Já vamos na segunda vaga da COVID-19 e houve coisas que mudaram. Uma delas diz respeito aos doentes que dão entrada em unidades de cuidados intensivos: são mais novos, relatam médicos e as próprias autoridades de saúde. Ana Isabel Pedroso, especialista em Medicina Interna e intensivista no hospital de Cascais, dá-nos conta disso mesmo. "Os doentes são mais novos do que na primeira vaga. Tínhamos, na nossa unidade, muitos com idades acima dos 60 anos e, desta vez, nem por isso. A maior  faixa etária entre os 40 e 50."

Mas há aqui outro fator relevante e que é comum aos dois momentos: as pessoas em quem a doença agrava apresentam muito frequentemente um grande excesso de peso. "Não são cinco quilos a mais. É muito mais do que isso. São pessoas com entre 100 a 120 quilos."

A doença é nova, mas com os esforços levados a cabo pela comunidade cientifica já é possível desenhar algumas conclusões. Uma delas prende-se, precisamente, com este padrão: já foi estabelecida uma ligação entre a obesidade e o agravamento da doença.

"De facto, temos vindo perceber algumas coisas relativamente à expressão da COVID-19 como doença e uma das coisas tem que ver com os grandes fatores de risco", diz à MAGG José Carlos Almeida Nunes, especialista em Medicina Interna no Hospital Lusíadas, em Lisboa. Nomeadamente, que comorbilidades é que  concebem "o risco maior de se vir a desenvolver doença mais grave".

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Dentro dos fatores de risco, apontam-se as doenças cardiovasculares, como a hipertensão, a diabetes e ainda as doenças respiratórias. Mas não só: "A obesidade emerge como um fator de risco muito importante."

Porquê? "Num indivíduo com obesidade — que pressupõe já valores do Índice de Massa Corporal com alguma relevância — a célula gorda, o tecido adiposo, não é só aquilo que pensávamos que era: um depósito de gordura e energia", explica.

"É também um órgão que liberta citoquinas, proteínas pró-inflamatórias", prejudiciais à saúde — sobretudo no que se refere à resposta a esta doença. "No obeso, a produção dessas citoquinas pró-inflamatórias está francamente aumentada." Conclusão: quanto maior a quantidade de tecido adiposo (ou seja, de gordura), maior a produção da proteína e mais agravado é o risco.

Ana Isabel Pedroso fala-nos do mesmo estado de inflamação: "O tecido adiposo provoca estado de inflamação crónica". Aponta duas consequências que se correlacionam: a imunidade fica alterada e o organismo está constantemente a lutar.

"O estado inflamatório não é bom, porque [já sem covid] o organismo está constantemente a combater alguma coisa", explica. "É o que acontece quando, por exemplo, somos picados por uma vespa: ficamos inchados, porque o corpo está a tentar combater o veneno do animal."

Em termos metafóricos, podemos comparar, então, o tecido adiposo ao veneno deste inseto: "É um tecido nosso, mas que não é suposto estar lá. Por isso, estamos constantemente a lutar contra ele."

A obesidade gera outras doenças e fatores de risco

Os dois especialistas em Medicina Interna destacam outro problema da obesidade: o aparecimento de mais comorbilidades, que tornam o individuo ainda mais suscetível ao agravamento da COVID-19.

Destacam-se várias possíveis doenças: problemas respiratórios, deficiências micro-nutricionais (com especial destaque para a vitamina D, importante para a imunidade), desordens de sono, fígado gordo, problemas cardiovasculares, hipertensão, diabetes, disfunção renal. "São tudo fatores que alteram o nosso organismo e a resposta do nosso organismo", diz Ana Isabel Pedroso.

Só que o contexto atual não é o maior amigo da perda ou sequer da manutenção do peso. É uma pescadinha de rabo na boca, como mostra um estudo publicado em agosto e que se concentrou no impacto da COVID-19 em crianças e adolescentes obesos.

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É fácil perceber. A investigação mostra que a obesidade leva à suscetibilidade e ao agravamento da COVID-19, devido a todas as comorbilidades potencialmente presentes e cenário inflamatório do organismo. Mas também afirma que as restrições impostas para dispersar os contágios da doença criam um contexto favorável ao desenvolvimento do excesso de peso e, consequentemente, da obesidade: há mais mais stress, mais desordens do sono, mais sedentarismo, mais comidas pouco saudáveis, mais compulsão, menos exposição ao sol, mais tempo ao ecrã.

A solução? Não passa por fazer a vida como se não existisse uma pandemia. Mas já lá vamos.

Quanto mais gordura se consome, mais escancarada fica a porta para a COVID-19

Além do efeito inflamatório do tecido adiposo, há ainda outro fator: o consumo de muita gordura aumenta a probabilidade de se vir a desenvolver doença grave provocada pela COVID-19, mostra o mesmo estudo.

Em causa está a ACE-2. Assustado com o palavrão? Nada tema. Vamos explicar da forma mais simples possível.

A ACE-2 é uma enzima que todos temos, que existe sobretudo nos pulmões e que funciona como uma espécie de porta de entrada para o novo coronavírus — daí este órgão ser o mais afetado. "Temos sempre esta enzima, ela faz parte do nosso corpo. Ela é produzida pelas nossas células. Mas o vírus aproveita-se dela para entrar. E quanto maior a expressão da enzima, mais grave pode ser a doença", explica Ana Isabel Pedroso.

Assim, tendo em conta que a gordura aumenta a expressão da enzima, consumi-la em excesso é como deixar a porta escancarada para a doença entrar. "Percebeu-se que a alimentação rica em gordura aumentou a expressão desta enzima. As pessoas que têm uma alimentação rica em gordura têm maior probabilidade de vir a ter doença grave. Têm mais receptores, ou seja, mais portas para o vírus entrar."

No contexto atual torna-se, assim, ainda mais relevante fazer uma alimentação equilibrada, mesmo que o situação não abone a favor do controlo. E chegamos então à solução para combater a tal pescadinha de rabo na boca.

Não é novidade, já todos sabemos: "Fazer uma alimentação saudável, o máximo possível. Não comer imensas vezes só porque se está em casa. Ter atenção ao álcool, porque agora já não é só à noite — é quando calha. Ter também atenção à qualidade da comida que se infere e fazer exercício físico, nem que seja feita em casa. Mais uma coisa: ir bebendo sempre água ao longo do dia."

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