500 pessoas. Claro que de um lado estavam dirigentes do CHEGA, claro que do outro estavam dirigentes comunistas. E claro que ambos falaram publicamente. A resposta foi dada em silêncio pela maioria dos lisboetas e portugueses em geral: ficaram em casa.
Vivem-se tempos perigosos na política. O fenómeno não é português, é global, e tem uma única explicação: a maioria das pessoas, cá como lá fora, está insatisfeita, sente-se insegura, olha para a frente e não vê, no horizonte, esperança de que alguma coisa mude. E, claro, quem se aproveita da ausência de esperança são sempre aqueles que prometem revoluções e soluções simples para problemas complexos, os populistas, de direita e de esquerda.
Quando o CHEGA bateu os 50 deputados nas últimas eleições, muita gente lamentou o facto de termos neste país tanta gente racista, xenófoba, defensora de ideias de extrema-direita. Totalmente ao lado. Os portugueses não são isso tudo, nem sequer andam perto disso. Os portugueses estavam desesperados, com medo do futuro, sem possibilidades de pagar uma renda, com créditos elevadíssimos, salários baixos, a empobrecer de dia para dia, e agarraram-se a quem lhes disse que era diferente e queria mudar isto tudo, o CHEGA.
Mas por muito desesperados que estejam, os portugueses — a maioria, tenho a convicção — não são estúpidos e conseguem fazer as suas próprias leituras de acontecimentos como este da Cova da Moura, em que um polícia matou um cidadão. Sabem perfeitamente que, sem certezas, não é possível tirar grandes conclusões. Sabem que a razão não está de quem defende a polícia seja em que circunstância for, nem está em quem está contra a polícia seja em que circunstância for.
A nossa natureza continua a ser a natureza de um povo moderado. Não é à toa que, por mais voltas que o mundo dê, os dois partidos que sempre se assumiram com moderados de direita e moderados de esquerda foram os que sempre governaram desde o 25 de abril. E não me parece que venha a ser muito diferente na próxima década. Claro que fazer futurismo é um exercício arriscado, mas o desespero que nos toca no bolso teria de ser bastante maior para que houvesse uma perda de juízo coletiva e, de repente, elegessemos governos aventureiros à extrema-direita ou à extrema-esquerda.
Uma coisa é evidente: a degradação da qualidade dos nossos políticos pode levar a que aqueles que de facto poderão contribuir para que Portugal se torne num país mais rico, mais próspero, com melhores salários, habitação mais barata, e saúde e educação de acesso generalizado a todos não queiram ter nada que ver com a política, se afastem, escolham outras atividades.
Livremo-nos de um dia termos de viver situações como aquelas por que passaram os brasileiros, a ter de escolher entre Bolsonaro e Lula, ou os norte-americanos, entre Trump e Kamala Harris. Cabe à grande maioria silenciosa, a tal que ficou em casa este sábado, demonstrar que o populismo, seja ele qual for, não é um traço identitário dos portugueses. E não é. Mas de preferência que não tenha de morrer gente para que isso aconteça.