Esta semana, o publisher da MAGG, Ricardo Martins Pereira, partilhou na sua página de Instagram um desabafo sobre os papéis dos pais. "Por que é que uma mãe que fica em casa com os filhos, orienta as telescolas, trata das refeições, dos banhos e ainda está em teletrabalho é apenas uma mãe e um pai que faz exatamente a mesma coisa é um super pai? Não é. Não há super pais. Há apenas pais", pode ler-se na publicação.
Li, identifiquei-me e fiquei a remoer de tal forma no assunto que tive de desabafar de alguma forma. E como ganho a vida a escrever, pareceu-me a solução ideal. A resposta à questão do Ricardo é simples: os pais são super quando fazem as mesmas coisas que as mães porque vivemos (sim, em 2021) numa sociedade que evolui em muita coisa, menos na ideia que uma mãe é mais do que um pai.
É mais responsável pelos filhos, é mais educadora, é mais protetora, tem de ser mais presente, ama mais, faz mais. Não sou perita em ciência e não me vou pôr a analisar hormonas do amor, mas à exceção do momento da gravidez, parto e amamentação, as mães, de uma forma genérica, não são mais que os pais — ou não deviam ser. Porque se "mãe é mãe", pai é ser o quê? Não deveria significar o mesmo?
Antes de passarmos ao linchamento público, vamos já deixar claro que não me refiro a exceções (espero) em que falamos de homens ausentes, violentos, autênticas bestas, e em que uma mãe fará o melhor ao afastar o seu filho de tal ser. Mas o contrário também se passa, e embora reze que sejam raros os casos, acredito que também andem por aí mulheres violentas, agressivas e igualmente bestas que não merecem os filhos.
Mas voltando à premissa inicial, o problema em achar que um pai é super quando faz as mesmas coisas que uma mãe vem da noção pré-concebida dos papéis de homem e mulher. Mesmo antes dos filhos chegarem, uma mulher tem "sorte" porque o companheiro a "ajuda". "Uau, faz o jantar? Que sorte que tu tens". "Lava a loiça, faz a cama, passa a ferro? Que sorte que tu tens.". "Não acredito, não tens de lhe dar a comida à boca com cinto de ligas para ele ter algo fixe para onde olhar? Que sorte que tu tens."
Exageros à parte, temos muito disto. Qualquer mulher que tenha sido abençoada com dois neurónios ao ponto de não escolher um machista preguiçoso para dividir uma vida, tem sorte. Não, não são esses seres que não levantam uma palha que têm culpa, as que agarraram os que fazem parte da exceção é que são umas sortudas (alerta ironia).
E depois chegam os filhos e a lenga-lenga repete-se com fraldas, biberons, dar refeições, banhos, etc. Todas as mulheres que tenham um parceiro com quem dividir as tarefas igualmente são umas sortudas.
Faço parte desse grupo, embora não me considere sortuda. Tive foi a noção de escolher para companheiro alguém com muitos bons valores, com um jeito para a cozinha danado e que, mesmo aos 20 e poucos anos, consegui antever que ia ser um bom pai e alguém com quem nunca teria de perder tempo a explicar que cuidar dos filhos era um trabalho dos dois — e há quase quatro anos que as nossas filhas são responsabilidade dos dois, sem diferenças.
Mas meus caros, precisava de ter nascido no Entroncamento e ter dedos a triplicar para contar pelas mãos a quantidade de vezes que fui apelidada de sortuda por amigos e conhecidos. Sortuda apenas por ter feito uma escolha decente. Sim, porque há o outro lado da questão: as mulheres e mães que apontam o dedo a quem têm em casa, sem pensar duas vezes se não terão tido parte da culpa ao permitir certas coisas.
Se um homem se recusava a lavar a loiça naqueles primeiros fins de semana a dois, amiga, a tendência é para piorar com os anos. Se sempre olhou para birras de crianças e comentou "a mãe não tem mão nisto", é um bocadinho óbvio que a sua noção de parentalidade assenta muito na ideia de que é a mulher que tem de fazer tudo. E se foi uma total surpresa que a sua prestação como pai tenha sido uma nódoa num primeiro filho, acreditem, não vale a pena fazer a prova dos nove com um segundo. Spoiler alert: vai ser a mesma merda.
Mas depois também temos outra espécie. Aquela mulher que se queixa de tudo e mais alguma coisa, mas não dá espaço ao pai para fazer nada. É ele que está a dar banho ao bebé? Fica à porta à espera do deslize. É o homem que está a fazer a sopa? Tem de ver se ele não bota lá uma malagueta. O quê, deixar o meu filho sozinho com o pai enquanto eu vou jantar fora com as amigas e recuperar sanidade mental? Nunca na vida, o que seria. E claro, se estes homens já o fazem por obrigação, acreditem que vão aproveitar todas estas atitudes para deitar a toalha ao chão e assumir que só não fazem mais porque as mulheres não deixam. Mas descansem, os homens de jeito, que valeram a pena todos os desgostos que tiveram antes, vão persistir e continuar com a sua função: ser pai.
No entanto, há muita culpa imputada à sociedade e aos hábitos tão enraizados nas famílias mais comuns. A culpa é dos pais que nunca ensinaram o filho rapaz a fazer um arroz ou uma máquina de roupa, mas que sempre ofereceram cozinhas de brincar às raparigas. A culpa é dos pediatras que perguntam onde está a mãe se um pai aparece sozinho para a consulta com os miúdos, mas nem pensam em questionar onde anda o homem no cenário contrário. A culpa é dos workshops de fraldas reutilizáveis — aplicável a todas as outras áreas da parentalidade — que escrevem no email que "os pais também podem assistir" (sim, isto aconteceu mesmo a uma amiga). A culpa é das mulheres que acham que as amigas que têm um ser humano ao lado que é pai na verdadeira definição da palavra têm sorte.
Numa época em que — e ainda bem — questionamos se os chavões que sempre utilizamos não serão preconceituosos ou racistas, que tentamos criar um mundo melhor para os nossos filhos, e queremos todos ser mais tolerantes, continuamos a achar curioso, e não resistimos a apontar o dedo à mulher que, tal como o companheiro, guarda um dia da semana ou do mês para sair até às tantas com os amigos. "Ah, só pode porque ele ajuda. Tem tanta sorte."