É um cenário mais do que comum para grande parte da população: quando chega a hora de ir dormir, poucas são as pessoas que vão diretamente para a cama, com as luzes apagadas e prontas para descansar.
Pelo contrário, a grande maioria agarra no comando da televisão e recorre à mesma para ser embalado por uma qualquer série sem grande argumento ou por um filme que já vimos dezenas de vezes.
Por mais que este ato seja visto como um hábito inocente, que até ajuda a que o sono chegue mais rapidamente, a verdade é que a televisão é um dos piores inimigos do sono e de uma noite bem descansada.
“Por mais tentador que seja, adormecermos a ver televisão acarreta algumas consequências negativas bem reais”, explica à MAGG a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, que já teve vários pacientes com distúrbios de sono.
Mas, afinal, porque é que este hábito é assim tão prejudicial? Em primeiro lugar, tal como explica a especialista, o equilíbrio hormonal é afetado, dado que o ser humano não foi feito para adormecer com luzes artificiais intensas e imagens rápidas a passar.
“Quando o fazemos, tendemos a perturbar os ciclos de sono e vigília, com alterações na segregação da melatonina, conhecida como a hormona do sono. As luzes interrompem a secreção desta hormona, que é fundamental que alcance o seu pico máximo no final da noite, garantindo um descanso de qualidade”, salienta Filipa Jardim da Silva, que explica que existem vários estudos que “têm reportado diminuições significativas de produção de melatonina em pessoas que adormecem rodeadas por ecrãs”.
Outro dos pontos negativos deste hábito é que acabamos por adormecer mais tarde, criando uma tendência de menos horas de sono. “Um dos obstáculos a um sono de qualidade, e também na quantidade saudável, é a televisão. O visionamento de séries, filmes, noticiários ou um simples zapping tende a que a hora de ir para a cama seja adiada de forma persistente, sendo significativo o débito de horas de descanso ao final da semana”, refere a psicóloga clínica.
Ver televisão para adormecer pode criar distúrbios de sono
Se persistir com o hábito de recorrer à televisão para adormecer, e por mais que pense que este costume lhe facilita o sono, pode mesmo começar a notar uma dificuldade acrescida em embarcar num período de sono saudável.
Tal como relata Filipa Jardim da Silva, “a estimulação cognitiva que a televisão gera (cores estimulantes, vozes, histórias e enredos, notícias apelativas) prejudica de forma significativa o desaceleramento necessário para um adormecer tranquilo e gerador de ciclos de sono completos”.
A especialista refere também que, apesar de ser fácil adormecer em frente a um ecrã, ver televisão continua a ser das atividades mais estimulantes que podemos realizar sem nos movermos: “O disparo de neurónios e a atividade elétrica gerada no cérebro afeta o sistema nervoso”.
Para além disso, devido à diminuição da segregação da melatonina, podem gerar-se “distúrbios no sono, seja com insónias iniciais, intermitentes ou finais”, diz Filipa Jardim da Silva. “A qualidade da nossa atenção e da nossa memória fica comprometida, os nossos ciclos biológicos alterados, e os níveis de estimulação e alerta do cérebro aumentados.”
O cansaço no dia seguinte também é maior, como esclarece a especialista: “Tendencialmente, os níveis de energia são inferiores uma vez que o sono não foi tão reparador. Podemos não nos aperceber no imediato, ou não associar os níveis de cansaço à qualidade do sono, mas é realmente uma das consequências de se adormecer com ecrãs”.
Porque é que o sono é tão importante para a nossa saúde?
Para começar, tenha em mente que um sono saudável exclui ecrãs, e que, no período de 30 minutos a uma hora antes de ir dormir, não deve ver televisão, estar ao computador ou no tablet, ou mesmo a fazer scroll nas redes sociais com o telemóvel.
Posto isto, e caso já faça parte do grupo de pessoas cujo hábito de ver televisão para adormecer é tão natural como beber água, existem algumas estratégias para dar a volta à situação — mas apenas se vir benefícios em eliminar esse costume da sua rotina.
“O ponto de partida para mudarmos qualquer hábito passa por reconhecermos mais ganhos do que perdas com essa mudança. Quando nos comprometemos a fazer diferente porque estamos motivados a sair da nossa zona de conforto, então poderemos, passo a passo, introduzir novas rotinas que aos poucos nos permitam implementar hábitos promotores de um bom descanso e extinguir outros que só prejudicam a qualidade do nosso descanso”, afirma Filipa Jardim da Silva.
A especialista recomenda que é essencial “deitar por terra o mito de que dormir é uma perda de tempo e que, por consequência, devemos viver intensamente até ao minuto anterior a fecharmos os olhos”.
Filipa Jardim da Silva explica que é “durante o sono que as funções essenciais à cognição, à memória, à aprendizagem, à criatividade, ao equilíbrio emocional e ao equilíbrio do corpo são repostas e reorganizadas — é importante cuidarmos do nosso sono e privilegiarmos a higiene de sono como dois dos principais protetores da nossa saúde física e mental”.
Para que consiga gerar um efeito tranquilizador no seu cérebro, oposto ao da televisão, pode optar por “atividades tranquilizadoras como a meditação ou a leitura de um livro, muito mais potenciadoras de um descanso efetivo”, conclui a especialista.
*Texto publicado originalmente em 2019 e atualizado em 2023.