"Utentes de lares a 'desistir da vida'". "Idosos poderão ficar em isolamento até surgir uma vacina". "SOSolidão disponível para ajudar idosos a aliviar efeitos do isolamento". Estas são algumas das manchetes que têm surgido nos últimos tempos e que mostram que o confinamento dos idosos está para durar. Só que neste grupo de risco já se fazem sentir os efeitos do isolamento e se é um facto que podem morrer do vírus, também o é sobre a depressão.
"A depressão pode mesmo matar. Não é a depressão que mata. Nós na vida precisamos de uma missão, de um projeto. A partir do momento em que abandonamos essas ideias, deixamos de nos envolver, desistimos, no fundo. É aí que a depressão mata", explica Dina Guerreiro, psicóloga clínica da clínica da AutoEstima.
A psicóloga e coordenadora da Casa de Repouso Senhora da Guia dá até um exemplo de uma idosa com cerca de 80 anos, que apesar de ter algumas limitações físicas, tem as capacidades cognitivas preservadas. Chegada a pandemia, a idosa, que se viu confinada à Casa de Repouso, deixou de ter a visita da filha cuja presença era bastante assídua.
"Nos primeiros tempos, ela simplesmente isolou-se. Queria ficar no quarto. Pedia para ir para a cama consecutivamente, queria estar deitada. Estava a entrar numa situação preocupante. No fundo, o que ela estava a fazer era a desistir", conta Dina Guerreiro, acrescentando que a motivação desta idosa eram as visitas da filha, em quem pensava e tinha gosto em mostrar as atividades que fazia na instituição.
Contudo, como esta idosa, crescem os casos de seniores que pensam em desistir, uma vez que a sua perceção sobre a pandemia é diferente. "As pessoas chegam a uma etapa de vida, na terceira idade, em que sentem que a sua esperança de vida já não é muito longa, portanto sentem que situações como estas que estamos a viver já não são tão ameaçadoras. Isso faz com que muitas vezes também as descredibilizem", diz a psicóloga Dina Guerreiro.
É esta perceção de que já não lhes resta muito tempo, que leva os idosos a preferir viver outras coisas e estar com a família, ao invés de se protegerem. Só que as medidas são claras: o isolamento dos idosos é para manter e nem se sabe ainda até quando pode durar, já que, segundo Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, enquanto não houver vacina vai ser necessário "limitar, tanto quanto possível, os contactos" das pessoas seniores e, em particular, aquelas que residam em lares.
Só que há cada vez mais idosos a desistir de enfrentar estes tempos de confinamento, e a pensar que os familiares também desistiram deles: "Ao impossibilitá-los de estar com os filhos, netos, etc, é uma situação que traz um primeiro sentimento de 'não querem estar comigo' e que está a ser-lhes vedado o acesso de estarem com os seus", esclarece a psicóloga.
Mas qual será a barreira? Poderemos quebrar o isolamento para evitar a solidão e a depressão dos mais velhos? A psicóloga clínica responde a estas questões.
Como contornar a sensação de abandono?
Primeiro de tudo, de acordo com a psicóloga Dina Guerreiro, é preciso explicar aos mais velhos que todos estamos na mesma situação, e que todas as medidas são tomadas por uma questão de proteção. Além disso, aconselha, quando possível, as vídeochamadas. Sabemos que as tecnologias encurtam as distâncias e as visitas à janela também, mas serão suficientes?
"Não. Às vezes é pior. A minha experiência é que, efetivamente, nas vídeochamadas, a reação depende muito do estado de conservação do idoso. É uma situação que pode causar ainda mais ansiedade porque não compreendem aquela videochamada", refere a psicóloga da clínica da AutoEstima.
Isto porque os idosos não estão habituados àqueles meios de comunicação e podem não compreender porque é que a família está ali, no ecrã, mas não vai ao encontro deles. Esta situação, natural para nós, pode ser ainda desestabilizadora para alguns idosos. Já para outros, com mais consciência, as tecnologias podem mesmo ajudar a afastar a solidão e o afastamento da família.
Quanto às visitas à distância através da janela, a psicóloga Dina Guerreiro esclarece que podem representar, ao mesmo tempo, uma situação reconfortante para o familiar que vê que o idoso está bem, mas para o idoso é algo que causa ansiedade e suscita pensamentos como "ele já veio até aqui", "eu quero ir lá", "porque é que não posso ir lá", que os leva a não compreender este afastamento.
No fundo, o contacto à distância não traz aquilo que os idosos sentem mais falta: o toque — um dos responsáveis de estados de tristeza, sensação de solidão e até depressão.
"A situação tem ser avaliada do ponto de vista se existe ou não risco para o idoso"
O instinto de proteção leva-nos a afastarmo-nos dos idosos, mas ficamos no impasse de não saber se estamos a contribuir para estados depressivos. Será que, quando há sintomas depressivos, devemos ceder e quebrar a privação de contacto pela felicidade e qualidade dos anos que lhes restam?
A resposta não é linear. Principalmente se estivermos a falar de idosos em lares, cuja decisão não tem impacto apenas no familiar ou semelhante em causa, mas em todos os idosos da instituição. Além disso, a Segurança Social decretou que as visitas a idosos não são permitidas. Uma vez que a questão não se coloca neste caso, o mesmo podemos dizer sobre aqueles que estão em casa?
"A situação tem ser avaliada do ponto de vista se existe ou não risco para o idoso", refere a psicóloga Dina Guerreiro. No caso de idosos que estão em casa com as famílias, mas estas não estão em confinamento por motivo profissional ou outro, deve haver um sentido de proteção para com os idosos, uma vez que são pessoas mais vulneráveis.
Devem então ser tidos em conta os riscos a que esses familiares ou cuidadores estão expostos no dia a dia para avaliar se há situações em que o impacto psicológico do isolamento no idoso justifica deixar de lado o isolamento. Basta pensar no caso de um enfermeiro, constantemente exposto ao vírus. Aqui, todos os cuidados são poucos e o contacto à distância é o cenário ideal.
Contudo, podem ser consideradas algumas exceções: "Se estivermos a falar de um familiar que cumpriu a sua quarentena, e se há um risco diminuto de ser portador da COVID-19, acho que nesses casos, com a pessoa protegida, sou perfeitamente de acordo que devemos visitar o idoso", diz a psicóloga e coordenadora da Casa de Repouso Senhora da Guia.
Ainda assim, a especialista acrescenta que deve haver o mínimo toque possível. "Devemos ser conscientes e ao mesmo tempo ponderados".
Culpa vs responsabilidade de infetar um idoso
O sentimento de culpa, em relação a variadas coisas da nossa vida, existiria inevitavelmente num familiar ao saber que o facto de quebrar o isolamento levou ao contágio do idoso. Contudo, a psicóloga da clínica da AutoEstima esclarece que há uma diferença entre culpa e responsabilidade.
"A culpa existe e deve ser sentida quando existe intencionalidade na causa, ou seja, o que existiria no caso de um filho ou familiar que quebrou o isolamento é um sentimento de responsabilidade. E nós conseguimos tratar a responsabilidade compreendendo e justificando o porquê das nossas atitudes", diz a psicóloga Dina Guerreiro sobre as consequências psicológicas de uma decisão desta dimensão em familiares e cuidadores.
Quebrar o isolamento é, por isso, uma atitude de responsabilidade cujo objetivo é precisamente evitar que os mais velhos sejam "infetados" com a depressão — doença que também pode matar e está agora em maior risco de proliferação enquanto o isolamento for a única medida de proteção contra a pandemia.