No dia em que o número de contágios ascende aos 14647 e se registam 219 mortes, eis que a TVI se lembra de colocar abaixo do logótipo "Fique em Casa" um contador de novos casos de covid-19. O "Jornal das 8" começa com o contador a zeros e, a cada segundo, aumenta. São 20h09 e já vamos nos 124, 125, 126 casos.

contador casos TVI

Tempos desesperados pedem medidas desesperadas e percebo a intenção até pedagógica da estação de Queluz de Baixo ao colocar este contador. Uma espécie de alerta para os que estejam a viver debaixo de uma pedra e, porventura, tenham tido a sorte de a doença ainda não lhes ter batido à porta. A mim causa-me uma ansiedade danada e um formigueiro de desespero, agravado por este tempo horroroso, pela falta de vitamina D, de exercício físico e, em geral, de boas notícias.

Nas primeiras semanas de pandemia, fomos acometidos por um medo de espanto, de assombro, de encandeamento com todos os dados novos, as informações confusas, que mudavam de dia para dia. E, paradoxalmente, um sentimento de esperança, uma união estranha, virtual, uma sensação de estarmos juntos e que, apenas por estarmos juntos, seríamos vencedores.

Depois do terror, a habituação, a adaptação aos novos hábitos, a alegria do desconfinamento, o Verão. As férias "clean and safe", os jantares com meia dúzia de amigos e distanciamento, as máscaras (tantas máscaras!), os litros de álcool gel, as esplanadas, tudo ao ar livre. Confiançudos, avançámos outono fora, inverno adentro. Congratulámo-nos por podermos celebrar o Natal, batemos tachos, deitámos foguetes ao Novo Ano.

E, com janeiro (este a fazer jus ao epíteto de mês mais deprimente do ano), a realidade. Todos falhámos. Todos incumprimos. Todos fomos imprudentes. Todos, mesmo os que não foram. E, agora, de novo o espanto e o medo, mas sem a energia de março de 2020. Incrédulos, olhamos com miopia os números que nos chegam aos milhares. Podiam ser 10 mil ou mil, a desesperança no fim já é tanta que entorpece, paralisa.

Não sei se um contador de casos chega para alertar os que, criminosamente, insistem em desvalorizar este bicho caprichoso e incontrolável, que tanto poupa centenários como asfixia em poucos dias pessoas com 40 anos. Não sei se um contador de casos não passa de uma boa intenção, num momento em que as energias se esvaem e os olhamos todos incrédulos para as filas de ambulâncias nos hospitais, para o desespero dos profissionais de saúde, para onde poderemos estar, daqui a uma semana, se o contador real continuar a subir.

Eu não sei quanto a vocês, mas eu estou cheia de medo.