Num mundo absolutamente digitalizado, regido por uma evolução tecnológica difícil de acompanhar, é estranho pensar que houve um tempo em que não havia televisão. Mas é verdade. A chegada dos canais a Portugal fez-se mais tarde, comparativamente aos outros países. Deu-se, oficialmente, com o nascimento da RTP, aquele que foi considerado na altura o grande acontecimento do século XX. O entusiasmo foi de tal ordem que, nos anos 50, milhares de pessoas se reuniram na Feira Popular, em Lisboa, para assistir às primeiras transmissões experimentais.
Nos anos 90, numa televisão já pintada por cores, vemos o número de canais com emissão a crescer. É nesta década que nasce a SIC, com um hino que ainda hoje tem potencial para nos dar arrepios ou, quem sabe, trazer uma lágrima ao canto do olho, porque também os sons nos remetem para as nostalgias do passado. Logo a seguir, vem o segundo canal privado português, a TVI, pela altura apenas Canal 4.
Esta quinta-feira, 21 de novembro, celebra-se o Dia Mundial da Televisão. Numa homenagem à caixa que passou a retângulo, a MAGG reuniu pormenores sobre as primeiras emissões dos quatro canais generalistas e reconstruiu os seus dias de estreia.
RTP (4 de setembro de 1956)
Foi a 15 de dezembro de 1955 que a RTP — Radiotelevisão Portuguesa foi constituída, por influência do ministro da presidência, Marcelo Caetano, que conseguiu exercer influência junto de António de Oliveira Salazar, o então chefe de estado português. Assim, às 21h30 de 4 de setembro de 1956, começaram as primeiras emissões experimentais do canal público. A Feira Popular, no Parque da Palhavã, em Lisboa (onde hoje se situa a Fundação Calouste Gulbenkian), foi o local escolhido para a estreia da transmissão que, pela primeira vez, juntava ao som a imagem.
Aqui, milhares pessoas reuniram-se entusiasmadas para assistir ao momento, como se pode ver neste vídeo disponibilizado pelo canal, onde são também visíveis os preparativos para a estreia oficial da televisão em Portugal.
Como contou a RTP2 no programa "Histórias e Invenções", "um pequeno televisor" foi montado numa "estrutura metálica tubular" com 50 metros de altura.
Em conjunto com um pequeno pré-fabricado, desenhado por Eduardo Anahory — e "o cérebro de todo o sistema", como escreve a RTP — foi a partir deste local que foi feita a primeira emissão experimental: “Longilíneo, o pré-fabricado foi concebido para funcionar como cérebro de todo o sistema. Era constituído por três corpos que albergavam, de um lado, emissor, telecinemas, controles de estúdio e emissão; do outro, camarins para artistas, sala de caracterização e um pequeno escritório; ao centro, no corpo principal, o estúdio, de paredes parcialmente rasgadas por vidraças", diz o canal.
A grande estreia fez-se com o programa "Nervos", apresentado por Raul Feio. Estes foram os cinco momentos principais.
1. "Uma câmara assesta uma das suas objetivas sobre um locutor. Foca-o. E logo após ser retirada a mira técnica, a central técnica 'mete-o no ar'. Imagem ao vivo pela primeira vez. Raúl Feio apresentou o programa da noite. Nervos — estaria alguém no estúdio que os não sentisse à flor da pele?! – apenas de início se terão dado a conhecer, porque, entretanto, já o locutor 'segurara' o público com a teia da sua conversa", recorda a RTP. "Falava da satisfação que sentia em apresentar o primeiro programa de TV, 'uma das maiores revelações do nosso tempo'."
Pela altura, o apresentador confessou sentir-se feliz por oferecer aos lisboetas "o maior espetáculo do mundo", admitindo ainda estar desejoso de levá-lo em breve a todos os cantos do país.
2. De seguida, apresentou Lopes da Cruz, presidente da Assembleia Geral da RTP, diretor da também acionista, a Rádio Renascença, que terminou dizendo: “Como portugueses, felicitamo-nos mutuamente pelo grande acontecimento deste dia: a inauguração de sessões regulares, embora experimentais, de Televisão em Lisboa. Outras nações começaram mais cedo. É porém incontestável que estamos a andar mais depressa e melhor do que muitas delas. Demo-nos parabéns uns aos outros e cooperemos todos para que o difícil empreendimento seja coroado de pleno êxito. Trata-se da Televisão Portuguesa, isto é, para Portugal e digna de Portugal – digna da nossa história, do nosso patriotismo, das nossas tradições e das nossas crenças, instrumento e alavanca da elevação cultural, artística e espiritual da boa gente lusitana.”
3. Depois de um curto regresso de Raul Feio, surgiu Maria Armanda Falcão, o "primeiro sorriso da televisão", que fez um resumo sobre o que ainda ia ser transmitido naquela emissão, apresentando, de seguida, um pequeno documentário sobre ourivesaria portuguesa.
4. Domingos Lança Moreira entrou depois, para o primeiro programa desportivo na televisão portuguesa: chamava-se "Revista Desportiva" e, aqui, recebeu Alves Barbosa, o então recente vencedor da Volta a Portugal em Bicicleta, sem esquecer os campeões de ténis de mesa do Benfica — Francisco Campas, Manuel Carvalho, Luís Reynolds Jr. e Humberto Gaspar — que, em direto, estiveram a bater bolas.
5. Houve ainda espaço para um documentário realizado por Fernando Garcia, acerca da cidade de Lisboa e para o programa "Música e Artistas", com um concerto levado a cabo pelo violinista Sousa Prado e pianista Nella Maissa.
6. No final, a componente informativa da RTP arranca com a “Revista Mundial” o primeiro serviço de notícias e atualidade, seguindo-se a rubrica “Comentário do Dia”, programa onde o jornalista Barradas de Oliveira fez o primeiro balanço de atualidade nacional e internacional.
Em março de 1957, com uma RTP instalada já no Lumiar — com antenas de emissão e equipa de televisão —, nasce oficialmente o primeiro canal português, que daí em diante passa a ter transmissões regulares. Nesta altura apenas chegava a 65% do País, atingindo todo o território apenas na década de 60.
RTP 2 (25 de dezembro de 1968)
Foi no dia de Natal de 1968 que os portugueses tiveram acesso a mais um canal, já com transmissão a cores. A criação da da RTP 2 — então com o nome II Programa — nasceu com o propósito de "proporcionar emissões complementares ou de natureza diferente", escreve o canal. Porém, não foi isso que se verificou.
"O que aconteceu foi que o espectadores começaram a ir procurar ao 2º aquilo que lhes tinha escapado no 1º. Era uma transmissão em hora diferida, para que se alcançassem os espectadores que não tinham podido ver."
O canal nasce, então, retransmitindo, ao longo de duas horas, e todas as noites, alguns dos programas que tinham passado no I Programa — a RTP. Foi durante os anos 70 que o canal passou então a transmitir programas, sobretudo europeus, que não eram emitidos pelo canal mãe. As transmissões regulares só começaram a 21 de novembro de 1970.
SIC (6 de outubro de 1992)
Com um casaco coral e de lábios vermelhos, foi a jornalista Alberta Marques Fernandes, hoje pivot da RTP, a primeira cara da Sociedade Independente de Comunicação (SIC), o primeiro canal de televisão privado de Portugal. A emissão de estreia teve início às 13 horas e começou com a transmissão do programa "Notícias SIC" — o "Programa da Cristina" mostrou-o recentemente, pode ver aqui o vídeo.
Nestes vídeos de bastidores, disponibilizado no YouTube por José Dias, que esteve nos estúdios no dia de arranque, é possível sentir o entusiasmo e alvoroço em que a equipa do canal do grupo Impresa estava, desde a régie à redação. De roupas típicas dos anos 90 e nos tempos em que era ainda normal fumar-se cigarros em espaços fechados, foi com palmas que os presentes no nascimento oficial do canal oficializaram o momento, antecedido pelo icónico hino do canal.
TVI (20 de fevereiro de 1993)
O segundo canal privado português surgiu um ano após o nascimento do primeiro. A TVI, na altura apenas Canal 4, por ser a quarta na rede de canais nacional, começou com a transmissão do programa "Ano de 2003", em que vários atores, reunidos, falavam sobre como é que seria a televisão dez anos depois, conta à MAGG a uma das responsáveis pelo gabinete de comunicação do canal. De seguida, foi transmitido o filme "Fantástica Aventura do Barão".
Pela altura, a RTP cobriu o lançamento da estreia do canal, que aconteceu a um sábado. No vídeo abaixo é possível ver a redação no dia de estreia da estação televisiva. Clara de Sousa, que vinha da RTP, onde apresentava o programa "Hé Desporto", deu aqui os primeiros passos como pivot de informação ao fim de semana. Na altura, o novo canal tinha como diretor de informação o Padre Rego.