Desde 2000 que a idade média das mulheres quando têm o primeiro filho tem vindo a aumentar e, de acordo com os dados da Pordata, em 2019 a média era de 30,5 anos. Apesar deste valor, a verdade é que muitas mulheres só começam a pensar em ter o primeiro filho depois dos 35 e algumas com idades até cada vez mais próximas dos 40.
José Cunha, diretor clínico da AVA Clinic e médico especialista em ginecologia e obstetrícia e sub-especialista em medicina da reprodução, explica à MAGG que a idade é um fator crucial para a qualidade dos ovócitos [células germinativas femininas ou células sexuais produzidas nos ovários].
"A capacidade reprodutiva da mulher é, em grande parte, ditada pela quantidade e qualidade dos óvulos. O que acontece é que a mulher nasce com todos os ovócitos que irá usar durante a sua vida reprodutiva, estimando-se, por exemplo, que uma mulher tem a oportunidade de ovular e engravidar mais ou menos cerca de 400 vezes durante a sua vida. O problema é que a idade é um fator predominante para o sucesso da gravidez , quer seja de uma forma natural ou recorrendo a técnicas, mas esta probabilidade de engravidar vai diminuindo com a idade", afirma.
Até aos 30/32 anos a probabilidade de engravidar naturalmente é de cerca de 20% a 25%, entre os 35 e os 40 anos a probabilidade baixa para 7 a 10% e a partir dos 43 os valores estão abaixo dos 5%, explica o especialista.
Deste modo, se a mulher está preocupada com o decréscimo da qualidade dos seus óvulos (o que acontece a partir dos 35 anos); se está a passar por uma situação de doença oncológica e precisa de proteger os óvulos dos tratamentos que poderão afetar o seu sistema reprodutor; se sofre de alguma condição médica que afete diretamente a sua reserva ovárica e que possa afetar a sua fertilidade no futuro; se precisa de adiar a maternidade por motivos profissionais, financeiros ou emocionais; ou se simplesmente ainda não encontrou o parceiro ideal, optar pela criopreservação de óvulos pode ser, segundo José Cunha, a escolha ideal para que tudo seja feito ao seu ritmo e sem ver a qualidade dos óvulos afetada.
De acordo com o especialista, a quantidade de mulheres que procura este tipo de tratamentos é cada vez maior e só não é mais porque muitas vezes há falta de informação. "Os ginecologistas e médicos, em geral, não informam as mulheres de que a partir do 35 anos a fertilidade baixa. Deve-se falar nisto e explicar que as taxas baixam muito e depois as pessoas têm muita dificuldade em engravidar. É importante informar e a pessoa pensar nessa opção."
A partir de que idade deve a mulher pensar em fazer a criopreservação de óvulos?
Apesar da gravidez com óvulos criopreservados não ser garantida, com as técnicas atuais,— que pressupõem a fertilização dos mesmos com os espermatozoides em laboratório e, depois, a transferência dos embriões para o útero — cerca de 85% a 90% dos óvulos resistem ao processo de descongelamento. Contudo, o sucesso do procedimento irá aqui depender não da idade em que a mulher pretende usar os óvulos criopreservados, mas sim da idade que a mulher apresenta quando decidi fazer a criopreservação.
"A lei permite depois fazer tratamentos até ao dia em que a mulher faz 50 anos e as taxas são as da idade em que foi colhido o óvulo e não tem que ver com a idade da senhora quando faz o tratamento. A mesma coisa acontece quando se usa os óvulos de dador", explica o especialista alertando que, por este motivo, quanto mais cedo as mulheres procurarem esta solução, melhor.
"Se a mulher está preocupada com o decréscimo da qualidade dos seus óvulos, deve antes dos 35 anos criopreservar. A partir de determinada idade já não vale a pena congelar óvulos porque as taxas de sucesso, mesmo recorrendo a tratamentos com esses óvulos, já estão nos 5% a 10%, no máximo", alerta José Cunha.
Quantos óvulos posso criopreservar? O procedimento é longo? E doloroso?
"No fundo, os protocolos para o tratamento de congelamento de óvulos são parecidos com um tratamento para uma fertilização in vitro. Há uma estimulação dos ovários com hormonas que são dadas através de injeção subcutânea durante alguns dias e o tratamento começa no início da menstruação", explica o especialista.
Antes de dar início às injeções, todas as mulheres são acompanhadas em consultas prévias onde se faz o histórico clínico completo, vários exames ginecológico, ecografias, análises gerais e hormonais. Nestes exames, os médicos conseguem perceber a quantidade de óvulos que se poderão obter com a estimulação. "Isto varia de mulher para mulher porque cada uma nasce com uma reserva ovárica diferente e a altura em que se vai fazer o tratamento também influencia", explica o ginecologista, referindo que se a criopreservação for feita em idades mais jovens a reserva ovárica será mais elevada. Em média, podem ser recolhidos entre 14 a 16 óvulos em idades abaixo dos 32 anos.
Desde o início dos exames até à colheita passam cerca de 14 dias. No caso das injeções, estas são feitas, de acordo com o especialista, mais ou menos durante nove a dez dias e de dois em dois dias a pessoa deverá dirigir-se à clinica para realizar ecografias e monitorizar o crescimento dos folículos (as estruturas do ovário que contêm os óvulos).
"Quando o tamanho dos folículos estiver adequado, programa-se a colheita dos óvulos. Há uma punção ovárica que é feita sob anestesia geral, um procedimento relativamente simples e com poucos riscos, que demora cerca de 20 minutos. A pessoa está na clínica no dia da punção cerca de duas a três horas e depois vai para casa descansar."
De acordo com José Cunha, a maioria das pessoas está apta para regressar à vida normal passados dois ou três dias, mas há casos que precisam de um pouco mais de tempo e outros de menos. Quanto à possível dor provocada pelo procedimento, o ginecologista explica que "no final da estimulação, se o número de folículos for elevado (acima de 12) é natural que a paciente possa, nos últimos dias antes da colheita dos óvulos, sentir um aumento do volume abdominal e uma ligeiras dores parecidas a dores menstruais". Contudo, estes são "sintomas ligeiros".
O que acontece aos óvulos depois de colhidos e quanto tempo podem estar criopreservados?
"Os óvulos depois de colhidos são criopreservados num processo que se chama a vitrificação (congelamento ultra rápido) e são guardados a temperaturas de 196ºC negativos, em nitrogénio líquido", explica José Cunha. Apesar destes poderem ficar guardados durante várias décadas, a lei de cada país permite apenas o criopreservar óvulos durante alguns anos. No caso de Portugal é num período de cinco anos que pode depois ser renovado por mais cinco (ou até 15 anos em casos especiais).
"De qualquer modo, o que se sabe sobre o tempo em que eles podem ficar é na realidade o que a lei em cada país permite. Mas de experiência julgo que a gravidez com óvulos criopreservados mais tempo foi obtida com óvulos criopreservados há cerca de 20 anos. Penso que a partir daí não há experiência", afirma.
Depois de criopreservar óvulos posso engravidar de forma natural?
A resposta é sim, basta que a pessoa tenha uma boa reserva ovárica, explica o especialista. "A ideia é que os óvulos fiquem congelados apenas para o caso de virem a ser necessários em pessoas que já não conseguem engravidar de forma natural. Aliás, as pessoas podem até ser dadoras de óvulos para outras mulheres. Uma dadora em Portugal pode doar até quatro vezes e isso não lhe afeta a fertilidade. Só afeta se essa pessoa tiver uma reserva muito baixa, mas aí também não é dadora porque as análises irão indicar se pode ou não."
Além disso, o especialista explica que o tratamento pode também ser feito entre gravidezes. "Tudo depende da idade em que a pessoa pensa depois voltar a engravidar."
Devido à COVID-19, esta é uma boa altura para iniciar o procedimento?
"Ainda muito se desconhece sobre o vírus, mas o que se sabe é que a COVID-19 não afeta os ovócitos, por isso, esta é uma altura como qualquer outra", explica. "O que as pessoas precisam de saber é que se apanharem o vírus durante o tratamento, este terá de ser cancelado e a pessoa tem de obrigatoriamente adiar. O risco que há de fazer agora tratamento é só esse", continua, referindo que, por exemplo, se a pessoa tem uma doença oncológica e precisa de começar os tratamentos para a doença não deve adiar a colheita de óvulos.
Quanto custa o procedimento?
Sendo este um procedimento feito em já várias clínicas do País, o preço varia de estabelecimento para estabelecimento, mas, segundo José Cunha, está entre 2000€ e 3000€. "Todo o tratamento mais guardar os óvulos durante cinco anos." Se a pessoa decidir prolongar o congelamento por mais cinco anos (que é o que lei permite), os valores variam entre os 500€ e 700€.
José Cunha explica que este é um processo que ainda não se faz nos hospitais públicos uma vez que a prioridade é dada aos casais inférteis e nem nesses casos o número de pedidos está conseguir ser atendido. "Penso que os tratamentos da preservação da fertilidade se continuam a fazer no público apenas em algumas situações de casos de doença oncológica", remata.