Vou começar este texto com uma expressão tipicamente portuguesa, daquelas que são impossíveis de traduzir para outras nacionalidades: no que diz respeito à hotelaria, "já são muitos anos a virar frangos". Ou camas de hotéis, se preferirmos, de facto é o que faz mais sentido.
Já experimentei um bocadinho de tudo. Pousei a cabeça em muitas almofadas, reclamei com muitos chuveiros, perdi-me nas iguarias de muitos restaurantes e lutei com muitos interruptores até conseguir apagar todas as luzes do quarto.
Já estive em hotéis imponentes e turismos rurais muito simples. Já me apaixonei loucamente por piscinas infinitas da mesma forma que estive perto de ter um ataque de pânico num spa atolado de pessoas. Já passei alguns momentos maus, mas mais de 80% foram incríveis. Assim de repente, lembro-me de adormecer a olhar para as estrelas, assar Marshmallows na lareira cá fora (correu mesmo mal, mas foi ótimo) ou ver as ondas do mar a bater nas rochas enquanto estava deitada na cama.
Como dizia, já lá vão muitos anos a virar camas de hotéis. E a avaliá-las, claro, não fosse esse (também) o meu trabalho. No caso do hotel Quinta das Lágrimas, porém, não quero fazer a tradicional crítica, com o bom, mau e o assim assim. Há sítios maravilhosos, é verdade, mas depois há sítios que nos roubam o coração.
Este foi um deles. E é por isso que, para falar da Quinta das Lágrimas, opto por escrever-lhe uma carta de amor. Talvez seja um pouco panisgas, mas deem-me um desconto — ainda venho imbuída no romance de Pedro e Inês.
Querida Quinta das Lágrimas,
Foi amor à primeira vista. Assim que os portões se abriram e olhei para ti, linda e imponente ao fundo de um caminho rodeado de árvores de um lado e do outro, soube que ia ser feliz. Era sexta-feira, o dia tinha sido longo, e apesar de a viagem entre Lisboa e Coimbra não ser assim tão extensa, estava exausta. Naquele momento, porém, a dopamina elevou-se a níveis históricos, como só acontece numa verdadeira história de amor.
Já tinha ouvido falar muito de ti. Não sei se sabes mas és famosa, ou não tivessem sido os teus jardins cenário do romance de Pedro e Inês. Eu já conhecia este teu lado — a Fonte dos Amores, a Fonte das Lágrimas, o carreiro de água onde, diz-se, D. Pedro colocava barquinhos com mensagens que seguiam até ao Convento de Santa Clara, onde estava Inês de Castro.
Sim, isto tudo eu já sabia. O que eu não sabia é que tu, um palácio do século XVIII transformado em hotel de luxo em 1995, conseguias ser como uma viagem no tempo para a época dos reis e das rainhas, onde todas as histórias começam com um "Era uma vez". O hall de entrada e a receção foram uma surpresa, como se estivesse a ser recebida no palácio de um amigo para passar o fim de semana — com muita pena minha, tenho de admitir que foi a primeira vez que tal me aconteceu, todos os meus amigos vivem em T0s daqueles mesmo muito pequeninos. Mas não te vou aborrecer com a crise do mercado de arrendamento em Lisboa.
Se é verdade que fiquei apaixonada pelas obras de arte espalhadas um pouco por toda a parte, o pé direito imponente e os tetos trabalhados, nada me arrebatou mais do que o meu quarto. É tão difícil entrar num hotel e sentir que aquele quarto é nosso; sentir que aquele quarto não é igual a centenas de outros quartos onde já estivemos antes, dentro e fora de Portugal.
Mas foi exatamente isso que aconteceu. Quando abri as cortinas, e olhei para o silencioso pátio das traseiras da casa, apaixonei-me perdidamente por ti. E, naquele momento, não senti que era uma visita: naquele momento, a casa — tu, portanto — eras minhas.
Só que eu ainda não sabia nada sobre ti. E foi por isso que, depois de uma passagem rápida pelo bar para comer um snack, parti à descoberta das tuas divisões. E dos jardins iluminados à sala-museu da Fundação Inês de Castro, sem esquecer a beleza da piscina exterior ou as escadas entre pisos que nada têm a ver com o que é esperado num hotel, senti que íamos ser felizes.
E fomos. Nessa noite, deitada na cama, alguém passou no corredor e eu senti o ranger da madeira. Vi mais tarde que alguém se queixou sobre isso, e senti-me revoltada. Como é que alguém ousa reclamar dos teus sons, quando foram eles que me transportaram para a sensação de que sim, estava em casa? Preferem os hotéis onde não se ouve nem uma mosca porque cada casal está enfiado numa gaveta, isolada num edifício que mais parece um armário da Ikea? Eu não.
Desculpa este meu momento de revolta. Vou continuar nas coisas boas, embora tenha de te admitir que o meu coração está pequenino de saudades. No dia seguinte continuaste a fazer-me feliz, agora com a luz do dia para te conhecer melhor. O pequeno-almoço estava maravilhoso, e a vista desimpedida para os jardins tirava-me o fôlego. Foram estes exatamente que fui conhecer melhor a seguir. A visita foi guiada, o que só tenho a agradecer — é completamente diferente ter alguém capaz de nos contar todos os segredos e histórias dos teus maravilhosos jardins.
E de ti, também. É que a nossa guia também me levou a descobrir um segredo teu que eu não tinha encontrado ainda — um jardim japonês onde nunca está ninguém porque, bem, parece que passa mesmo despercebido. O silêncio e o conforto tornam este espaço num local de contemplação. Eu não sou nada destas coisas, mas ali apeteceu-me meditar.
À noite, o meu coração que parecia não ter mais amor para dar rendeu-se ao Arcadas e ao trabalho maravilhoso do chef Vítor Dias. Experimentei o menu de degustação para março, e não foi difícil perceber porque é que este restaurante foi considerado um dos 500 melhores do Mundo pela “Le Liste”. Adorei a sopa de cebola caramelizada e a perna de borrego, mas o souflé de chocolate com molho e gelado de baunilha deu cabo de mim. Que coisa maravilhosa.
E já que estamos a falar de comida, salto para o brunch de domingo, uma das tuas mais recentes novidades. Fiquei com vontade de te voltar a visitar só para experimentar este brunch outra vez, sabes? Tinha tudo, mas o melhor foram mesmo as panquecas e a panacotta. Só fiquei um bocadinho desiludida com o ovo Benedict, o molho não tinha muito sabor.
Depois do brunch, tive de te dizer adeus. No momento do check-out, alertei na receção que a televisão estava com um problema (um terço da imagem dava cores que não era suposto, ainda me ri com o céu amarelo) e o secador não encaixava uma das suas peças. Quero que tratem bem de ti. Precipitaram-se a anotar num caderno tudo o que disse, e eu fiquei feliz. Tenho saudades tuas, mas sei que estás em boas mãos.
Foi um fim de semana maravilhoso, Quinta das Lágrimas.
*A MAGG esteve alojada a convite da Quinta das Lágrimas