"O que sabemos é que cerca de 15% dos casais vão sofrer de infertilidade, e que desses 15% cerca de metade tem um fator masculino a contribuir", ou seja, "em 50% dos casais inférteis há um contributo masculino".

A garantia é dada por Nuno Louro, médico especialista em urologia e andrologia, que explica ainda que este fator pode estar presente isoladamente ou como cofator (quando também a mulher apresenta dificuldade em engravidar). Esta é uma afirmação que, provavelmente, irá surpreender, uma vez que, segundo Nuno Louro, ainda se mantém a ideia de que a maioria dos casos de infertilidade está relacionado com algum fator feminino — o que faz com que sejam várias as mulheres que chegam a iniciar tratamentos sem sequer ter havido um estudo prévio do fator masculino.

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"Continua a haver a ideia de que quando há um problema de fertilidade é feminino. E ainda continuamos a ver casais em que a mulher começou a ser investigada muito mais cedo do que o homem e só numa altura em que não se encontra nada na mulher é que o homem faz o primeiro espermograma."

De acordo com o especialista, para evitar que situações destas aconteçam, e que se possa resolver a infertilidade de forma mais eficaz, "o ideal é que num casal com infertilidade os dois elementos comecem o estudo simultaneamente". Mas, afinal, o que poderá estar na origem da infertilidade masculina?

Nuno Louro explica à MAGG que a infertilidade tem múltiplas causas associadas entre as quais se encontram fatores relacionados com o ambiente e estilo de vida — como a obesidade, tabagismo, vida sedentária ou má alimentação — ou aspetos genéticos.

"Parte dos homens inférteis têm uma causa genética que nós conseguimos identificar bem com exames. Temos síndromes conhecidas com alteração do número de cromossomas, com alterações da estrutura de cromossomas ou com perda de parte de cromossomas que, em alguns casos, estão associados a infertilidade completa e noutro casos apenas com a diminuição de fertilidade", diz, referindo que é o espermograma que vai orientar o médico na realização dos exames mais indicados para cada indivíduo.

"A idade não tem um impacto tão significativo na fertilidade do homem como tem na mulher"

Ao contrário do que acontece com as mulheres — em que o fator idade é determinante para a probabilidade de engravidar naturalmente, tal como já lhe explicámos neste artigo — a fertilidade dos homens "não tem um limite temporal tão definido" e a " idade não tem um impacto tão significativo na fertilidade do homem como tem na mulher", diz Nuno Louro.

Contudo, tal como nos casos femininos, há fatores aos quais os homens podem ser expostos (como tratamentos cancerígenos) que podem afetar os espermatozoides (e aí deve ser feita a criopreservação). De acordo com o especialista, a maioria dos hospitais, antes de instituir qualquer tratamento que possa pôr em causa a fertilidade, sobretudo em homens jovens que ainda tenham desejo de paternidade, fazem a criopreservação dos espermatozoides.

Ainda assim, Nuno Louro diz que o que acontece é que, por vezes, ainda há "desconhecimento da logística por parte de quem se deve contactar para fazer isso". "Acham sempre que o processo vai atrasar a instituição do tratamento que, para aquele doente, é necessário fazer, mas por norma o processo é muito rápido", afirma.

Qual o primeiro passo a dar quando não se consegue ter filhos?

Quanto ao tratamento, Nuno Louro diz a percentagem de infertilidade masculina que se consegue tratar não é grande, mas há casos possíveis e, por isso, faz sentido realizar todos os exames.

Desta forma, o urologista aconselha a que o primeiro passo que o casal deve dar quando não consegue ter filhos é procurar o especialista ligado à área da medicina da reprodução: "a mulher o ginecologista e o homem o urologista (que receitará um espermograma)". E é com base nesse espermograma que, posteriormente, devem ser pedidos os exames necessários.

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"O que nós vemos muito (e nos preocupa um bocadinho), é que a investigação do homem muitas vezes limita-se a fazer um espermograma e, desde que haja espermatozoides, avança-se imediatamente para uma técnica de procriação medicamente assistida." Contudo, segundo o especialista, esta decisão nem sempre corre bem uma vez que nesses exame "podem escapar algumas situações como, por exemplo, fatores genéticos" que podem interferir com a procriação e que não foram estudados previamente.

"Podemos perder oportunidades de encontrar situações importantes para a saúde da pessoa." Por isso, Nuno Louro refere que o espermograma é o exame que dá indicações iniciais que depois podem ser clarificadas em exames genéticos, exames hormonais e exames de imagem (como ecografia escrotal).

Questionado sobre o que acha que leva ao preconceito relativamente à infertilidade, o especialista fala em falta de informação. "Não só da parte das pessoas, como às vezes dos próprios médicos que ainda estão habituados a começar pela mulher — apesar de ser cada vez mais frequente os médicos de família pedirem exames às duas partes", esclarece.

Para Nuno Louro, "é importante que os homens tenham noção de que a parte deles também está frequentemente envolvida no processo de infertilidade e que faz todo o sentido começar o caminho do estudo da fertilidade de forma simultânea", frisando que, mesmo em termos emocionais e psicológicos, é importante o homem sentir que foi observado e que não foi detetado nada de grave que pudesse justificar a situação.

Homens devem ir ao urologista com a mesma frequência com que as mulheres vão ao ginecologista?

Quanto à frequência com que um homem deve frequentar consultas de urologista, Nuno Louro afirma que, na sua opinião, não vê necessidade de que os homens jovens façam consultas regulares, uma vez que "as patologias urológicas são pouco frequente" nessas idades. "O que seria importante transmitir é que os homens deviam ser ensinados desde a adolescência a fazer o autoexame testicular, tal como as mulheres são incentivadas a fazer o autoexame mamário", afirma.

Contudo, frisa que a partir dos 50 anos (idade em que o cancro da próstata é frequente) já começa a fazer sentido uma visita regular ao médico. De acordo com o urologista, há também ainda por parte dos homens vergonha em procurar um especialista. "Muitas vezes deixam andar porque não se querem sujeitar a este tipo de consulta e diagnóstico tão íntimo. Ainda vemos homens a atrasar diagnósticos importantes por vergonha de ir ao médico", remata.

Aos homens, Nuno Louro deixa ainda o conselho de que, ainda antes de pensar em ter filhos, tenham cuidado com o estilo de vida pois, segundo o especialista, "um estilo de vida saudável é a principal medida de prevenção da infertilidade".

Artigo originalmente escrito em 2021 pela jornalista Mariana Carriço