Eu ia escrever "Bruno Nogueira é o Miguel Esteves Cardoso da minha geração". Mas eu não faço a mínima ideia do que é que Miguel Esteves Cardoso representou para a geração anterior à minha. Sei que o Miguel Esteves Cardoso do tempo do "Independente" e da "Noite da Má Língua" já não é o Miguel Esteves Cardoso das crónicas do "Público".

E ainda bem que não é. Assim como Bruno Nogueira, em 2023, já não é o Bruno Nogueira do "Curto Circuito", do "senhor do bolo", nem sequer é o Bruno Nogueira do "Último a Sair". Não tenho saudades do passado e uma das razões pelas quais me encanta cada vez mais ouvir Bruno Nogueira é por ele ter encontrado um espaço no presente que é único. Ele é humorista, sim, mas não é o humorista "ahaha, teve piada" nem é o humorista "vou fazer piadas politicamente incorretas para ser contracorrente". Nem sequer é o humorista que cavalga a política, a cultura pop, para fazer um pastiche de coisas que, olhando ao perto, são desenhos feitos a papel químico sobre os jornais, com uns toques de ácido por cima. O humor de Bruno Nogueira, como já tínhamos comprovado durante os irrepetíveis diretos "Como é que o Bicho Mexe", vem de um lugar de curiosidade, de humanidade, de profunda inquietação com o mundo. De medo, de questionamento.

Bruno Nogueira não é um cínico. E não ser cínico aos 41 anos dá muito trabalho. No seu mais recente projeto, o podcast "Isso Não se Diz", lançado há quatro meses (e que teve a amabilidade de continuar durante o mês de agosto, salvando-nos da modorra que é a atualidade noticiosa, pintalgada ou de fogos, ou de futebolices ou de vácuos políticos), mostra-nos como é possível falar sobre nada e, no entanto, ser um dos mais acertados observadores da atualidade. Do exaspero à imitação de clichés patetas que todos identificamos, Bruno Nogueira vai partilhando, com uma enorme generosidade, de que matéria é feita a vida de todos nós, dando como exemplo a sua, desde coisas tão corriqueiras como o inexplicável atraso na entrega de uma encomenda, até ao ridículo dos horários do pequeno-almoço nos hotéis, passando por temas mais sérios como a educação das filhas ou até a morte.

A premissa de "Isso Não se Diz" não é original, a de querer ser um espaço onde não há censura ou higienização de linguagem (e não há, basta ouvir a parte dos diálogos malucos com os convidados frequentes, Nuno Markl e Filipe Melo, os dois terços de "Nêspera no Cu"). Mas, ao invés de querer ser contracorrente só porque sim, Bruno Nogueira problematiza. Fala sobre wokismo, fala sobre questões como as lutas da comunidade LGBTQ+, sempre sem marginalizar. Conseguiu até - pasme-se! - falar sobre Maria Vieira e sobre o CHEGA sem entrar pelo caminho mais fácil, o do arraso puro e simples. E isto é de um gajo que, sim senhor, vale a pena escutar com atenção.