Os leitores perguntam, a psicóloga Sara Ferreira responde. É assim todas as semanas. Saúde, amor, sexo, carreira, filhos — seja qual for o tema, a nossa especialista sabe como ajudar. Para enviar as suas perguntas, procure-nos nos Stories do Instagram da MAGG.

Olá, leitora

Para muitos de nós, a simples ideia de estar sozinho provoca sensações de pavor.

Talvez sejam os sentimentos de tédio, ou de isolamento, ou o medo de enfrentar os nossos próprios pensamentos.

O facto é que um estudo publicado há uns anos na revista “Science” mostrou que as pessoas chegam a preferir dar choques elétricos a si mesmas do que ficarem sozinhas por apenas 15 minutos.

Talvez por isso a ideia de um amigo de quatro patas soe tão apelativa, pois aparentemente isso iria permitir ter na sua vida uma companhia permanente, para além de que as pessoas desde sempre recorreram a animais de estimação para obterem afeto e o sentimento de família.

Sim, os animais de estimação sempre foram procurados por nós, seres humanos. Tradicionalmente, mais por famílias do que por solteiros. Mas os números inverteram-se nos últimos anos, o que não deixa de ser um facto interessante (pelo menos, para mim), não é?

Na teoria a ideia é maravilhosa: chegar a casa e ter o seu cão, gato (ou peixe, iguana ou periquito) lá à porta à sua espera, todo animado, a dar-lhe lambidelas ou a roçar-se nas suas pernas, a sentir a sua existência e a oferecer uma baita companhia à sua vida "sozinha”.

É óbvio que sim, tudo isto poderia ser uma realidade, aliás ter um bichano é maravilhoso, mas saiba que, na prática, ter um animal de estimação é mais do que simplesmente uma receção calorosa, é algo que requer uma série de responsabilidades, até para evitar maus-tratos aos animais.

Por isso, mesmo sabendo que uma vida com animais de estimação pode ser simplesmente maravilhosa, é no mínimo prudente, antes de se decidir ter um animal de estimação, ver se este momento da sua vida está devidamente harmonizado com as renúncias – sim, renúncias –  que ter um animal pode implicar. Afinal, ninguém nos puxa pelo braço para adotar ou comprar um animal.

Porém, para além de ter de averiguar isso – e acusando eu o “toque” da sua questão –, o que convém à leitora descobrir hoje é que há uma diferença entre estar “sozinha” e estar “só”, e saber distinguir entre uma ou outra coisa será fundamental também para o bichano (já vai perceber porquê) no sentido de poder determinar em que tipo de “moldes” assentará a vossa união.

É que para viver (e verdadeiramente apreciar) uma ligação com um animalzinho, a leitora deverá, antes de mais, conseguir nutrir a ligação consigo mesma! Fique a saber que é essa ligação – a das pessoas que amam a sua própria companhia – que caracteriza, na verdade, as pessoas mais felizes.

E porquê? Porque qualquer companheiro (seja animal ele mais ou menos “racional”) precisa de atenção, de cuidados, de doação, de amor. E invariavelmente só o conseguirmos dar quando temos de sobra para nós (dentro de nós). Nesse sentido, torna-se um movimento natural, “transbordante” e absolutamente complementar. Quando, por outro lado, depositamos em algo ou alguém no exterior a “responsabilidade” de “ter de” nos suprir nas nossas faltas ou carências, estamos a basear a nossa ligação num pólo de egoísmo, unidireccional, de ausência e de extremo vazio (o que, no fim do dia, acaba por não ser assim tão gratificante, agudizando até alguns sentimento de solidão e desacompanhamento.

Existe uma diferença bastante fundamental entre solitude e solidão. Por outras palavras, entre o estar sozinho e o estar só.

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A solidão pode ser considerada um estado negativo, marcado por uma notória sensação de isolamento. A pessoa aqui sente que algo lhe falta. É possível (e de resto, muito comum) estar entre “a multidão” ou mesmo possuindo animais domésticos e ainda assim as pessoas sentirem-se sós, provavelmente uma das formas mais amargas de solidão.

Já a solitude é o estado de estar sozinho, sem que no entanto a pessoa seja ou se sinta solitária. Neste sentido, é um estado positivo e aliás muito construtivo de “engagement” ou compromisso consigo mesmo.

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Nas nossas vidas é sempre desejável uma quota-parte de solitude, nas alturas em que estamos a sós connosco mesmos e temos a oportunidade/capacidade de sermos e nos prestarmos maravilhosa e suficiente companhia.

Então, o que podemos considerar como sendo essencialmente diferenciador entre estes dois estados? Bom, em primeiro lugar, podemos considerar a solidão como um sentimento, ao passo que a solitude transcende o domínio do sentimento, atingindo, digamos assim, mais profundamente a arquitetura da alma. No sentido em que na solitude (que não é, de todo, solidão) o indivíduo abraça totalmente a sua inteireza, servindo esse estado como uma confirmação da sua natureza eterna e suficiente.

Mas a vida não é fácil e todos temos corações poliglotas! Conseguimos falar mais do que uma língua e, às vezes, simultaneamente.

Então e o que fazer quando a nossa solidão ou solitude decidem juntar-se? Uma sugestão aqui: juntamo-nos uns aos outros aqui na Rubrica "A Psicóloga Responde" e ficamos juntos, que é como quem diz bem acompanhados, nas nossas solidões ou solitudes!

De facto estas são palavras ditas meio a brincar para um problema bastante real e sério da vivência atual do homem (e da mulher) “pós-moderno”: a solidão e a incapacidade de solitude.

E saiba a leitora que, para além disso, é uma das angústias mais arcaicas dos nossos seres enquanto espécie.

Quando falamos em solidão podemos referir não somente o estado de ausência física, da falta de alguém ou outros na nossa vida. Mais do que isso, por vezes, a solidão das pessoas é do foro essencialmente psíquico, ou a incapacidade/intolerância e estabelecer uma relação saudável, útil e gratificante com elas mesmas, com a sua própria mente e até com o seu corpo.

Quer a leitora seja uma pessoa introvertida ou extrovertida, sem ou, eventualmente, com algum bichano, deve compreender que todos – absolutamente todos – os seres humanos experimentam momentos solitude (estar sozinho(a), fisicamente).

Já a solidão, como anteriormente referi, é considerada como algo negativo, marcada por uma notória sensação de isolamento.

A minha sugestão, caso perceba que está mais “só” do que “sozinha” é que procure apurar:

  • Quais os motivos/causas de estar só?
  • Quaisquer que eles sejam, reconheça.
  • Desenvolva novos hobbies.
  • Aproveite a “alavanca” que o seu animal de estimação eventualmente lhe dê como “pretexto” para conhecer outras pessoas com bichanos do “club” do seu.
  • Combine um café consigo mesma, uma ida ao cinema, frequente locais tranquilos, aproxime-se da natureza.
  • Aprofunde os seus relacionamentos.
  • Opte, de vez em quando, por uma mudança de cenário.
  • Desenvolva capacidades de auto-contenção emocional (auto-cuidado, amor-próprio, auto-estima, auto-aceitação, auto-tudo-isto-e-muito-mais!
  • Se achar difícil, não receie e decida pedir ajuda profissional.
  • Lembre-se do seguinte: se você assim quiser, a sua solidão poderá ser temporária…
  • E o que fazer se assim não for (se a sua solidão parecer ser “permanente”)?

Bem, poderia aprofundar o tema em mais algumas linhas, mas essencialmente – no aqui e no agora – e porque estamos a ‘falar’ com base em generalizações (e as pessoas, individualmente são sempre um caso único, pessoal e “intransmissível”, com respostas ou soluções a condizer), dir-lhe-ia apenas seguinte. Ame a sua solidão.

Tente cantar com a dor que faz com que você seja só. Cante para aqueles que estão perto de si ou que estão longe… isso mostrar-lhe-á que o espaço ao seu redor começa de súbito a preencher-se e a expandir.

Procure dentro de si algum sentimento simples e verdadeiro do que você tem em comum com eles, que não tem necessariamente de alterar em nada o que a leitora é. Quando você se conseguir ser e sentir neles, amará a vida de uma maneira que não é “própria”, de alguma forma, diversa do habitual, e sentirá mais confiança. E não espere que os outros a entendam. Isso só acontecerá quando você se entender a si mesma.

Por outro lado, em relação à questão que me colocou, a leitora vai precisar ponderar-se  a si e ponderar a sua vida na questão que é ela mesma a matéria-prima da própria existência (sua e da do seu amigo animal) que é o tempo.

Neste sentido, precisará analisar, ao decidir ter um animal de estimação, se há disposição de trocar parte do seu tempo livre por atividades como levar o animal para o banho, escovar-lhe o pelo, alimentar o animal e levá-lo para passear. São atividades diárias que se não fizermos pode trazer sofrimento ao bichinho. Logo, para não ser negligente com o seu cão ou gato (ou qualquer que seja o tipo de amiguinho), pese bem qual é a sua prioridade.

Ah, e já agora, por falar em tempo, lembre-se que cães e gatos podem viver bastante, de sete a 18 anos, dependendo de tamanho e raça. É responsabilidade para mais de década!

Lembre-se que a posse de animais precisa ser compatível com o seu estilo de vida.

Por isso, dir-lhe-ia que adotar sim, mas com responsabilidade! Porque um bicho não é brinquedo. Têm os mesmos sentimentos de alegria, dor, fome, sono e amor que você. Precisam de vacinas, comida, água, largam pelo, dão puns, fazem chichi e cocó.

Portanto, se acredita no amor, e que todos os animais precisam de um lar, mas se você não tiver condições, não adote! A adoção de um animal não é moda, é responsabilidade!

Existem animais que vivem nas ruas, abrigos, lares temporários, que normalmente tem uma história muito triste, uma história de dor e abandono. Talvez a leitora chegue lá, até eles, talvez olhe para aquele que acredita ser o mais fofo e pense: vou salvá-lo! E quando chega a casa, com o tempo, percebe que foi ele quem a salvou!

De certeza já deve ter ouvido histórias de um cãozinho ou de um gatinho que, em profunda sintonia com a dor emocional do(a) dono(a), estenderam uma patinha ou deram uma lambidinha na face molhada pelas lágrimas em sinal de conforto e consolo (true stories!).

Pois é, às vezes passamos por situações complicadas que não conseguimos expressar, e eles parece que têm a incrível capacidade de perceber a nossa dor, fazendo-nos um carinho, enchendo-nos de afagos, ron-rons de suavidade eterna, e por um instante tudo o que existe é só o amor.

A leitora está preparada para viver com um companheiro de verdade? Honesto nos seus sentimentos? Que a ame de forma absolutamente pura e desinteressada? Pois, então, parabéns, estará pronta para um relacionamento sério com um amigo sob a forma de um animal.

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Então, se achar que tem reunidas as condições internas e externas, e se se sentir realmente motivada para isso, força e desfrute da companhia dos animais. Que são mesmo nossos amigos…e, em comum com eles, temos a intuição e a compreensão compassiva da natureza. Para além disso, é simplesmente relaxante contemplar a serenidade de simplesmente “ser” e a presença tranquila no aqui e agora de um bichano.

Mas antes de tomar a sua decisão, recomendo-lhe que volte “àquela” questão que sublinhei lá atrás: Porque é que você quer encontrar um animal (também vale a pergunta no caso de uma pessoa) para amar? “Porque não aguento mais estar sozinha, Dra. Sara!”, não é, nem deverá ser, uma opção de resposta aceitável! É que quando nos propomos compartilhar a nossa vida com alguém, importa mesmo questionar-nos, um minuto que seja, sobre quais são as nossas reais motivações por detrás dessa procura (uhm, cheira-me que isto daria uma longa e desdobrada conversa de consultório).

Repare. Se a mesma afirmação (“Porque não aguento mais estar sozinha”) for feita referindo-se à fome, sono e frio eu até poderia entender a resposta de forma razoável. Pois ora queremos comer, dormir e nos aquecer para regular um estado natural de saciedade natural. Mas se alguém quer encher a barriga de amor por estar sozinha é porque a condição de estar sozinha soa tão perturbadora quanto o frio, a fome e o sono. Nessas comparações fisiológicas existe até um sentido, pois a oscilação entre fome e saciedade, sono e estado desperto, frio e aquecimento é até necessária.

No entanto, no que se refere ao relacionamento com um animal de estimação ou mesmo um relacionamento amoroso com outro género de “animal” estimado (brincadeirinha!) aplicar essa lógica é um pouco estranha. Senão, vejamos.

Você gostaria de ficar com alguém que já não se suporta na própria companhia?

Eu acharia no mínimo estranho, pois iria parecer-me até um pouco humilhante admirar alguém que não aguenta mais viver com os seus próprios pensamentos. No mínimo, eu me sentiria a escolher aquele bom-bom com mau sabor que ninguém quer tirar na caixa de sortidos.

Esse estado de “necessidade” aflitiva (seja pelo impulso por “arranjar” um pet, seja uma pessoa) gerada pela carência raramente trás resultados bons.

Se fosse esta a situação, diga-me, será amor o que uma pessoa que vive no desespero da solidão (que é completamente diferente de viver com solitude, relembrando o que disse antes) tem a oferecer de verdade?

O nosso coração é fonte de amor incondicional. Podemos desenvolver essa virtude através do auto-conhecimento, do desenvolvimento pessoal e da meditação, por exemplo. Amor, amor-próprio, amor incondicional, amor verdadeiro, aproveite estas dicas para potencializar o (seu) amor, que verá que a partir disso outras coisas especiais serão desenvolvidas.

Saber amar-se e ter bons relacionamentos é (cada vez mais) uma arte. Porém, muitas pessoas têm um medo da vida que é sentido como medo de outras pessoas, medo de assumir riscos, medo da raiva, medo da alegria, etc.. Isso é apenas um hábito que adquiriram e que pode começar a ser mudado por meio de pequenas técnicas de intervenção psicológica que focam em mais equilíbrio – do medo para o amor.

O campo dos relacionamentos tem sido um enorme foco de tensão e de conflitos na vida do ser humano moderno. Por outro lado, este é um domínio que, mais do que ser gerador de desarmonia e mal-estar pessoal e social, pode e deveria oferecer-nos um mundo novo de possibilidades, de amadurecimento e crescimento. Exatamente, o ponto que deveria ser o facto de se adotar um animal, com uma genuína intenção de o amar e cuidar. A ligação a um bichinho não vai substituir-se à sua ligação com um outro e muito menos consigo mesma.

Enquanto você não descobrir o que implica amar um animal, não terá conseguido compreender o que é a nobreza e o despertar de emoções que podem curar algumas dores. Dar amor a um cão, a um gato ou a qualquer ser vivo (por menor, mais inquieto e singular que seja), é enriquecer-se (se já existir riqueza afetiva dentro de si) ainda mais e descobrir que eles podem ter sentimentos tão valiosos e empáticos quanto os nossos.

Costuma dizer-se que cada um dá apenas aquilo que tem para dar. E só podemos dar amor se sentirmos amor. Você ama-se?

Pergunto-lhe isto por uma razão: é importante pensar em começar a investir um pouco mais do seu tempo em si mesma e na descoberta de formas que ajudem a melhorar a área do amor, do auto-amor e dos relacionamentos.

Tendo em vista que somos um ser social em constante interação com os nossos semelhantes, a nossa qualidade de vida dependerá da qualidade e maturidade da nossa relação com o mundo e com as pessoas que nos rodeiam. Os animais podem ajudar, mas em última análise serão sempre o espelho de nós mesmos refletindo as nossas mais profundas verdades afetivas e emocionais.

Por exemplo, se a leitora for esquiva, olhar para baixo e temerosa, o seu animal tenderá a reproduzir esse comportamento. Se for feliz e bem-disposta, o seu bicho será um posso de energia e de vida. Ter um animal é criar um animal! Em resumo, o medo ou a alegria nutrem-se de um impacto emocional negativo ou positivo que afetam todos os seres vivos ao seu redor que convivem consigo.

Eles não devem aparecer na sua vida com a função de animal “remédio” (mesmo que, muitas vezes, sejam – siimmm – uma bomba de oxitocina, conhecida como a “hormona do amor”, do afeto e do carinho!).

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Essa dose maravilhosa de oxitocina que os nossos animais de estimação nos dão permite-nos reconectar-nos com a realidade, conjugar o afeto com o sonho para vencer as nuvens quotidianas com mais segurança. Porque todos estamos “um pouco adormecidos” até termos descoberto o que é o amor… e, seguramente também, o amor a um animal.

A jornada do auto-conhecimento e do desenvolvimento pessoal é um profundo caso de amor consigo própria. Mas isso não quer dizer que você deva abandonar o amor direcionado a alguém em particular, a um animal, a uma planta, a uma pedra, ao céu, às estrelas…!

Pelo contrário. Quanto mais amor (se) der, mais terá para dar. E quanto mais fundo for no amor, mais emocionalmente inteligente será. E quanto mais fundo for na auto-aceitação, mais amorosa ficará.

Se sentir que quer e pode fazê-lo, sim, ame/adote um animal. Mas não porque a sua solidão seja o principal motivo. Faça-o por ele, altruistamente, e com isso, aprenda a doar-se mais ao mundo ao seu redor e a desenvencilhar-se desse sentimento capanga de estar só e, provavelmente, “deslocada” da vida à sua volta… Pelo contrário, aprenda a reestabelecer ligações saudáveis e mutuamente inspiradoras através de uma bolinha de pelo, e que essa amizade seja para a vida!

Mas não espere que o seu pet venha a suprir alguma carência afetiva mais estrutural.

Espere apenas o entendimento do que a trouxe até aí. E as boas notícias? Há um amor à sua espera! Armazenado como uma herança. Este amor é uma força, é uma energia, é uma bênção a cada dia, tão grande, que você só o verá quando quiser (e puder) ver.

Até para a semana!

As coisas MAGGníficas da vida!

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