Susana Arruda de Oliveira tem 34 anos e foi aos 29 que decidiu fazer a primeira doação de ovócitos. Na altura, já era mãe de duas meninas e a vontade surgiu depois de ter visto uma reportagem na televisão na qual se falava sobre o tema.
"Não fazia ideia que existia essa possibilidade (sabia apenas que era possível nos homens) e quando vi a entrevista foi o testemunho de outra mulher que me fez ter o impulso de fazer isto. E digo mesmo impulso porque achei logo que era uma coisa como dar sangue", conta Susana Arruda de Oliveira à MAGG.
Depois de falar com o marido sobre a vontade que tinha de ajudar outras mulheres, Susana decidiu telefonar para um dos centros de colheita, neste caso o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. À MAGG, revela que desde o primeiro contacto com o centro ficou esclarecida sobre todo o procedimento, mas depois seguiram-se várias consultas e avaliações.
Em Portugal, para se ser doadora de óvulos é preciso ter entre 18 e 33 anos, não ter doenças de transmissão sexual e não ser portador de doenças hereditárias. Reunidos estes requisitos, quem quiser doar deve começar por contactar um dos Centros de Banco Público de Gâmeta (serviço disponibilizado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) responsável pelo recrutamento e seleção de dadores de óvulos e espermatozoides) — que em Portugal são três (Centro Hospitalar Universitário do Porto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central) — e depois ser-lhe-á marcada uma consulta.
"Nessa consulta será feita uma avaliação básica da sua fertilidade, será explicado o processo e feito um estudo genético e há uma consulta de psicologia para que a doadora perceba também todas as implicações que o processo tem. Se a pessoa reunir estas condições, e for considerada elegível para doação, terá que iniciar um tratamento com uma substância injetável durante cerca de 10/12 dias. Ao fim desses 10/12 dias, será submetida à recolha dos óvulos e depois pode ir à sua vida", explica a ginecologista Teresa Almeida Santos, diretora do Centro de PMR do CHUC.
Consultas ao longo do processo fazem com que as doadoras se sintam sempre acompanhadas
Para Susana, as análises feitas antes do processo são uma mais valia para a doadora na medida em que permitem ter acesso a informações genéticas desconhecidas até então. "Estamos a falar de exames genéticos que são muito caros, nem toda a gente tem acesso a eles e acaba por ser uma mais valia para nós, doadoras."
Após os resultados genéticos, foi-lhe marcada uma consulta, em que foi feita uma ecografia, seguindo-se o acompanhamento por uma enfermeira que a ensinou a fazer o procedimento injetável em casa.
"A medicação varia consoante a necessidade da mulher, mas é fácil. São canetas injetáveis que podemos fazer a nós próprias. Depois temos de ir várias vezes ao centro para fazer ecografias e ver se o corpo está a responder bem ao tratamento, ou se há algum problema. Na última vez em que vamos fazer a ecografia, a médica diz-nos para quando apontar o dia da punção, tendo em conta o crescimento dos óvulos", conta Susana, referindo que as consultas a fizeram sentir segura e tranquila durante todo o processo.
Quanto aos riscos que o processo pode ter para a doadora, a ginecologista Teresa Almeida Santos frisa que são "riscos muito baixos" que, no máximo, podem causar desconforto no caso de uma estimulação exagerada ou riscos inerentes à anestesia. "De facto são riscos muito baixos e corre tudo bem, até porque há formas de minimizar esses riscos", diz a especialista.
Questionada sobre se o processo causa dor, Susana explica que não se pode falar em dor, mas sim num "incómodo" que se equipara ao provocado pela menstruação.
"Há falta de doadoras e, neste momento, a lista de espera no Sistema Nacional de Saúde é superior a três anos"
Apesar de acreditar que a doação de óvulos já não é um processo tabu em Portugal, a diretora do Centro de PMR do CHUC frisa que falta divulgar a possibilidade de se ser doadora e informar as pessoas dos sítios a que podem recorrer para obter mais informação.
Para quem ainda se encontra com dúvidas relativamente ao processo, a especialista esclarece também que a doação não tem qualquer implicação futura na fertilidade da doadora (até porque há um limite máximo de doações: quatro vezes)
"A mais valia é permitir a pessoas que não conseguem engravidar concretizar um projeto que é fundamental para elas"
"A mais valia [da doação de óvulos] é permitir a pessoas que não conseguem engravidar concretizar um projeto que é fundamental para elas e para a sua felicidade. Há falta de doadoras e, neste momento, a lista de espera no Sistema Nacional de Saúde para doação de ovócitos é superior a três anos", afirma a ginecologista.
Além de o processo não ter qualquer custo para as doadoras, "a Lei Portuguesa determina que a doação de óvulos seja um processo voluntário, de carácter benévolo, em que as dadoras são ressarcidas pelas despesas efetuadas ou prejuízos direta e imediatamente resultantes das suas dádivas num valor máximo de 877,62€", lê-se no site do SNS.
No caso de Susana, não foi de todo a compensação monetária que a levou a tomar a decisão de doar mais do que uma vez. "A verdade é que nem sabia da questão monetária, só depois é que a médica me esclareceu que era para compensar as idas ao hospital, o processo em si e faltas no trabalho (que também são justificadas). Mas estamos a falar de um valor compensatório, ninguém enriquece a fazer isso e quem faz isso não faz pelo dinheiro."
"Eu não estou a dar filhos, estou a dar parte do meu material genético que de outra forma é desperdiçado com a menstruação"
Quando se informou sobre o assunto, Susana não teve dúvidas de que ia querer doar "todas as vezes que conseguisse", mas como já tinha 29 anos quando fez a primeira doação — e o processo só pode ser feito antes dos 34 — aos 33 (antes de engravidar da terceira filha) fez a segunda e última.
Apesar de serem muitos os que a congratulam pelo gesto, a doadora acha que as coisas não podem ser vistas assim. "Eu não me acho especial, pelo contrário. Acho é que, descobrindo que havia essa possibilidade, isto se tornou tão normal que não pensei duas vezes antes de fazer. É como dar sangue. Eu, por acaso, não consigo dar sangue porque desmaio sempre, então é uma forma de compensar", diz.
Para as filhas mais velhas, de 8 e 10 anos, que assistiram ao processo, Susana quer acreditar que este possa ter sido um gesto que as incentive também a ajudar os outros quando forem mais velhas.
"As minha filhas viram o que eu estava a fazer e, em termos futuros, acho que isso as vai ajudar a ver que nós, mulheres, nos temos de ajudar umas às outras — e que aquilo que podemos fazer para retribuir o que a vida nos vai dando, devemos fazer. Acho que não faz sentido olharmos só para o nosso umbigo e esquecermos as pessoas que estão à volta. Eu costumo dizer que isto não me torna especial, só me torna mais atenta a quem está à minha volta", frisa.
Na opinião de Susana o que falta é haver mais pessoas que queiram dar a cara pelo processo. "Aquilo que foi transformador para mim foi haver alguém que desmistificasse isto. Eu não estou a dar filhos, eu estou a dar parte do meu material genético que de outra forma é desperdiçado com a menstruação", remata.
Artigo originalmente escrito pela jornalista Mariana Carriço em 2022