Tirei a carta depois de ter chumbado uma vez no código e duas na condução. É assim meus amigos, cada um com as suas fraquezas.
Mas mesmo depois de ter a carta na mão, muito poucos tinham sido os quilómetros feitos, sempre cheia de medo de me aventurar numa auto estrada ou numa cidade desconhecida. Aliás, vivia em Lisboa já há mais de cinco anos e nunca ninguém me tinha visto ao volante. É que nem em carrinhos de choque, que a capital é fixe, mas uma pessoa sente falta da festa da aldeia.
A coragem de me fazer à estrada devo-a a José Sócrates — sim, eu e as crianças com computadores Magalhães somos dos poucos exemplos de quem tem coisas para agradecer ao ex-primeiro-ministro. Mas a verdade é que foi no dia 21 de novembro de 2014 que Sócrates foi preso e eu tive que pegar num Smart e pôr-me a caminho de Évora. Lembro-me bem quando a minha editora, ainda nos tempos do Jornal i, se aproxima e pergunta: "Olha lá, tu tens carta, não tens?". Eu fixei os olhos no ecrã a pensar qual seria a resposta certa a dar, tendo em conta a minha inexperiência. Lá arrisquei num "sim" dito a medo e ela atira-me com um: "Então preciso que vás para Évora. O Sócrates está lá detido". Suei de todos os meus poros, tive que parar no meio da estrada para ver onde se ligavam os médios e levei mais buzinadelas do que aquelas que tenho orgulho em admitir. Mas cheguei lá. E voltei. E foi aí que perdi o medo à estrada.
Passado pouco tempo comprei um carro e, durante quatro anos, dominei a arte de estacionar nos espaços mais apertados de Lisboa. Driblei a Emel, a Emel driblou-me a mim, e juntas driblamos as colinas de uma cidade pouco amiga do condutor.
Mas entretanto, o carro ficou cada vez mais vezes parado à porta de casa. Tanto que foram muitas as baterias a colapsar por falta de uso. Isto, a juntar aos IUC, seguros e inspeções desta vida, levaram-me a pensar: "Mas eu preciso realmente de carro?". Não demorei dois segundos a concluir que não. Vendi-o rapidamente e parece que me foi tirado um peso de cima. E foi mesmo. Porque, na verdade, os carros são, em conjunto com as centrais elétricas, os principais produtores de dióxido de carbono. Bem sei que moro a dois passos da zona mais poluente de Lisboa, a Avenida da Liberdade, mas já deixei de ser parte do problema. Agora, tento ser parte da solução.
Ando mais a pé do que nunca e já experimentei tudo o que é trotinetes e bicicletas elétricas da cidade. Já fiz as contas e descobri até que é a bicicleta o meio de transporte mais rápido para ir de casa ao trabalho, viagem que implica atravessar a cidade. Em 15 minutos pus-me lá, enquanto que a pé são 40 minutos, de autocarro uns 30 e de carro, num dia bom, nunca são menos do que 20 minutos, com aquele para-arranca que toda a gente dispensa para começar o dia.
Quando as viagens são maiores, dispenso a CP pelos preços, e opto pelo autocarro ou, na maioria das vezes, pela partilha de boleias. Há pelo menos dez anos que o sobe e desce Lisboa-Minho-Lisboa é feito no carro de uma pessoa que não conheço, mas que me permite chegar ao destino de uma forma mais rápida, confortável e barata. E muitas dessas pessoas que não conhecia têm boas histórias para partilhar. Acreditem que isso faz diferença quando temos 4 horas de A1 pela frente.
Menos carros na estrada e mais quilómetros nas pernas é o meu lema e, mesmo os que preferem as quatro rodas parecem estar a abrir consciência para o impacto desse — muitas vezes — capricho. É que, nem de propósito, acabo de receber um email com o título: "83% dos portugueses estão preocupados com ambiente e metade pretende mudar para um veículo elétrico". Elétrico, a pedal ou puxado a bois, escolham. Se bem que a bois, talvez não seja a melhor ideia. É que o cocó bovino, esse sim, manda mais gases para a atmosfera que todo o fumo concentrado no Túnel do Marquês.