É um cenário com que muitos pais se identificam: no meio de um restaurante, com várias pessoas a apreciarem uma bela refeição, o seu filho começa a fazer uma birra capaz de levar à loucura o indivíduo mais calmo. Inevitavelmente, acaba por ligar o smartphone ou o tablet, colocar um vídeo do YouTube ou uma série de desenhos animados da Netflix — e chega finalmente o silêncio.
Mesmo que o objetivo de os acalmar tenha sido alcançado, existem muitas mães e pais que se sentem culpados por recorrerem aos ecrãs e aos desenhos animados para acalmar ou distrair os filhos. Mas será que a televisão tem assim tantas consequências negativas nos mais pequenos? Inês Chiote Rodrigues, psicóloga clínica, explica à MAGG que tudo depende da frequência e do conteúdo. “Desde que com peso e medida, a televisão pode não ser prejudicial para as crianças”, afirma a especialista, que salienta que o mais importante é que o ver televisão e o conteúdo escolhido seja uma forma de aprendizagem e mais conversa entre os pais e as crianças.
“Acompanhar as crianças no ato de ver televisão pode ser fundamental, não só no controlo do tempo em que elas estão expostas à mesma, como também no controlo de conteúdos e programas que possam não ser adequados”, relata Inês Chiote Rodrigues, que afirma que a prioridade número 1 é escolher um programa “que tenha uma característica educacional e que não incite a violência”.
De acordo com a psicóloga clínica, ver televisão em família “reforça a ideia de que este momento também pode ser feito em grupo, promovendo o diálogo sobre o que os mais pequenos veem, e não como uma atividade isolada”. No entanto, devem existir regras sobre o uso destes aparelhos, como “não utilizar a televisão como reforço positivo ou castigo, pois dessa forma alimenta-se a ideia de que o ecrã é algo muito precioso”.
A partir de que idade é que as crianças podem ver televisão?
Apesar de muitos pais não resistirem à tentação de colocar desenhos animados à frente de bebés com menos de um ano (mesmo que tal seja feito como um plano B para os acalmar), o pediatra Hugo Rodrigues conta à MAGG que, “até aos dois anos, as crianças devem evitar o contacto com os chamados ecrãs — falamos de televisão, tablets, telemóveis, computadores, etc.”.
Tal como explica o pediatra, isto não quer dizer que as televisões tenham que estar todas desligadas em casa quando nasce um filho, “mas sim que os ecrãs não devem ser a companhia dos bebés e crianças pequenas. A companhia deles deve ser a dos adultos, pois é com os pais que se vão desenvolver de forma mais adequada”.
Esta é uma ideia partilhada pela psicóloga Inês Chiote Rodrigues, que afirma que as “crianças muito pequenas (até aos três, quatro anos), precisam, sobretudo, dos pais e de outras figuras importantes que lhes transmitam segurança e conforto, mais do que estímulos externos, como a televisão” e acredita que os miúdos só deveriam ser expostos à mesma a partir dos quatro anos.
Já Hugo Rodrigues não vê problema em que este contacto se inicie a partir do segundo ano de idade, “desde que com bom senso e uma frequência adequada. Se assim for, não há problema nenhum e pode até ajudar no desenvolvimento das crianças”. Com a maior parte das recomendações das sociedades científicas a estabelecerem o limite de duas horas por dia de televisão para as crianças, “também existe quem defende a ideia de que até aos seis anos deva ser apenas uma hora e meia por dia”, afirma o pediatra.
Mas existem estudos que nos dizem que esta exposição numa idade tão precoce pode ter uma influência negativa em algumas áreas do cérebro, dado que, “nestas idades, este ainda se encontra numa fase de desenvolvimento significativo”, salienta Inês Chiote Rodrigues. Mais, a estimulação visual provada pela televisão, “assim como o assistir a cenas de violência, podem interferir na qualidade do sono da criança, o que terá consequências negativas para a sua saúde e bem-estar”, reforça a especialista, que acrescenta que podem surgir “problemas de sedentarismo, obesidade e confusão mental por assistirem a programas que não são adequados ao nível de desenvolvimento cognitivo e emocional em que se encontram” com a exposição a estes aparelhos.
Lidar com a culpa que sentimos enquanto pais
Se já recorreu aos ecrãs e aos desenhos animados numa situação de choro ou birra, é provável que também já se tenha sentido culpado por esta ser a única forma que encontrou para acalmar a sua criança.
“Mais do que culpa, interessa assumir a responsabilidade”, afirma a psicóloga Inês Chiote Rodrigues, que acredita que a culpa dos pais vem de estes sentirem que, ao utilizarem os telemóveis para controlar o comportamento das crianças, não estão a ser pais capazes. “Até se podem sentir ‘maus pais’, pela falta de paciência e porque recorrem a estas estratégias numa situação de quase de desespero. E quando tentam educar de outra maneira, tal gera ainda mais birras e choro e sentem-se ainda mais culpados”, salienta a especialista, que recomenda que os próprios adultos treinem a sua regulação emocional e tolerância à frustração para conseguirem impor regras e não cederem às birras e choro.
“Quando se usam telemóveis para controlar o comportamento, as crianças não têm oportunidade de aprender a regular as emoções, não aprendem a esperar e a tolerar a frustração, competências emocionais essenciais para o bem-estar do ser humano”, salienta a psicóloga Inês Chiote Rodrigues, que acredita que tal terá um impacto muito negativo no desenvolvimento socio-emocional das crianças. “Estas podem-se tornar adultos com sérias dificuldades na gestão das suas emoções e até resultar em problemas de ansiedade na vida adulta”, conclui.