Muitos são os mitos que correm pela internet relativamente a alimentos milagrosos, chás especiais, ou água com limão pela manhã. Opções que, supostamente, promovem a aceleração do metabolismo, o que por sua vez se traduz numa melhor prática alimentar, mais saúde física e também mental.
Para desmistificar estes aspetos e perceber se realmente existem alimentos capazes de afetar ou não a taxa metabólica, a MAGG falou com duas profissionais da área da nutrição. Iara Rodrigues, nutricionista clínica, e Conceição Calhau, professora catedrática licenciada em ciências da nutrição, desmistificam estas ideias.
"O metabolismo é como se fosse o motor do nosso corpo"
"De uma forma geral, o metabolismo são todas as ações metabólicas do nosso corpo, é como se fosse o motor de todos os órgãos em simultâneo. Fisiologicamente falando, quando tudo está bem alinhado, tudo funciona a nosso favor", começa por explicar Iara Rodrigues. "O metabolismo é como se fosse o motor do nosso corpo, é todo o funcionamento orgânico e fisiológico dos nossos órgãos e músculos, e de toda a ação que promove o movimento, e que é o indutor da energia do nosso corpo" acrescenta a nutricionista.
Para quem acha que não é possível acelerar este 'motor', desengane-se, pois é "totalmente possível acelerar o metabolismo", o que se traduz num maior consumo energético pelo corpo, e, consequentemente, no emagrecimento. Porém, não é mentira que existe uma base genética com que nascemos, e que muitas vezes já define como é que o mesmo funciona. "Muitas vezes ouvimos aquelas pessoas que dizem 'o meu metabolismo é muito lento'. De facto há pessoas cuja genética não as favorece tanto em detrimento das outras, no entanto, há vários fatores como a idade, o género, a atividade física", capazes de influenciar o metabolismo de cada pessoa.
"Fundamentalmente diria que o exercício físico é um grande promotor do metabolismo, e aquilo que faz com que muitas vezes seja por aí que consigamos atribuir mais movimento metabólico", diz Iara Rodrigues. Deste modo, o aceleramento do metabolismo pode ser promovido através da "ativação muscular, ou seja, todo o exercício físico, vai promover o aumento, ou pelo menos a maior eficácia muscular, e isso vai resultar num maior efeito energético. Quanto mais músculo tivermos, e quanto mais ágil e ativo esse músculo for, mais metabólico é o nosso corpo, e mais ele gasta por minuto e por segundo. Há uma relação muito direta entre o ganho muscular versus o ganho metabólico. A atividade física de forma regular é consistente é muito importante para manter ou aumentar significativamente o nosso metabolismo", afirma a nutricionista.
"Quanto mais músculo tivermos, e quanto mais ágil e ativo esse músculo for, mais metabólico é o nosso corpo, e mais ele gasta por minuto e por segundo", Iara Rodrigues
Já Conceição Calhau, refere um ponto na mesma ordem de ideias de Iara Rodrigues. "Quando falamos em aumentar ou baixar o metabolismo, de uma forma generalista, podemos estar a falar em ter mais ou menos massa muscular, ou seja, o que é a minha taxa de metabolismo basal? É quanto é que eu gasto, qual é o meu esforço para pôr o organismo a funcionar. É o mínimo para termos esta 'máquina' [o organismo] a funcionar, e este mínimo é muito determinado por aquilo que é a estrutura, ter x por centro de massa muscular, de gordura, de massa óssea, e de água corporal. A massa muscular é a que mais influencia porque é a que vai variar, vai sendo muito alterada ao longo da vida, e isto tem muito a ver com a atividade física que é feita".
"Duas variáveis a considerar: a hora das refeições e a qualidade dos produtos que ingerimos"
No que diz respeito a outros fatores capazes de influenciar a taxa metabólica, ambas as nutricionistas salientam a alimentação, que desempenha um papel fulcral. Conceição Calhau destaca a importância de "ter uma alimentação adequada, que forneça todos os ingredientes para ter todas as reações químicas, de modo a fazer com que o metabolismo funcione bem".
A nutricionista explica que dentro do fator alimentar, existem duas variáveis a considerar: a hora das refeições, e a qualidade dos produtos que ingerimos. Quanto à hora a que comemos, Conceição realça que devemos "evitar refeições com maior peso de ingredientes na segunda metade do dia". "Isto tem sustentado as teorias do jejum intermitente, ou seja, é muito importante o repouso noturno de refeições. Não é propriamente saltar o pequeno-almoço, é apenas um repouso noturno. Na sociedade ocidental fazemos muitas refeições depois do anoitecer, e é muito importante respeitar a noite como a pausa alimentar de modo a não originar picos de insulina, que isso sim, vai priorizar a acumulação de gordura, e consequentemente alterar a taxa metabólica", reforça.
Para além disso, no que diz respeito à qualidade alimentar, a especialista afirma que este as propriedades dos ingredientes que usamos na nossa dieta são um aspeto a ter em atenção, de modo a promover "uma flora intestinal adequada, porque esse é o segundo cérebro que temos", afirma.
Existem alimentos capazes de influenciar o metabolismo? Sim, mas não diretamente
Já Iara Rodrigues vai ainda mais longe, e explica-nos que, de facto, existem alimentos capazes de contribuir para o aumento do metabolismo, embora não de uma forma totalmente direta. "Existem alguns que podem, de alguma forma, influenciar. Não podemos falar de uma relação totalmente direta, porque nenhum deles intervém diretamente no metabolismo, mas sabemos que por exemplo o chá verde, a cafeína, os alimentos picantes, que promovem o aquecimento do corpo, também ajudam bastante, o gengibre, a curcuma, entre outros", sintetiza.
Para além desses alimentos e ingredientes, a nutricionista falou do papel de proteínas mais leves, como "o ovo, o peixe, a carne branca, porque essas vão promover para o aumento da massa magra", e ainda "algumas leguminosas interessantes do ponto de vista proteico", que também são promotoras do metabolismo.
"No fundo, se cumprirmos aquilo que são as premissas de uma alimentação saudável estamos claramente a potenciar o nosso metabolismo. Claro que algumas pessoas vão sentir mais efeito do que outras", isto porque "uma pessoa que pratique atividade física tem um metabolismo completamente diferente de alguém que seja sedentário. Quase que uma coisa leva à outra: se a pessoa cuida de si através do exercício físico e da alimentação, claro que o corpo vai perceber isso", afirma.
"Não é só aos 40 ou 50 anos que nos devemos preocupar, mas sim ao longo da vida"
Outra tópico bastante abordado por ambas as nutricionistas foi a questão da idade. Iara Rodrigues diz que é possível que, com o avançar da idade, as mulheres, em especial, comecem a sentir algumas mudanças no metabolismo. "No caso das mulheres, a partir dos 30 anos sentimos já algumas alterações. Até ali parece que qualquer coisa que se faça promove logo o emagrecimento, e a partir dos 30 começamos a acusar uma maior dificuldade".
Contudo, Conceição Calhau afirma que o fator da idade não deve ser uma desculpa, e que "apesar de existir alguma verdade" na questão de a taxa metabólica ir baixando com a idade, o essencial é ter em mente que este "não é o fator que mais pesa, mas sim os estilos de vida". "Se eu tenho 50 anos, tenho 50 anos de um determinado tipo de estilo de vida. Quanto mais anos eu tenho, maior é o impacto de anos de erros", afirma.
"Uma das questões que está sempre muito presente é a questão da idade, que é quase como dizer que é uma inevitabilidade que a taxa metabólica vai baixar. Não, a taxa metabólica baixa sobretudo quando se perde massa muscular, e isso não é uma inevitabilidade da idade, é sobretudo porque com a idade, existem mais anos de erro e de inatividade física, ou seja, sedentarismo. Este é um fator extremamente importante de desmistificar, e a questão também da menopausa. Não é a alteração hormonal numa determinada idade que de um dia para o outro vai transformar-nos, do ponto de vista metabólico, numa coisa completamente diferente", explica a professora catedrática.
Conceição abordou as diferentes oscilações hormonais de que as mulheres vão sendo alvo ao longo da vida, desde a menstruação, aos ciclos mensais, até a uma possível gravidez, e sintetizou que a menopausa "é só mais uma das alterações que acontece, e essa descida dos níveis de estrogénio tende a ser fisiologicamente compensada por mais tecido adiposo, que se reflete em 2 ou 3 quilos, e não 10, 20 ou 30 quilos. As alterações do metabolismo com a idade (...) são muito mais comportamentais do que propriamente fisiológicas, porque passamos a ter outro estilo de vida, e muitas vezes até passamos a desistir de algumas das rotinas por uma questão de acomodação, e por essa questão de acharmos que é uma inevitabilidade", que involuntariamente o metabolismo vai aumentar, o que não é assim.
"Não é só aos 40 ou 50 anos que nos devemos preocupar, mas sim ao longo da vida, e sobretudo nas idades mais jovens, ter uma noção daquilo que é o comprometimento que já estamos a ter nessas idades e daquilo que vai ser a nossa saúde mais tarde. Esse compromisso começa muito cedo", argumenta.
Conceição Calhau falou ainda dos produtos marcados como falsamente saudáveis "como a questão de adoçantes e produtos magros, que tendem a ter uma conotação positiva, mas que metabolicamente, em muitas situações, temos o reverso, ou seja, se tenho muita presença destes produtos com emulsionantes [substância capaz de criar consistência], surge uma alteração negativa no metabolismo".
Em suma, a especialista afirma que na sociedade dos dias de hoje "temos dois extremos de comportamentos: o comportamento de 'não quero saber' e fazer tudo de forma inadequada, e a obsessão pela alimentação 'saudável', que já está completamente deturpada daquilo que é a dieta mediterrânica, de um comportamento alimentar adequado, tranquilo, e sem obsessões", conclui.