Há pouco menos de uma semana, Sara Sampaio revelou, através das redes sociais, que sofria de um transtorno obsessivo-compulsivo que a faz arrancar os pelos das sobrancelhas. “Que se levante cedo da cama e vá trabalhar todo o dia. Passa logo a mania”. “Se ela quiser ocupar o tempo venha cá para casa que lhe arranjo o que fazer e não tem tempo para isso”. “Esta quando não está nua inventa (outras) manias”. Estas três frases são apenas algumas das reações do público, na página de Facebook do Observador, à notícia de que a modelo portuguesa sofria deste distúrbio, cientificamente apelidado de tricotilomania.
Caso o nome lhe seja totalmente desconhecido (acredite que não é o único), saiba que a tricotilomania afecta 1% da população mundial, sendo uma doença envolvida em desconhecimento e preconceito, como se pode verificar pela polémica na Internet que se seguiu à revelação da modelo de 27 anos.
Desvalorizar a doença impede o diagnóstico
“A tricotilomania pertence a um grupo maior de doenças, apelidadas de perturbações obsessivo-compulsivas.” Quem o diz é Medeiros Paiva, médico psiquiatra no Hospital Lusíadas Porto, que falou com a MAGG sobre esta patologia, que se baseia em rituais específicos.
Medeiros Paiva explica que “as vítimas desta doença sofrem de um impulso incontrolável de arrancar pelos, sejam pestanas, sobrancelhas, bem como os fios do couro cabeludo, vulgo, cabelos”, situação que pode causar calvície nessas zonas do corpo. Em alguns casos, o especialista refere que quem sofre de tricotilomania pode até “mastigar os lábios e rebentar espinhas” de uma forma constante.
O problema é falar desta patologia como se fossem tiques e manias, muitas vezes dizendo ao doente ‘vê lá se te deixas disso’."
Embora os números ditem que a prevalência é de 1%, o psiquiatra afirma que é provável que existam mais pessoas a sofrer com este problema — mas não vão ao médico, pelo menos por causa desta patologia. “Quando a vítima vai finalmente a uma consulta, nunca é devido à tricotilomania, mas sim por causa de outras doenças associadas. A depressão e a ansiedade, por exemplo, já levam mais pessoas até ao médico, mas foram causadas pelos sintomas da doença original. No seguimento destas consultas, acaba-se por diagnosticar a tricotilomania.”
Para além da vergonha, o especialista refere que a desvalorização da doença pelo núcleo mais próximo também impede que um diagnóstico seja feito mais rapidamente. Como explica Medeiros Paiva, “o problema é falar desta patologia como se fossem tiques e manias, muitas vezes dizendo ao doente ‘vê lá se te deixas disso’. Não nos podemos esquecer que o primeiro tratamento é o dos pais, dos familiares, dos amigos mais próximos e é importante que esta situação seja levada a sério”.
Mulheres são mais afetadas
Tal como refere o psiquiatra, a tricotilomania é uma doença predominantemente genética, “o que não é igual a hereditário” e afeta mais o sexo feminino. “É mais frequente nas mulheres, embora existam algumas dúvidas, motivadas pelo facto de os homens não se preocuparem tanto com a falta de cabelo. Como os elementos do sexo feminino dão mais atenção a esses elementos, é provável que se queixem mais rapidamente e procurem um médico”, relata o especialista.
“Comecei por arrancar as minhas pestanas e, muito rapidamente, passei a arrancar as minhas sobrancelhas”, escreveu Sara Sampaio nas suas redes sociais. Tal como no caso da modelo, os primeiros sintomas manifestam-se, geralmente, durante a adolescência, embora possam surgir mais cedo devido a fatores stressantes (problemas familiares, uma perda, um acontecimento traumático, etc).
“É evidente que há fatores que podem acelerar ou agravar os sintomas, fazendo com que a doença surja mais depressa”, refere Medeiros Paiva, que acrescenta que “se atuarmos nos fatores, podemos inibir a frequência de sintomas. Mas não os conseguimos eliminar totalmente”.
Não há cura para a tricotilomania — e os tratamentos são demorados
Caracterizada por um impulso incontornável de arrancar os pelos de várias zonas do corpo, a tricotilomania é, aos olhos de Medeiros Paiva, um distúrbio interessante. “Esta é uma doença onde a pessoa reconhece que o que faz não tem razão de ser, que é uma estupidez, mas não consegue resistir ao ímpeto.”
Mesmo depois do diagnóstico, o passo seguinte não é o mais rápido ou determinante. “Os tratamentos que existem não são muito eficazes e são demorados”, afirma o psiquiatra, que salienta que a doença não tem cura, sendo apenas possível “fazer desaparecer os sintomas”.
Tal como explica Medeiros Paiva, existem dois tratamentos para este distúrbio. A terapia cognitivo comportamental “é a única que ainda tem algum efeito sobre os sintomas e, através desta, é possível delinear-se uma série de regras e substituir estes rituais de arrancar pelos por outros”. O psiquiatra refere também que este é um tratamento “a longo prazo, com várias sessões”.
O tratamento com químicos é outra alternativa, sendo que, “para a tricotilomania, são usados antidepressivos muito específicos — são aqueles que atuam na serotonina que se revelam mais eficazes e as doses recomendadas são um pouco mais altas do que as usadas, geralmente, para o tratamento da depressão”.
No entanto, esta é uma alternativa que também demora algum tempo a atuar e tem algum êxito quando acompanhada da terapia comportamental. Mas Medeiros Paiva alerta que a “tendência para recaídas é muito grande”.