Há cada vez mais portugueses a comprar medicamentos para dormir. É esta a conclusão da Coordenação Nacional da Estratégia do Medicamento e dos Produtos de Saúde, que concluiu que 1,9 milhões de portugueses compraram pelo menos uma embalagem de calmantes em 2016.
Os números são assustadores, portanto. E pioram quando percebemos que 800 mil pessoas recorrem a estes comprimidos todos os dias. É pior nas mulheres — o consumo de benzodiazepinas, usadas nas perturbações da ansiedade e em casos de insónia, verifica-se sobretudo no género feminino (70%) e nas faixas etárias entre os 55 e os 79 anos.
O problema é que os comprimidos para dormir não induzem um sono natural. Além disso, têm como alvo o mesmo sistema cerebral do álcool, podem provocar sérios danos à saúde e até aumentar o risco de doenças potencialmente fatais. No novo livro "Porque Dormimos?", Matthew Walker, professor de Neurociência e Psicologia na Universidade de Berkley, analisa os riscos dos comprimidos para dormir e sugere uma alternativa.
Mas há mais. O sono é um dos aspetos mais importantes da nossa vida e a ausência dele pode ter consequências devastadoras para a nossa saúde. Com base em descobertas científicas revolucionárias, e sintetizando décadas de investigação e prática clínica, Matthew Walker analisa a importância de dormir bem, explica como muda o sono ao longa da vida, a diferença em relação aos animais e o significado dos sonhos.
Em antecipação ao lançamento de "Porque Dormimos?", que chega às livrarias esta sexta-feira, 7 de fevereiro, a MAGG mostra-lhe as palavras do autor sobre os comprimidos para dormir. São fáceis de adquirir e tornaram-se num hábito comum entre os portugueses, mas há falta de transparência por parte das indústrias farmacêuticas. Fazem mal? Fazem. Mesmo quando são tomados ocasionalmente.
O que prejudica e ajuda o seu sono: comprimidos Vs. terapia
“No último mês, quase 10 milhões de pessoas nos Estados Unidos ingeriram uma espécie qualquer de auxiliar de sono. A mais relevante, e o protagonista deste capítulo, é o uso (e abuso) de comprimidos para dormir. Os comprimidos para dormir não proporcionam um sono natural, podem causar danos à saúde e aumentar o risco de doenças potencialmente fatais. Vamos também explorar as alternativas que existem para melhorar o sono e combater a insípida insónia.
Deve tomar dois destes antes de dormir?
Nenhuma medicação para dormir, passada ou presente, existente no mercado legal (ou no ilegal) induz um sono natural. Não me interprete mal – ninguém dirá que depois de tomar comprimidos para dormir vai continuar acordado. Mas sugerir que estará a beneficiar de um sono natural é um pressuposto igualmente falso.
Os antigos comprimidos para dormir – denominados «sedativos hipnóticos» como os diazepans – eram meros instrumentos rombos. O seu efeito era sedar as pessoas em vez de as ajudar a adormecer. Compreensivelmente, muitas pessoas confundem as duas situações. A maior parte dos comprimidos que existe atualmente no mercado apresenta uma ação semelhante, apesar de o efeito sedativo ser ligeiramente mais moderado. Os comprimidos para dormir, os antigos e os recentes, têm como alvo o mesmo sistema cerebral do álcool – os recetores que impedem os neurónios de libertarem a sua carga elétrica – e fazem, por isso, parte da mesma categoria de drogas: sedativos. Os comprimidos para dormir desligam efetivamente as regiões superiores do córtex cerebral.
Se comparar a atividade de ondas cerebrais em sono natural profundo com as que são induzidas pelos comprimidos modernos, como zolpidem (cujo nome comercial é Ambien) ou como eszopiclone (com o nome comercial de Lunesta), a assinatura elétrica, ou qualidade do sono, é deficiente. O tipo de «sono» elétrico que estes medicamentos provocam não inclui as ondas cerebrais mais amplas e profundas. Para além deste facto, ainda existem uma série de efeitos secundários indesejados, incluindo a sonolência ou confusão no dia seguinte, esquecimento diurno, desempenho de ações noturnas das quais não temos consciência (ou pelo menos em relação às quais desenvolvemos uma amnésia parcial de manhã) e um tempo de reação mais lento durante o dia que pode ter um impacto sério nas capacidades motoras, como, por exemplo, na condução.
Estes efeitos verificam-se até nos comprimidos mais recentes no mercado, com ciclos de ação mais curtos, e dão origem a um ciclo vicioso. A sonolência depois de acordar pode fazer com que as pessoas bebam mais chá ou café para se despertarem ao longo do dia ou ao entardecer. Essa cafeína, por sua vez, faz com que seja mais difícil dormir na noite seguinte, piorando a insónia. Como resposta, as pessoas tomam mais metade de um comprimido, ou mais um comprimido inteiro, à noite para combater o efeito da cafeína, embora isto só amplifique o efeito de entorpecimento do dia seguinte. Segue-se um consumo ainda mais acentuado de cafeína e perpetua-se esta espiral descendente.
Outro aspeto extremamente desagradável dos comprimidos para dormir é a insónia de recuperação. Quando as pessoas param de tomar este tipo de medicação, sofrem frequentemente de maiores dificuldades em dormir, por vezes o seu sono fica ainda mais pobre do que quando procuraram ajuda dos comprimidos em primeiro lugar. A causa para a insónia de recuperação é um tipo de dependência na qual o cérebro altera o equilíbrio dos recetores em reação à dosagem cada vez mais alta de medicamento, tentando tornar-se de alguma forma menos sensível para combater o efeito químico que estes têm no cérebro. Este processo é também conhecido como tolerância a substâncias. Mas quando a toma do medicamento é interrompida, segue-se um período de ressaca, parte do qual envolve um desagradável pico na severidade da insónia.
Isto não devia surpreender-nos. A maior parte dos comprimidos para dormir incluem-se, afinal, na categoria de substâncias fisicamente viciantes.
A dependência aumenta com o uso continuado e a ressaca segue a abstinência. Claro que quando os pacientes não tomam comprimidos numa noite e dormem miseravelmente, como resultado de insónia de recuperação, é frequente voltarem a tomar os comprimidos na noite seguinte. O que poucas pessoas se apercebem é que esta noite de insónia severa e a necessidade de voltar a tomar os comprimidos para dormir são parcialmente, ou totalmente, causados pelo uso persistente dos mesmos comprimidos.
A ironia é que muitas pessoas experimentam apenas uma melhoria ligeira no «sono» quando tomam este tipo de medicação e o benefício é mais subjetivo do que objetivo. Uma equipa formada recentemente por médicos proeminentes e investigadores examinou todos os estudos publicados até à data sobre as novas formas de comprimidos para dormir que a maior parte das pessoas toma.86 Consideraram 65 estudos individuais sobre medicação e placebos, que envolveram quase 4500 participantes. Regra geral, os participantes sentiam subjetivamente que adormeciam mais depressa e dormiam melhor com menos episódios de despertar, em comparação com a tomada de placebos. Mas não é isto que os registos de sono mostram. Não havia diferença na qualidade do sono que as pessoas dormiam. Tanto os placebos como os medicamentos reduziam o tempo que os participantes demoravam a adormecer (entre dez a 30 minutos), mas a diferença não era estatisticamente dependente entre ambos. Por outras palavras, não havia benefícios objetivos nos comprimidos para dormir para lá daqueles que os placebos também ofereciam.
Sumariando as descobertas, o comité declarou que os comprimidos para dormir produziam apenas «um ligeiro melhoramento na latência subjetiva e polissonografia do sono» –, ou seja, no tempo que se demora a adormecer. O comité concluiu o relatório afirmando que o efeito dos comprimidos atuais para dormir era «de importância clínica questionável e bastante reduzida». Até o novo comprimido para dormir, chamado suvorexanto (com o nome comercial de Belsomra) provou ter um efeito mínimo, como já vimos no capítulo 12. Versões futuras destes medicamentos podem vir a oferecer melhorias significativas no sono, mas, por enquanto, os dados científicos sobre os comprimidos para dormir sugerem que estas podem não ser a resposta para um sono saudável para as pessoas que se debatem com a geração espontânea de bom sono.
Comprimidos para dormir — o mau, o mau e o feio
Os comprimidos para dormir que existem atualmente oferecem uma ajuda mínima, mas serão nocivos, ou até letais? São muitos os estudos que têm uma palavra a dizer em relação a isto, no entanto a maioria das pessoas continua a não ter noção das descobertas já feitas.
O sono profundo natural, como vimos anteriormente, ajuda a cimentar as novas memórias no interior do cérebro, sendo que uma parte dele precisa do fortalecimento ativo entre as ligações sinápticas que compõem o nosso circuito de memória. A forma como esta função essencial de armazenamento noturno é afetada pelo sono induzido por comprimidos foi o objeto de estudos recentes com animais. Depois de um período de aprendizagem intenso, os investigadores da Universidade da Pensilvânia deram aos animais uma dose adequada ao seu peso de Ambien ou de um placebo e a seguir examinaram as mudanças nas ligações cerebrais de ambos os grupos depois do sono. Como era de esperar, o sono natural solidificou as ligações de memória formadas na fase de aprendizagem no cérebro do grupo que tomou placebo. No entanto, o sono induzido por Ambien, não só não atingiu os mesmos benefícios (não obstante os animais terem dormido o mesmo tempo), como causou um enfraquecimento (desconexão) de cerca de 50% das ligações neurais que se formaram durante a fase de aprendizagem. Assim, o sono induzido por Ambien tornou-se num apagador de memórias, em vez de um escultor das mesmas.
Se continuarem a ser feitas descobertas semelhantes, incluindo nos humanos, as empresas farmacêuticas podem ser forçadas a admitir que, embora os consumidores de comprimidos para dormir possam adormecer mais depressa à noite, devem esperar acordar no dia seguinte com menos memórias do dia anterior. Este facto é especialmente preocupante tendo em conta que a idade média em que se começam a receitar este tipo de comprimidos está a diminuir, em proporção inversa ao aumento da quantidade de queixas com o sono e insónia pediátrica. Se isto for verdade, os médicos e progenitores podem precisar de ter especial atenção para não cederem à tentação de receitar e dar comprimidos para dormir. De contrário, os cérebros jovens, que ainda estão a formar as suas ligações no início dos 20 anos, estarão a tentar desempenhar a tarefa já de si desafiante do desenvolvimento e aprendizagem neural sob a influência subversora dos comprimidos para dormir.
Ainda mais preocupante do que a ligação cerebral são os efeitos médicos por todo o corpo como consequência do consumo de comprimidos para dormir – efeitos estes que ainda não são conhecidos por todos, mas que deviam ser. Os mais controversos e alarmantes são os salientados pelo Dr. Daniel Kripke, um médico da Universidade da Califórnia, São Diego. Kripke descobriu que os indivíduos que consomem comprimidos para dormir têm uma probabilidade bastante maior de morrer e desenvolver cancros do que aqueles que não o fazem. Quero deixar bem explícito desde já que Kripke (como eu) não tem qualquer interesse em nenhuma empresa farmacêutica em particular e logo não tem qualquer ganho ou prejuízo nos exames que faz à relação que existe entre a saúde e o consumo de comprimidos para dormir – fosse esta relação boa ou má.
No início dos anos 2000, as taxas de insónia aumentaram e as receitas de comprimidos para dormir sofreram um incremento dramático. Isto também implicou que passou a existir muito mais informações disponíveis. Kripke começou então a examinar as grandes bases de dados epidemiológicos. Queria explorar se existia alguma relação direta entre o consumo de comprimidos para dormir e as alterações nas doenças, ou no risco de mortalidade. Existia. A mesma mensagem surgiu-lhe repetidamente vinda de várias análises diferentes: os indivíduos que tomavam comprimidos para dormir tinham uma probabilidade significativamente maior de morrer durante o período dos estudos (normalmente um punhado de anos) do que aqueles que não tomavam quaisquer comprimidos; vamos discutir as razões em breve.
No entanto, era frequentemente difícil fazer uma comparação equivalente com as bases de dados anteriores, uma vez que não havia participantes suficientes ou fatores de medição que pudesse controlar para poder excluir realmente o efeito puro dos comprimidos para dormir. Mas em 2012 estes dados já existiam. Kripke e os seus colegas estabeleceram uma base de comparação bem controlada, examinando mais de dez mil participantes que tomavam comprimidos para dormir, sendo que a grande maioria tomava zolpidem (com o nome comercial de Ambien), embora alguns tomassem temazepam (com o nome comercial de Restoril). Comparou-os com 20 mil participantes de idades, raça, género e origens semelhantes, mas que não tomavam comprimidos para dormir. Além disso, Kripke pôde controlar muitos outros fatores que podiam contribuir inadvertidamente para a taxa de mortalidade, como o índice de massa corporal, o historial de exercício físico, os hábitos tabágicos e o consumo de álcool. Observou a probabilidade de doença e morte durante um período de dois anos e meio, como ilustrado na figura 15.
Os que tomavam comprimidos para dormir tinham uma probabilidade 4,6 vezes maior de vir a morrer durante o curto período de dois anos e meio, quando comparados com aqueles que não tomavam comprimidos para dormir. Kripke descobriu ainda que o risco de morte aumentava com a frequência do uso. Os participantes classificados de consumidores pesados, que se definem por tomarem mais de 132 comprimidos por ano, tinham uma probabilidade 5,3 vezes maior de morrer durante o período do estudo, quando comparados com os participantes que não tomavam qualquer medicação para dormir.
Mais preocupante era o risco de mortalidade para as pessoas que raramente tomavam este tipo de comprimidos. Mesmo os consumidores muito ocasionais – que se definem por tomarem apenas 18 comprimidos por ano – continuam a ter 3,6 vezes mais probabilidade de morrer durante o decurso do estudo, quando comparados com aqueles que nunca tomavam qualquer comprimido para dormir. Kripke não foi o único investigador a deparar-se com este tipo de associações com o risco de mortalidade. Existem atualmente mais de 15 estudos semelhantes de grupos diferentes um pouco por todo o mundo e que demonstram um risco de mortalidade superior para aqueles que consomem comprimidos para dormir.
O que mata estas pessoas que tomam comprimidos para dormir? Esta pergunta é mais difícil de responder, mesmo tendo em conta os dados disponíveis, mas é claro que as razões são várias. Numa tentativa de encontrar respostas, Kripke e outros grupos de investigadores independentes avaliaram os dados de estudos que envolvem quase todos os comprimidos comuns para dormir, incluindo zolpidem (Ambien), temazepam (Restoril), eszopiclone (Lunesta), zaleplon (Sonata), e outras drogas sedativas, como triazolan (Halcion) e flurazepam (Dalmane).
Uma das causas frequentes de mortalidade parece ser uma taxa anormalmente alta de infeções. Como também já vimos em capítulos anteriores, o sono natural é um dos impulsionadores mais poderosos do sistema imunitário, que ajuda a afastar as infeções. Então, por que motivo as pessoas que tomam comprimidos para dormir, que presumivelmente «melhoram» o sono, sofrem de taxas mais elevadas de infeções várias quando devia verificar-se o oposto? É possível que o sono induzido através de medicamentos não proporcione o mesmo benefício restaurador ao sistema imunitário como acontece com o sono natural. Isto seria mais perturbador para os mais velhos. A probabilidade de os adultos mais velhos sofrerem infeções é bastante maior. Assim como os recém-nascidos, os mais velhos são as pessoas imunologicamente mais vulneráveis da nossa sociedade. E são também os que mais consomem comprimidos para dormir, representando mais de 50% dos indivíduos a quem estes medicamentos são receitados. Com base nestes factos coincidentes, pode ter chegado a altura de a medicina reavaliar a frequência com que prescreve comprimidos para dormir aos mais velhos.
Outra causa de morte associada ao consumo de comprimidos para dormir é o aumento do risco de acidentes de viação fatais. Estes são provavelmente causados pelo sono não restaurador que este tipo de medicamentos induz e/ou pela sonolência e ressaca que algumas pessoas experienciam; ambas as condições podem deixar os condutores sonolentos enquanto conduzem no dia seguinte. Um risco mais elevado de quedas noturnas foi outro dos fatores de mortalidade mais apurado, principalmente nos mais velhos. Outras associações adversas nos consumidores de comprimidos para dormir incluem taxas de doenças cardíacas e apoplexias mais elevadas.
A seguir surgiu a questão do cancro. Os estudos iniciais davam leves indícios de uma relação entre os comprimidos para dormir e o risco de mortalidade por cancro, mas os termos de comparação não eram tão bem controlados como são atualmente. O estudo de Kripke fez um trabalho bastante mais completo e incluiu as novas e mais relevantes medicações, como o Ambien. Os participantes que tomavam comprimidos para dormir tinham uma probabilidade entre 30 a 40% mais alta de desenvolverem cancro dentro do período experimental de dois anos e meio, quando comparados com aqueles que não tomavam comprimidos. Quanto mais antigos fossem os comprimidos, como o temazepam (Restoril), maior era a associação, com os consumidores de doses leves a moderadas a sofrerem um aumento de cerca de 60% de probabilidade de desenvolverem cancro. Os que tomavam a dose mais elevada de zolpidem (Ambien), continuavam a ser vulneráveis, sofrendo quase 30% de probabilidade de desenvolver cancro durante o período de dois anos e meio em que durou o estudo.
É interessante reparar que nas experiências animais conduzidas pela própria empresa farmacêutica surgiu a mesma tendência de perigo carcinogénico. Embora os dados das empresas farmacêuticas apresentados no website da FDA sejam um tanto obscuros, parece que taxas mais elevadas de cancro podem ter surgido entre os ratos e ratinhos que recebiam este tipo de comprimidos para dormir.
Estas descobertas provam que os comprimidos para dormir provocam cancro? Não. Pelo menos não por si só. E também existem explicações alternativas. Por exemplo, pode ser que o sono deficiente que os participantes tinham antes de começarem a tomar estes comprimidos – e que motivou a sua prescrição – e não os comprimidos propriamente ditos, os tenham predisposto a uma saúde menos boa. Mais do que isso, quanto mais problemático o sono anterior do participante, talvez maior a quantidade de comprimidos que veio a consumir, sendo que este facto justifica a relação entre a mortalidade dependente das dosagens e a quantidade de ocorrências carcinogénicas que Kripke e outros observaram.
Mas é igualmente possível que os comprimidos para dormir causem a morte e o cancro. Para obtermos uma resposta definitiva, precisamos de um ensaio clínico específico, concebido exclusivamente para examinar estas taxas de morbidade e mortalidade. Ironicamente, um estudo desta natureza pode nunca vir a ser possível, uma vez que os conselhos de ética podem considerar que os perigos aparentes já existentes e os riscos carcinogénicos já associados com os comprimidos para dormir são demasiado altos.
As empresas farmacêuticas não deviam ser mais transparentes em relação às provas atuais e aos riscos que envolvem o consumo de comprimidos para dormir? Infelizmente, as grandes empresas conseguem ser notoriamente inflexíveis no que diz respeito à revisão das indicações médicas. Isto é especialmente verdade quando um medicamento foi aprovado depois de cumprir as avaliações de segurança e ainda mais se as margens de lucro forem exorbitantes. Considere que os filmes originais da saga Star Wars – alguns dos filmes que ganharam mais dinheiro na história do cinema – demoraram mais de 40 anos a originar três mil milhões de dólares em lucros. As vendas do Ambien precisaram apenas de quatro meses para darem quatro mil milhões de dólares de lucro, isto sem considerar os valores do mercado negro. É um valor enorme e podemos apenas imaginar a influência que as empresas farmacêuticas têm em todos os níveis de tomadas de decisões.
Talvez a conclusão mais conservadora e menos litigiosa que podemos tirar de todas estas provas é que, até à data, nenhum estudo mostrou que os comprimidos para dormir salvam vidas. Afinal, não é esse o objetivo da medicina e dos tratamentos medicamentosos? Na minha opinião científica, porém, não médica, acredito que as provas já existentes exigem, pelo menos, mais transparência na educação médica de qualquer paciente que esteja a ponderar tomar comprimidos para dormir. Desta forma, as pessoas podem apreciar os riscos e tomar decisões informadas. O leitor, por exemplo, tem uma opinião diferente sobre tomar, ou continuar a tomar, comprimidos para dormir, agora que leu as provas que lhe apresentei?
Para ser bastante claro, não sou antimedicação. Pelo contrário, desejo desesperadamente que exista um medicamento que ajude as pessoas a obterem um sono verdadeiramente naturalista. A maior parte dos cientistas das empresas farmacêuticas que criam os comprimidos para dormir fazem-no com a melhor das intenções e com um desejo honesto de ajudar aqueles para quem o sono é problemático. Sei disto porque, ao longo da minha carreira, conheci muitos deles. E enquanto investigador, estou disposto a ajudar a ciência a explorar novas medicações em estudos independentes e cuidadosamente controlados. Se for finalmente desenvolvido um medicamento – com dados científicos sãos que demonstrem que os seus benefícios ultrapassam amplamente qualquer risco para a saúde –, irei certamente apoiá-lo. O facto é que ainda não existe nenhum medicamente que cumpra estes requisitos.
Não tome comprimidos — experimente isto
Enquanto a busca por medicamentos mais sofisticados para dormir continua, uma nova e excitante onda de métodos não farmacológicos para melhorar a qualidade do sono está a emergir em grande força. Para lá dos estímulos elétricos, magnéticos e auditivos para impulsionar a qualidade do sono profundo de que já falei (e que ainda estão em fase de desenvolvimento embrionário), existem já inúmeros e eficientes métodos comportamentais para melhorar o sono, principalmente para quem sofre de insónia.
Atualmente, o mais eficaz destes métodos chama-se terapia cognitiva comportamental para a insónia, ou TCC, e está a ser rapidamente acolhida pela comunidade médica como uma primeira linha de tratamento. Depois de trabalharem com terapeutas durante algumas semanas, os pacientes recebem um conjunto individualizado de técnicas que têm o propósito de quebrar os maus hábitos de sono e abordar as questões de ansiedade que o têm inibido. A TCC baseia-se em princípios básicos de higiene do sono que descrevo no apêndice, suplementada pelos métodos individualizados para cada paciente, tendo em conta os seus problemas e estilo de vida. Alguns são óbvios, outros continuam a ser um pouco contraintuitivos.
Os métodos mais óbvios implicam a redução de consumo de cafeína e álcool, a retirada de ecrãs e tecnologia do quarto e de refrescar o quarto antes de dormir. Além disso, os pacientes devem (1) estabelecer um horário regular para deitar e levantar, mesmo ao fim de semana, (2) ir para a cama apenas quando tiverem sono e evitarem as sestas no sofá ao início/ meio do serão, (3) nunca ficar deitados na cama, acordados, durante um período de tempo significativo; em vez disso, devem levantar-se e fazer qualquer coisa relaxante até o sono voltar, (4) evitar fazer sestas diurnas se têm dificuldade em dormir de noite, (5) reduzir os pensamentos que provocam ansiedade aprendendo a abrandar mentalmente antes de irem para a cama e (6) retirar os mostradores de relógios visíveis do quarto, para evitar a ansiedade de ver as horas durante a noite.
Um dos métodos mais paradoxais da TCC no combate à insónia é reduzir o tempo que se passa na cama, talvez até apenas seis horas de sono, ou menos, para começar. Mantendo os pacientes acordados durante mais tempo, construímos uma pressão de sono maior – ou seja uma abundância mais elevada de adenosina. Sob o peso esmagador da pressão do sono, os pacientes adormecem mais depressa e atingem uma forma de sono mais estável e sólida ao longo da noite. Desta forma, um paciente consegue recuperar a sua confiança psicológica na capacidade de gerar e suster um sono saudável, rápido e mais profundo noite após noite: algo que lhes fugiu durante meses, se não mesmo anos. Depois de restabelecer a confiança dos pacientes, o tempo de permanência na cama é gradual- mente aumentado.
Embora isto possa parecer um pouco forjado ou mesmo dúbio, os leitores mais céticos, ou aqueles que se sentem normalmente inclinados para a ajuda medicamentosa, devem primeiro avaliar os benefícios comprovados da TCC antes de a desvalorizarem por completo. Os resultados, que foram, entretanto, replicados em inúmeros estudos clínicos um pouco por todo o mundo, demonstram que a TCC é mais eficaz do que os comprimidos para dormir na resolução de numerosos aspetos do sono para pessoas que sofrem de insónias. A TCC ajuda as pessoas a adormeceram consistentemente mais depressa à noite, a dormirem durante mais tempo e a obterem uma qualidade de sono superior ao diminuir significativamente a quantidade de tempo que passam acordadas durante a noite. Mais importante ainda, os benefícios da TCC persistem ao longo do tempo, mesmo depois de o paciente deixar de trabalhar com o terapeuta do sono. Esta sustentabilidade destaca-se em evidente contraste com a chicotada de recuperação de insónia que os pacientes sentem depois de pararem de tomar comprimidos para dormir.
As provas que favorecem a TCC em detrimento dos comprimidos para dormir na melhoria do sono a todos os níveis e com riscos associados para a saúde limitados ou até inexistentes são tão poderosas (ao contrário do que acontece com os comprimidos), que em 2016 a American College of Physicians fez uma recomendação histórica. Um comité de proeminentes médicos de sono e cientistas avaliou todos os aspetos da eficácia e segurança da TCC em relação aos comprimidos comuns para dormir. Publicada no prestigiado jornal Annals of Internal Medicine, a conclusão desta avaliação exaustiva de todos os dados conhecidos foi a seguinte: a terapia cognitiva comportamental deve ser usada como a primeira linha de tratamento para todos os pacientes com insónia crónica, em vez de comprimidos para dormir.
Pode encontrar mais informações sobre a TCC e uma lista de terapeutas qualificados no website da Associação Portuguesa do Sono. Se sofre, ou julga sofrer de insónia, use por favor estes recursos antes de tomar comprimidos para dormir."
12 dicas para um sono saudável, segundo Matthew Walker
1. Mantenha um horário de sono regular. Adormeça e acorde todos os dias à mesma hora. Enquanto criaturas de hábitos, as pessoas têm dificuldade em ajustar-se a mudanças nos padrões do sono. Dormir até mais tarde ao fim de semana não vai compensar completamente a falta de sono que teve durante a semana e só vai fazer com que seja mais difícil acordar na segunda-feira de manhã. Coloque um alarme para a hora de deitar. Colocamos frequentemente alarmes para a hora de levantar, mas não o fazemos para a hora de ir para a cama. Se só quiser guardar um conselho desta lista de 12 dicas, devia ser este.
2. O exercício físico é ótimo, mas não demasiado tarde. Tente fazer pelo menos meia hora de exercício na maior parte dos dias, mas duas ou três horas antes da hora de ir para a cama.
3. Evite a cafeína e a nicotina. Café, alguns refrigerantes, como a Coca-Cola, alguns chás e o chocolate contêm a estimulante cafeína e os seus efeitos podem demorar até oito horas para saírem completamente do organismo. Assim, uma chávena de café ao fim da tarde pode fazer com que sinta dificuldades em adormecer de noite. A nicotina também é um estimulante, provocando frequentemente um sono muito leve aos fumadores. Além disso, os fumadores acordam por norma bastante cedo de manhã, devido à ressaca de nicotina.
4. Evite consumir bebidas alcoólicas antes de ir para a cama. Beber um copo antes de dormir pode ajudá-lo a relaxar, mas o seu abuso priva-o de sono REM, mantendo-o toda a noite nas fases mais leves do sono. O consumo exagerado de álcool também pode contribuir para a dificuldade respiratória durante a noite. Também existe a tendência de acordar a meio da noite quando os efeitos do álcool se desvanecerem.
5. Evite grandes refeições e ingerir demasiadas bebidas à noite. Um lanche modesto faz bem, mas uma refeição mais pesada pode causar indigestão, o que interfere com o sono. Beber demasiados líquidos à noite pode fazer com que acorde mais vezes para ir à casa de banho.
6. Se possível, evite medicamentos que adiem ou perturbem o sono. Alguns dos medicamentos mais vulgarmente receitados para o coração, a pressão arterial ou a asma, assim como outros de venda livre e alguns medicamentos à base de ervas para a tosse, constipações e alergias, também podem alterar os padrões do sono. Se tem problemas em dormir, fale com o seu médico ou farmacêutico para ver se algum dos medicamentos que toma pode estar a contribuir para a insónia e pergunte se pode tomá-los durante o dia ou ao início da noite.
7. Não faça sestas depois das três da tarde. As sestas podem ajudar a compensar o sono perdido, mas se as fizer demasiado tarde podem também impedi-lo de adormecer à noite.
8. Descontraia antes de ir para a cama. Não sobrecarregue o seu dia de forma a não ter tempo para relaxar. Uma atividade descontraída, como por exemplo ler ou ouvir música, devia fazer parte do seu ritual de sono.
9. Tome um banho quente antes de dormir. A descida da temperatura corporal depois de sair do banho pode ajudá-lo a relaxar e a abrandar, para que se sinta mais preparado para dormir.
10. Escureça o quarto, torne-o mais fresco e não tenha objetos que o distraiam. Livre-se de tudo o que o puder distrair do sono, como barulhos, luzes brilhantes, uma cama desconfortável, ou temperaturas quentes. Dormirá melhor se a temperatura do quarto for mais fresca. A televisão, o telemóvel ou o computador no quarto podem ser uma distração e privá-lo do sono de que precisa. Ter um colchão e uma almofada confortáveis ajuda a promover uma boa noite de sono. As pessoas que sofrem de insónias olham muitas vezes para o despertador. Vire os algarismos para o outro lado, para não se preocupar com as horas quando está a tentar adormecer.
11. Tenha uma exposição solar adequada. A luz do dia é fundamental na regulação dos padrões de sono diários. Tente sair à rua e receber luz natural durante pelo menos 30 minutos por dia. Se possível, acorde com sol ou use luzes bastante brilhantes de manhã. Os especialistas do sono recomendam que, caso tenha dificuldades em adormecer, se exponha ao sol da manhã durante uma hora e desligue as luzes antes de ir para a cama.
12. Não fique acordado na cama. Se der por si acordado depois de estar na cama há mais de 20 minutos, ou se começar a ficar ansioso ou preocupado, levante-se e faça qualquer coisa relaxante até sentir sono. A ansiedade de não conseguir dormir pode fazer com que seja ainda mais difícil adormecer.