218 mortos. 10.282 novos infetados. Hospitais de norte a sul do País à beira da rutura. Profissionais de saúde exaustos, desesperados. Novas medidas, mais restritivas, a serem aplicadas a partir da meia-noite desta quarta-feira. Um cansaço geral, a fúria que nos amarga a garganta a cada notícia sobre ajuntamentos, festas e almoçaradas que resultaram em infetados em mortos (como um inenarrável "convívio de Natal" numa aldeia em Arganil que infetou metade da população e já matou 4 idosos).

Como estamos todos a merecer uma pausa (ainda que de minutos) no tema que, desde março de 2020, domina as nossas vidas, eis uma ligeira variante, um tema que dispõe bem: a vida dos solteiros em pandemia. Porque se é para ter empatia (leia-se, sentir pena) de alguém, que seja desses desgraçados.

Sou aquilo que as boas almas que já orientaram as suas vidas consideram (ainda que não o digam em voz alta) uma solteira crónica. Tenho 37 anos, não tenho filhos, vivo sozinha. Não tenho nem gatos nem cães, não porque não adore bichanos, apenas porque sou alérgica ao pelo e porque me dá um asco tremendo a perspetivas de roupas, sofás e afins com fluffies de origem animal (e sinto, enquanto teclo estas palavras, que vou ser chacinada. Siga).

Portanto, como podem ver, material já quase fora de prazo. E, no entanto, sou a pessoa certa para vos contar como têm sido estes 10 meses de pandemia sem parceiro. A coisa resume-se de forma simples: se antes já era difícil, agora é mais certo levar com um raio em cima num dia de céu limpo.

Nos meses de medidas mais apertadas, o contacto com potenciais candidatos reduziu-se ao online, ao quase inevitável sexting (e mesmo para essa atividade é preciso ter sorte porque o que há por aí mais é gente que fez gazeta às aulas de Português) e a eventuais promessas de passeios ao ar livre e cafézinhos "lá para o Verão" que nunca se concretizaram.

A coisa resume-se de forma simples: se antes já era difícil, agora é mais certo levar com um raio em cima num dia de céu limpo.

Apareceram também os "ex ex ex", vindos do fundo - mas mesmo lá do fundo! - do baú que, desocupados ou entediados com a situação familiar do momento, decidiram percorrer a lista telefónica de A a Z e chatear todas as moças com quem trocaram um linguado sob o pretexto 'então, queria saber como estás!'. Isto incluiu, claro, ir resgatar a lista telefónica do Nokia 3310 que tinham no 12º ano e tirar o pó ao Hi5 para recordarem o nome daquela rapariga de Sines com quem curtiram no Sasha em 2011.

No Verão, um lampejo de esperança, com alguns encontros, quase sempre marcados por aquele constrangimento do cumprimento inicial com o cotovelo e da despedida atabalhoada, em que um dos elementos tenta uma aproximação e o outro faz um desvio quase irrefletido, fruto de termos passado meses a fio a evitar qualquer tipo de contacto físico com estranhos.

O sexo, ironicamente, deixou de ser a atividade mais contagiosa para uma pessoa que não está num relacionamento estável. Pelo menos nesse campo, ao nível da probabilidade de contrair uma infeção, estamos mais democráticos. Claro que a sociedade em geral continua a olhar para mulheres solteiras acima dos 35 anos como se tivessem lepra, mas isso agora também se aplica a pessoas que usam máscara com o nariz de fora ou que não desinfetam as mãos antes de entrar no supermercado.

A parte menos divertida disto tudo são os efeitos nefastos que os longos meses de confinamento tiveram na saúde mental de todos nós. Quando estamos sozinhos, se não tivermos uma rede de apoio familiar e de amizades sólida, torna-se muito fácil e tentador entrar em ciclos de ruminação, fazer viagens inúteis ao passado ou pura e simplesmente desistir.

Ao longo desta pandemia tive alguns encontros. Poucos agradáveis, a maioria razoável, alguns sofríveis. Mas isso já acontecia antes da covid-19. O que noto é que estamos todos mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, mais desconfiados. Muitos disponíveis para receber mas poucos disponíveis para dar. E há, sobretudo numa era em que é fácil criar identidades, aparências, jogar com palavras, uma dificuldade em viver com verdade.

Eu tenho como objetivo principal viver até aos 100 anos (pelo menos), por isso sinto-me perfeitamente tranquila quanto aos prazos de validade e ao que é suposto (ou não) fazer com a minha vida em determinada idade. Mas amedronta-me muito esta perda de jovialidade, de crença, de alegria, de entrega, que ataca cada vez mais os meus pares (e potenciais candidatos a partilharem um sofá e uma conta de Netflix no Terceiro Grande Confinamento). Mas eu tenho esperança. E a esperança, até ver, é imune a qualquer vírus.

O que estamos a ver

"Huge in France". Gad Elmaleh (para os mais distraídos, o ex-namorado de Charlotte do Mónaco) faz sátira com a sua própria tentativa de singrar nos EUA.

O que queremos comer

Uma pizza da Pizzarte, ponto de passagem obrigatório em Aveiro e que continua a funcionar (em modo take away) durante a pandemia.

Um artigo para ler

Joe Biden toma posse esta quarta-feira, 20 de janeiro. É o fim de um ciclo de quatro anos inacreditáveis. Compilamos os 13 momentos mais marcantes do mandato de Donald Trump.