O estado de emergência implica ficar em casa e o ideal seria que não houvesse "mas" ou "ses". Só que há, de facto, exceções que nos obrigam a andar na rua, muitas vezes para cuidar dos outros. Uma dessas exceções, prevista nas medidas que entraram em vigor este domingo, 22 de março, é a permissão para deslocações com vista a dar assistência a pessoas vulneráveis, com deficiência, filhos, progenitores, idosos ou dependentes, tal como indicou à MAGG a constitucionalista Teresa Violante.

COVID-19. 29 questões sobre o que pode ou não fazer a partir de agora
COVID-19. 29 questões sobre o que pode ou não fazer a partir de agora
Ver artigo

Ainda assim, o contacto continua a estar limitado, razão pela qual temos de nos adaptar. Podemos entregar-lhes apenas aquilo de que necessitam colocando um saco na fechadura da porta pedindo-lhes que o vão buscar mais tarde, ou deixar-lhes as coisas à entrada de casa enquanto se mantém a devida distância de segurança. Mas e se um idoso precisar de apoio psicológico? Ou de ânimo para enfrentar estes dias de isolamento? A Ordem dos Psicólogos fez um guia para responder a algumas questões e outras fomos esclarecer junto de uma psicóloga e de uma nutricionista.

O telefone é o primeiro meio

Queremos proteger os nossos pais, avós e pessoas vulneráveis do vírus, mas não nos podemos esquecer de que a depressão também é uma doença que afeta todos os anos cerca de cerca de 400 mil pessoas em Portugal, de acordo com a plataforma "EuLutoContraADepressao".

Como podemos então ajudar? A primeira forma é o telefone. E uma chamada tanto pode servir para perguntar que alimentos faltam em casa, quais os medicamentos que estão a acabar ou simplesmente para alguns minutos de conversa. Isto porque em tempo de quarentena, numa altura em que são obrigados a sair das suas rotinas de rua, os idosos sentem-se isolados, perdidos, e ainda que saibam que é por um bem maior podem precisar de falar ou de se sentirem acompanhados.

Quantas vezes por dia devemos ligar?

Não há uma regra que dite quando podemos pegar no telemóvel e ligar para alguém mais vulnerável, preocupação que incide nos idosos que estão em isolamento. Em muitos casos em que estão sozinhos em casa é fundamental perceber quando é que do outro lado da linha o apoio deve ou não ser reforçado.

Na opinião da psicóloga clínica Júlia Machado "sempre que possível deverá manter-se o contacto diário para que se sintam apoiados e amados e não com sentimento de abandono". "A solidão é um dos fatores que estão estritamente ligados à depressão e ansiedade, e que pode levar à doença, daí a imunodepressão", nome que designa o enfraquecimento do sistema ou reacções imunológicas.

Ensinar

Algumas das recomendações da Ordem dos Psicólogos são para que os idosos ocupem o tempo a ver os programas favoritos, ouvir música, ler um livro, ver filmes ou séries. Mas a verdade é que algumas destas tarefas podem ser um desafio para quem não domine as tecnologias.

"Perca algum tempo a garantir que o cidadão sénior aprende, se necessário, e se adapta a utilizá-los, uma vez que o isolamento pode levar ou aumentar sentimentos de ansiedade e stresse", recomenda o guia da Ordem.

Esta pode ser a altura ideal para colocar em prática esses ensinamentos, que serão sempre úteis mais tarde quando os avós quiserem brincar com os mais pequenos da família recorrendo à tecnologia. "É fundamental vencer o medo de aprender sobre tecnologia na terceira idade", refere a psicóloga Júlia Machado.

Mas como ensinar à distância? Pode fazê-lo de forma simples, por chamada — que pode servir também para ensinar o próximo passo: a vídeo chamada, que confere uma sensação de maior proximidade com outras pessoas para quem está isolado.

Pode ainda ensinar coisas simples como usar o computador para aceder às redes sociais. "Se tiverem acesso a todas essas informações, os idosos podem sentirem-se muito mais inseridos no contexto social e poderão experimentar uma autonomia muito maior", acrescenta Júlia.

Recomendações da Ordem dos Psicólogos para ajudar uma pessoa em isolamento:

  • Ligue-lhe regularmente e encoraje-o a ligar também;
  • Mobilize pessoas próximas do cidadão sénior para lhe oferecer companhia, conforto e apoio, mesmo que à distância;
  • Torne disponíveis e acessíveis meios de comunicação e tecnologias que possam facilitar a manutenção do contacto social entre o cidadão sénior e os seus amigos e familiares;
  • Reforce as manifestações verbais de afecto;
  • Uma vez que o cidadão sénior pode ter mais dificuldade em adormecer, procure ligar-lhe e tranquilizá-lo nessa altura ou proporcionar-lhe actividades calmas;
  • Monitorize o estado de saúde e de bem-estar do cidadão sénior com mais frequência – uma a duas vezes por dia;
  • Esteja atento a sintomas de doença;
  • Garanta que o cidadão sénior toma a medicação prescrita para problemas de saúde já existentes;
  • Garanta que o cidadão sénior faz exercício físico e tem uma alimentação equilibrada;
  • Sempre que possível suspenda, temporariamente, as visitas a habitações, lares ou instituições onde residam cidadãos seniores, se entender preencher um dos critérios de risco ou existir possibilidade de infecção pelo COVID19;
  • Sugira-lhe actividades que o possam manter interessado;
  • Se possível, atribua ao cidadão sénior uma tarefa ou responsabilidade que o faça sentir-se útil;
  • Agradeça-lhe o que está a fazer e recorde-o que está a proteger a comunidade em que vive;
  • Mantenha-se informado. Recolha informação que o possa ajudar a determinar com exactidão os riscos que corre, de modo a poder tomar as precauções razoáveis. Pesquise informação de instituições oficiais, nas quais possa confiar, como o site da DGS e OMS ou o SNS24;
  • Proteja-se a si próprio e tire tempo para cuidar de si.

Como entregar a comida em casa?

A distância de segurança é a dica-chave para deixar seja o que for em casa de um idoso ou pessoa vulnerável a par do uso de proteção, como luvas ou máscaras. Mas o mais importante é mesmo a desinfeção das mãos, embalagens e objetos que vão ser entregues. É ainda essencial que principalmente os idosos saibam que devem fazer a higiene das mãos antes e depois de tocar nos produtos entregues.

Contudo, a distância mínima de um metro, recomendada pela Direção Geral de Saúde (DGS), pode ser uma oportunidade para combater o isolamento: "Podemos falar um pouco com eles, fomentando e reforçando a ideia da nossa presença sempre que é preciso para, por exemplo, ir buscar medicamentos, ir às compras, etc", recomenda a psicóloga Júlia Machado.

Se não puder entregar em mão, porque também faz parte de um grupo de risco ou não tem possibilidade de fazer compras, há já várias plataformas que fazem isso por si. É que ainda que o mundo quase tenha parado, o mundo digital continua a rolar.

Começamos por falar do SOS Vizinho e o Vizinho Amigo cujos voluntários levam bens essenciais a casa de pessoas que fazem parte de grupos de risco. Há também o Helping Hand Portugal, que além destas tarefas tenta encontrar casa para que médicos e enfermeiros consigam descansa e, por fim, o "Quietinho em Casa", uma plataforma que reúne todos os serviços que estão a fazer entregas em casa e tem até vídeos tuturiais para ensinar os idosos a fazer as encomendas.

COVID-19. 9 plataformas portuguesas que nascem para ajudar em tempos de crise
COVID-19. 9 plataformas portuguesas que nascem para ajudar em tempos de crise
Ver artigo

Estes são apenas alguns exemplos de plataformas que se ergueram nas últimas semanas motivadas pela solidariedade, mas há ainda formas diferentes de ajudar sem ser online. Lisboa tem uma rede que distribui comida e medicamentos aos idosos e pessoas vulneráveis — e até uma linha telefónica para onde podem ligar apenas para conversar — e abrange freguesias que vão desde Alvalade a Santa Maria Maior.

COVID-19. Lisboa já tem uma rede que distribui comida e medicamentos aos idosos
COVID-19. Lisboa já tem uma rede que distribui comida e medicamentos aos idosos
Ver artigo

O que fazer se os idosos mostrarem medo ou frustração?

Muitos de nós partilham o medo sobre o que aí vem, ao mesmo tempo que o facto de estarmos fechados está a deixar-nos ansiosos e cansados. Contudo, os idosos podem reagir de forma diferente, ainda para mais se viverem sozinhos.

Por isso, o primeiro passo é tranquilizá-los, investindo na psicoeducação: "Explicar-lhes que é necessário e melhor para eles não estarem expostos pelo facto de não terem de ir ao Hospital ou estarem mais vulneráveis ao contágio", explica a psicóloga Júlia Machado, acrescentado que a religião pode ser também uma forma de afastar os receios.

"A oração é um meio e um processo em que o cérebro está focado no momento presente e estudos científicos comprovam que pessoas que oram têm o mesmo efeito no cérebro que a meditação, pois criam conexões positivas".

Contudo, é possível que estes medos e frustrações nem cheguem a existir se forem dados os estímulos certos. Enquanto filhos, netos, cuidadores, devemos relembrar os idosos que devem manter as suas rotinas diárias em casa, como arrumar o quarto, ver televisão ou ouvir rádio que, de acordo com a psicóloga, é uma excelente companhia uma vez que permite ouvir músicas antigas e recordar determinadas memórias positivas.

Pode ainda entregar-lhes (de forma segura) revistas, palavras cruzadas e puzzles simples, livros para pintar e incentivar a bordar ou fazer croché — que além de melhorar as habilidades de coordenação, previne a solidão e a depressão. Por fim, deve adotar um discurso motivador, seja por telefone ou numa das entregas: "Dizer que todos nós estamos em processo de isolamento, não são os únicos, e que se fizermos as coisas que nos recomendam, isso vai ajudar-nos a ultrapassar e possivelmente a ficamos mais protegidos e resguardados", refere a especialista.

Esta é a comida que não pode faltar em casa de um idoso

A DGS indica que "um pior estado nutricional associa-se a um pior prognóstico e a um risco aumentado de complicações em caso de doença aguda e, consequentemente está associada a um maior risco de mortalidade", por isso é essencial garantir que os idosos têm o aporte de nutrientes necessário.

A mesma ideia é defendida pela nutricionista Lillian Barros que apesar de reconhecer que não há evidência científica específica sobre a relação entre o COVID19 e a alimentação, o estado nutricional e hidratação são bons aliados para uma melhor resposta imunitária e melhor recuperação em caso de doença.

Mas será que ainda vamos a tempo de recuperar as defesas através da alimentação? "É sempre tempo de começar a fazer melhorias alimentares, mas idealmente deve ser algo tido como estilo de vida e não algo que se faz de forma pontual e provisória", refere a nutricionista.

Contudo, seja a pensar no presente ou no futuro, é fundamental que os idosos em isolamento pratiquem uma alimentação saudável e completa. A nutricionista selecionou alguns exemplos do que deve constar na mesa dos idosos, sem esquecer que estas são recomendações genéricas. "As recomendações alimentares prescritas previamente (por médico ou nutricionista) devem prevalecer às recomendações gerais de acordo com patologias ou limitações especificas comuns nestas faixas etárias".

Alimentos que não devem faltar em casa de um idoso em isolamento

  • Água;
  • Hortícolas frescos, como cenoura, brócolos, couve-flor, feijão verde, com maior durabilidade ou ultracongelados (sem adição de açúcar, sal ou outros aditivos);
  • Frutas com maior durabilidade, como maçã, pêra, laranja, tangerina ou frutos vermelhos ultracongelados;
  • Sopas (de preferência com leguminosas como grão, feijão e lentilhas). É uma boa opção dado que muitos idosos têm dificuldade de mastigação e podem mesmo incorporar uma fonte de proteína animal como ovo, peixe ou carne;
  • Cereais integrais, como flocos de aveia ou outros de preferência não açucarados,
  • Massa e arroz integrais;
  • Batata doce;
  • Pão com farinhas não refinadas;
  • Leguminosas secas ou em conserva (de preferência sem adição excessiva de sal ou outros aditivos);
  • Leites ou derivados (caso não haja nenhuma intolerância ou recomendação médica ou nutricional que o impeça);
  • Azeite;
  • Carnes magras (peru ou frango) que podem ser congeladas para aumentar durabilidade;
  • Peixe ultracongelado pronto a cozinhar ou conservas de pescado;
  • Frutos secos oleaginosos como amêndoas, nozes, avelãs ou cajus (sem sal);
  • Ovos.

Com estes pontos já consegue compor uma lista para fazer as compras pelos idosos, mas ainda que as deixe à porta, não vai conseguir conferir se eles realmente comem. Como podemos então saber se os idosos estão em risco de desenvolver carências nutricionais?

De acordo com o manual da DGS, os sinais de alerta que podem indicar o aumento do risco nutricional são a perda de peso não intencional, diminuição da ingestão alimentar, perda de apetite ou desinteresse pela alimentação, idosos com dificuldades de mastigação, idosos com dificuldades em ir às compras e/ou cozinhar.

Contudo, podemos dar um empurrão nestes casos: "Oferecendo-lhes formas práticas e rápidas de preparar as suas refeições, de fácil deglutição que não exijam mastigações árduas. Programas da manhã com exemplos práticos ou familiares que possam reforçar essa importância [de não saltar refeições] mesmo que à distância. Equipas de entrega de refeições preparadas é especialmente interessante em momentos de crise como a pandemia que atravessamos", refere a nutricionista Lillian Barros, referindo-se a alguns dos serviços de que falámos.

No momento de preparar as refeições devem prevalecer as boas práticas de higiene e segurança alimentar, como lavar bem as mãos, desinfetar as bancadas, evitar a contaminação entre alimentos crus e cozinhados, lavar corretamente os alimentos frescos e cozinhar a temperaturas adequadas.

Isto porque, ainda que a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheçam que, até ao momento, não há evidências de qualquer tipo de contaminação através do consumo de alimentos cozinhados ou crus, nunca é demais adotar medidas de prevenção contra o COVID-19.

Aliado à alimentação deve também estar o exercício físico que, de acordo com a DGS, podem ser coisas tão simples como caminhadas por casa, exercícios simples adaptados à condição física (com recurso, por exemplo, aos vídeos de YouTube, reforçando ainda mais a importância de aprender a usar a tecnologia) ou, pelo menos, o idosos deve levantar-se várias vezes para fazer tarefas de forma a não estar parado.

Exemplo de um plano alimentar para um idoso em isolamento

O consumo de água é um fator essencial para uma alimentação equilibrada, seja qual for a faixa etária. No caso dos idosos, a nutricionista Lillian Barros relembra que devem beber cerca de oito copos de água por dia e há uma forma de perceber se estão bem hidratados: "Pela coloração e odor da urina (não deve ser amarelada nem ter odor forte)".

Esta ideia deve estar presente ao longo e a cada dia, tal é exemplo no plano alimentar feito pela nutricionista. Nunca esquecer que devem ser tidas em conta as recomendações alimentares prescritas previamente, mas em casos genéricos este é um exemplo do que pode dar a um idoso.

Exemplo de um plano alimentar para idoso em isolamento

Pequeno-almoço:
1 pão com manteiga de frutos secos ou 1 fatia de queijo + 1 iogurte
OU
Papas de aveia + fruta

Meio da manhã:
1 fruta + frutos secos

Almoço:
Sopa + prato com fonte de proteína como ovos, pescado, carne magra ou leguminosas + 3 colheres de sopa de arroz ou massa ou quinoa ou 3 rodelas de batata doce + vegetais cozinhados ou crus

Lanche:
1 fruta
+ 1 iogurte
+ 1 c. sopa de aveia
+ Canela em pó

Jantar:
Sopa com leguminosas + 1 ovo cozido

Não esquecer:
8 copos de água por dia.
Devem ser promovidas refeições frequentes ao longo dia e de menor volume (cerca de 5 a 6 refeições).