Esta terça-feira, 4 de maio, Portugal acordou com a notícia de que a atriz Maria João Abreu está hospitalizada devido à rotura de um aneurisma cerebral e mantém-se até hoje com um prognóstico reservado. Mas, afinal, o que é um aneurisma cerebral, como é que este se pode manifestar e que efeitos pode ter na nossa vida?
Bruno Lourenço Costa, neurocirurgião na Clínica Paincare e especialista em neurocirurgia vascular e da base do crânio, explica à MAGG que "um aneurisma é uma doença das principais artérias do cérebro localizadas dentro do crânio". Em determinadas regiões, a pressão e a pulsação do sangue a circular na artéria vão tendo efeitos na sua parede, o que faz com que, segundo o especialista, se possa formar "uma espécie de uma bolhinha (de uma dilatação)" — à qual se dá o nome de aneurisma — com paredes muito frágeis e que tem tendência a crescer com o tempo.
Apesar de haver pessoas que vivem toda a vida com um aneurisma que nunca chega a ser detetado, o principal perigo acontece quando este cresce muito rapidamente e acabada por rebentar antes de dar qualquer sinal. "Nesses casos, acontece um AVC hemorrágico ou uma hemorragia cerebral. O sangue que circula dentro da artéria sob pressão acaba por ser derramado à volta do cérebro ou mesmo dentro do cérebro e produz uma lesão neurológica", explica Bruno Costa.
Apesar de ser uma doença que pode atingir pessoas de qualquer idade, é muito rara em crianças (podendo, nestes casos, estar associada a doenças genéticas graves), mas ao longo da vida, a frequência de aneurismas vai sempre aumentando — sobretudo a partir dos 30 anos e em particular nas mulheres. Atualmente, estima-se que cerca de 5% da população seja portadora de um aneurisma cerebral, com uma taxa anual de rotura de cerca de 2%, revelam dados da CUF.
Quando o aneurisma rebenta, o especialista explica que os efeitos podem ser alguns, mas nunca silenciosos. "Nessas circunstâncias, o que pode acontecer é termos uma dor de cabeça muito violenta, isso é a forma mais inocente, até ficarmos em coma subitamente ou mesmo morrer logo no momento do evento."
"Quem tem um ou mais familiares diretos com um aneurisma cerebral tem cerca de 10% de probabilidade de desenvolver um"
Neste sentido, a gravidade da doença está mesmo no facto de poder ser muito silenciosa e só detetável quando já não há nada a fazer. A verdade é que muitas vezes não há explicação para o aparecimento de um aneurisma, mas Bruno Costa explica que resultam maioritariamente de uma combinação complexa entre a genética e o estilo de vida.
"O componente genético é importante porque quem tem um ou mais familiares diretos com um aneurisma cerebral tem cerca de 10% de probabilidade de desenvolver um durante a sua vida. O risco com um familiar não direto não está calculado, mas também é superior ao da população em geral", alerta o especialista.
Neste sentido, um exame regular pode ser uma das recomendações para evitar o agravamento da doença caso ela já se tenha manifestado. Apesar de não serem exames que se possam fazer com muita regularidade, devido também aos riscos que acarretam, o neurocirurgião explica que já existem protocolos em que se avalia o risco de a pessoa desenvolver um aneurisma, depois pesa-se as possíveis consequências dos exames e chega-se a um calendário que, inicialmente, pode ser de ano a ano, depois passa para de dois em dois anos, e assim sucessivamente.
O estilo de vida pode influenciar o aparecimento da doença
Além dos fatores genéticos, o consumo de tabaco, o álcool, a hipertensão arterial, o colesterol e a diabetes são apontados pelo especialista como fatores de risco para muitas doenças, "entre elas os aneurismas cerebrais".
Uma vida stressante pode também levar ao seu aparecimento? Neste caso, Bruno Costa explica que esse é um aspeto difícil de quantificar. "Provavelmente não é um fator de risco para formar um aneurisma, mas é um fator de risco para, tendo um aneurisma, esse romper", esclarece.
Segundo o especialista, esta é uma doença que, na maior parte dos casos, nunca se devolve de um momento para o outro. E existem vários tipos de aneurismas? "Os aneurismas saculares são os mais frequentes, mas existem outras causas muito raras de aneurismas. Uma delas são os traumatismos sobre a cabeça, outra as doenças inflamatórias e infeciosas do sistema nervoso (que também podem provocar aneurismas), mas esses são completamente diferentes. Em vez de serem uma bolinha, são uma dilatação difusa da artéria e, normalmente, implicam que esta esteja mais alterada. As localizações também são diferentes, mas essa é uma causa mesmo muito rara."
Apesar de ser uma doença silenciosa, quando se chega a um diagnóstico, muitas vezes por um mero acaso, há duas formas de tratamento possível para evitar que mais tarde o aneurisma possa romper: são elas a microcirurgia ou cirurgia endovascular.
Bruno Costa explica que, no caso da microcirurgia, o que acontece é que o neurocirurgião faz uma pequena abertura no crânio e, com o microscópio e instrumentos muito específicos, separa o aneurisma das artérias normais e do cérebro, colocando uma espécie de "clip" para que aneurisma fique tratado de uma forma imediata e definitiva.
"Na cirurgia endovascular, o neurocirurgião ou o radiologista inserem um tubo muito fininho na artéria da virilha e por dentro das artérias esse tubo é conduzido até ao aneurisma cerebral. No ponto onde está o aneurisma, a parede da artéria pode ser forrada com uma rede ou então o aneurisma pode ser forrado com umas molas. Isso faz reforçar a parede e faz com que se reduza o risco de romper e provocar um AVC hemorrágico", explica, referindo que, apesar do aneurisma permanecer, o risco diminui muito.
A que sintomas deve a população estar atenta?
Além do histórico hereditário, o neurocirurgião explica que há três contextos que nos podem levar ao diagnóstico de um aneurisma. O primeiro, e o mais favorável, é quando a pessoa não tem qualquer tipo de queixa, mas realiza um exame por outra razão e é depois detetado o aneurisma.
"O segundo contexto representa o mais frequente, e desfavorável, e é quando o aneurisma rompe e produz o AVC hemorrágico. Esta pode ser a primeira, mas também a mais grave manifestação possível do aneurisma", continua. Nestes casos, quando o aneurisma rompe, o especialista explica que pode produzir uma dor de cabeça muito violenta, uma alteração de comportamento (como deixar de falar ou mexer um dos membros), coma ou "a pessoa pode mesmo morrer no momento da rotura do aneurisma".
"Estas coisas podem acontecer por muitas causas, mas quando elas acontecem num adulto que até ali estava normal, a hipótese de um aneurisma tem de ser colocada e a pessoa tem de ser observada rapidamente"
Mas, segundo Bruno Costa, o mais importante é que alguns aneurismas dão alertas antes de acontecer o AVC hemorrágico. "É muito importante que esses sinais de aviso não passem despercebidos porque significa que o aneurisma não rompeu, mas existe um grande risco de romper a curto prazo."
Aqui, os sintomas podem ser essencialmente três, mas o principal designa-se por uma dor de cabeça à qual os especialistas dão o nome de dor "sentinela". "Uma dor de cabeça que começa de uma forma muito rápida e fica logo muito intensa e que se pode localizar em qualquer parte da cabeça", afirma, explicando que a as localizações mais clássicas são por trás ou à volta dos olhos, de um lado ou dos dois lados, ou podem ainda envolver metade da cabeça ou a cabeça toda.
"A característica mais importante é que é uma dor de cabeça que começa muito rapidamente e fica logo insuportável", diz, acrescentando que não devem ser confundidas com outras dores como, por exemplo, as enxaquecas.
"Isso é um erro muitas vezes cometido, porque se pensa que numa pessoa que tem enxaquecas, todas a dores de cabeça que vão ter são enxaquecas, mas não. Uma pessoa com enxaqueca também pode ter um aneurisma", esclarece. Assim, aconselha não só as pessoas que nunca tiveram uma dor de cabeça a estarem atentas, como também os que as têm regularmente a não desprezarem quando estas se apresentam com alta gravidade.
Além da dor de cabeça designada por "sentinela", um sinal de alerta para uma pessoa com aneurisma pode ainda ser uma perda de visão súbita, de um olho ou dos dois olhos, ou o aparecimento de visão dupla. Nestes casos, a pessoa fica com um olho mais fechado do que o outro, "e vê-se que o olho está desviado" e apresenta ainda uma pupila mais dilatada, explica o especialista.
"Estas coisas podem ter muitas causas, mas quando elas acontecem num adulto que até ali estava normal, a hipótese de um aneurisma tem de ser colocada e a pessoa tem de ser observada rapidamente", reitera Bruno Costa. "Infelizmente, na maior parte das pessoas, o aneurisma não dá sequer uma oportunidade e manifesta-se logo com um AVC hemorrágico, mas quando existe esta possibilidade, que não é frequente, mas também não é rara, é uma oportunidade de diagnóstico e de tratamento precoce em condições muito mais favoráveis que não deve ser desperdiçada", remata.
Quanto aos exames, o mais eficaz para diagnosticar o aneurisma é, segundo o especialista, a angiografia cerebral ou um angioTAC. Contudo, nos últimos anos verificou-se uma grande evolução da angioressonância magnética que permite já diagnosticar muitos aneurismas de uma forma eficaz com a grande vantagem de não utilizar nem contraste nem radiação que, a longo prazo, pode ser prejudicial para a saúde.