Toda a gente sabe que as mulheres vivem mais do que os homens. É uma daqueles verdades incontestáveis, como saber que os cangurus não conseguem dar saltos para trás ou que a frase "elementar, meu caro Watson" nunca apareceu em nenhum livro de Sherlock Holmes. Elas vivem mais do que eles. Mas porquê?
De acordo com o último estudo divulgado em setembro de 2017 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a esperança média de vida à nascença em Portugal estima-se nos 80,62 anos. São 77,61 para os homens e 83,33 para as mulheres.
Tal como o algodão, as estatísticas não enganam. E não são os números mais recentes que o dizem, os antigos também. Num outro estudo publicado em janeiro, os investigadores concluíram que as mulheres viveram mais do que os homens até durante períodos severos de fome e epidemias.
Mas a pergunta continua sem resposta: porque é que é assim? Porque é que elas vivem mais anos do que eles?
As hormonas ajudam as mulheres
"É rara a doença em que não existe maior prevalência nos homens do que nas mulheres", explica à MAGG Pedro Lôbo do Vale, médico de medicina geral e familiar. "E algumas até têm uma prevalência bastante elevada. São os casos das doenças do fígado, coração e até o cancro."
A ciência ainda não consegue explicar tudo — como por exemplo, porque é que no nascimento e infância há mais mortes masculinas do que femininas. "Há coisas que não se sabe, há outras que se pressupõe — nomeadamente a proteção hormonal no caso das mulheres."
Neste âmbito, o estrogénio funciona como uma espécie de antioxidante que protege o sistema imunitário. De acordo com um estudo realizado por David Gem, da University College de Londres, no Reino Unido, a testosterona pode tornar o corpo mais forte a curto prazo, mas essas mudanças deixam os homens mais propensos a infeções, doenças e cancro no final da vida.
É provável que haja uma tendência para que esta discrepância na esperança média de vida diminua. Mas vai continuar a existir."
O autor do estudo recorda ainda os casos dos pacientes internados em manicómios norte-americanos no início do século XX, muitos castrados durante supostos "tratamentos". Olhando hoje para esses dados, é possível concluir que esses homens viviam mais anos do que os restantes doentes se tivessem sido esterilizados antes dos 15 anos.
O estilo de vida também contribui para explicar a diferença
A questão hormonal é importante, mas o estilo de vida também. Se hoje em dia homens e mulheres têm vidas mais ou menos semelhantes, a verdade é que há umas décadas não era bem assim. Culturalmente, em Portugal e no resto do mundo, era habitual que as mulheres ficassem em casa enquanto os homens iam trabalhar. Eles tinham (na verdade ainda têm) profissões mais perigosas, como a pesca, setor mineiro ou construção civil. E os problemas com o álcool e tabaco eram também mais comuns nos homens do que nas mulheres.
Hoje em dia isso está a mudar. Elas têm um emprego como eles, os setores profissionais mais perigosos estão a apostar cada vez mais na segurança e os comportamentos de risco já são tão comuns no sexo masculino como no sexo feminino.
"É provável que haja uma tendência para que esta discrepância na esperança média de vida diminua. Mas vai continuar a existir", salienta Pedro Lôbo do Vale. "A genética não muda e as hormonas também não."
Os cromossomas dão uma resposta
Vários estudos científicos realizados nos últimos anos demonstram que os cromossomas das mulheres são mais vantajosos do que os dos homens. Isto acontece porque elas, ao terem dois cromossomas X, mantêm como que uma cópia de todos os seus genes. Quando um falha, o outro pode entrar em ação. Os homens não têm essa hipótese.
Eles sofrem mais do coração. Porquê?
"Algumas evidências sugerem que as diferenças hormonais podem ajudar a proteger a mulher (pelo menos até à menopausa) do aparecimento de algumas doenças cardíacas", explica o cardiologista Pedro Bico. Mais uma vez, o sistema hormonal das mulheres parece protegê-las das doenças cardíacas.
O especialista dá como exemplo a obstrução das artérias coronárias, que nas mulheres surge em média dez anos mais tarde do que nos homens. Isto significa que, até aos 60 anos, um homem tem entre três a quatro vezes maior probabilidade de sofrer um enfarte agudo do miocárdio do que uma mulher.
"Apesar desta 'proteção' relativa, as mulheres durante um internamento decorrente de um enfarte agudo do miocárdio têm globalmente pior prognóstico intra-hospitalar". Isto justifica-se porque provavelmente "aquando desse internamento são em geral mais velhas que os homens, têm um maior conjunto de fatores de risco (em particular a diabetes mellitus) e outras doenças não cardíacas associadas."
Eles morrem mais de cancro. Porquê?
De acordo com o relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, apresentado em setembro de 2017, os homens morrem mais de cancro do que as mulheres. Em 2015, por cada 100 mil habitantes verificou-se 213 mortes no sexo masculino e apenas 105,5 no sexo feminino.
Porque é que isto acontece? Não há uma resposta certa. "Será o organismo ou serão comportamentos de risco?", pergunta-se Pedro Lôbo do Vale. "Nomeadamente o cancro do fígado, do estômago, intestinos. É difícil dizer."
"Não quer dizer que as mulheres não tenham patologias, mas não são patologias que as façam morrer tanto como os homens. Da minha experiência, e sou médico há mais de 40 anos, tenho mais pacientes mulheres do que homens mas as mulheres normalmente têm mais longevidade."
Eles sofrem mais de diabetes e acidentes vasculares cerebrais. Porquê?
Mais uma vez, não é possível assegurar uma única resposta certa — poderão estar envolvidas questões genéticas e hormonais, mas também de estilos de vida diferentes.
A apneia do sono também pode contribuir para o envelhecimento
Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa do Sono e diretor do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, foi co-autor de um artigo que analisa se a apneia do sono promove o envelhecimento. O tema ainda carece de mais estudos, mas parece existir de facto uma relação.
"Neste estudo nós especulámos, sob bases muito sólidas, obviamente, que o síndrome de apneia do sono era uma doença que promovia o envelhecimento", explica Joaquim Moita. "Portanto, quem tem síndrome de apneia do sono não tratado, além das doenças cardiovasculares, alterações neurocognitivas, acidentes relacionados com a sonolência, entre outros, pode envelhecer mais depressa."
Ora a apneia do sono atinge quase 50% dos homens e apenas 25% das mulheres ao longo da vida. Isto pode ser mais um fator que explica o porquê das diferenças de longevidade entre elas e eles.
(artigo publicado em 2018)