Nos primeiros momentos da prova cega de Edmundo Inácio, que atou este domingo, 31 de outubro, no palco do "The Voice Portugal", foi difícil perceber qual a canção que estava a interpretar. Marisa Liz perguntava "o que é isto?", António Zambujo respondia apenas "é tradicional". Ficava a dúvida sobre o que estava a acontecer em palco, mas a certeza de que as quatro cadeiras tinham de ser viradas. Assim foi a atuação intensa de Edmundo Inácio, que regressou ao programa da RTP1 seis anos depois da sua primeira atuação. Em 2015 não conquistou os jurados e ficou-se pelas Provas Cegas; este domingo, virou a totalidade das cadeiras.

O concorrente, de 22 anos, natural de Portimão, escolheu para o regresso ao "The Voice Portugal" o tema "Não vás ao mar, Tonho" — originalmente alegre, embora com uma letra dramática —, que faz parte da música tradicional portuguesa e tem uma ligação especial à Nazaré não só pela letra falar dos pescadores, como também pelo facto de o Rancho Folclórico Tá-Mar ter gravado a canção em disco em 1960.

Dos anos 60 para os dias de hoje, o tema voltou a ser lembrado e já motivou várias mensagens de agradecimento de pessoas ligadas à Nazaré. "Ficaram contentes de alguém se ter lembrado desta canção, que é quase como um hino de guerra das mulheres dos pescadores que foram para o mar", diz Edmundo Inácio em entrevista à MAGG.

Mariana Rocha é uma das estrelas do "The Voice". Saí dos Açores, mas os Açores não saem de mim"
Mariana Rocha é uma das estrelas do "The Voice". Saí dos Açores, mas os Açores não saem de mim"
Ver artigo

O tema que andava esquecido na memória foi então reavivado pelo concorrente, embora tivesse dado uma nova vida à canção. "Pensei: 'porque não tentar fazer isto à minha maneira para dar um pouco do meu carácter nesta canção?'. E foi assim que nasceu, para fazer uma homenagem ao meu bisavô e a todas as pessoas ligadas ao mar", conta, aprofundando a ligação emocional ao tema. "Era uma das canções que o meu bisavô, que faleceu recentemente, cantava muito na Praia da Salema e toda a família a cantava", refere.

"Não vás ao mar, Tonho" foi assim uma homenagem e também uma forma de Edmundo mostrar um pouco das suas origens e de como evoluiu desde que passou pelo "The Voice Portugal" em 2015. "Isto foi uma grande viagem para chegar a esta música. Basicamente uma parte da minha família é ligada à pesca, outra ligada ao mar e outra ligada ao campo, então tenho muito dentro de mim de tudo o que seja tradição em Portugal. Depois, o facto de ter estudado três anos fora do País fez-me ter imensas saudades de casa e as minhas pesquisas nos últimos anos têm sido à volta da música tradicional portuguesa e um pouco da música internacional", diz.

Aquilo a que assistimos em palco é um pedaço do que Edmundo faz no dia a dia e que quer continuar a mostrar dentro do "The Voice Portugal", e mais tarde quando a edição terminar — seja onde for que o leve.

Dois mundos que se complementam em palco: o cinema e a música

Edmundo Inácio não vem de uma família de músicos, mas sim de "pessoas criativas, com um grande amor à música", refere. Esse gosto foi-lhe passado — mesmo que a certa altura tenha idealizado ser veterinário —, levando-o a entrar no conservatório aos 10 anos, a estudar artes visuais no ensino secundário e, logo de seguida, a viajar para o Reino Unido, onde estudou produção de media.

"Como estudei produção de media, muitas das vezes não havia orçamento necessário para fazer as músicas dos filmes e acabava por ser eu a fazer os temas, com ajuda de algumas pessoas ou muitas vezes sozinho, e por desenvolver essa parte de produção musical", na qual tem trabalhado no estúdio que tem em casa.

Pode parecer que não há uma ligação entre o curso de produção de media, o trabalho em cinema que tem feito e a música, mas há e já foi apresentada aos portugueses e jurados em palco. "Uso muitas coisas em cima do palco como se fosse um filme. Não é tão teatral, mas de alguma forma consigo ligar estes dois universos", conta Edmundo. Habituado a trabalhar no que é arte desde raiz, não há tema que siga para a produção que não seja um reflexo do concorrente.

"The Voice Portugal". Enfermeira fadista já foi estrela do "The Voice" na Bélgica
"The Voice Portugal". Enfermeira fadista já foi estrela do "The Voice" na Bélgica
Ver artigo

"Sempre que há uma fase nova, a produção pede-nos o link de três a quatro músicas. Para mim, isso nunca fez sentido. Então passo basicamente uma semana a fazer as minhas interpretações das músicas em estúdio, faço o instrumental completo, gravo a minha voz e assim, de alguma forma, a mentora e a produção têm uma ideia clara do que eu gostava, e depois ouço as sugestões", explica.

Apesar de ter estado algum tempo afastado da música entre a participação no "The Voice Portugal", em 2015, e a de 2021, Edmundo aproveitou esse tempo para beber outras influências. Ouve música internacional, desde a francesa à espanhola, e também "muita música oriental" e música turca experimental. "Os idiomas têm de alguma forma a sua beleza e têm quase como um rito", acrescenta. Contudo, a música nacional, incluindo o folclore que está ligado às suas raízes, está sempre presente no dia a dia de Edmundo, e a ideia é que também façam parte das futuras atuações.

Edmundo sobre participação em 2015. "Naquela atuação, faltou alma"

O primeiro feito foi cumprido: virar cadeiras na segunda tentativa no "The Voice Portugal", ainda que sem qualquer número idealizado. "Fui muito sem expectativas. Como fui em 2015. Acho que se percebe que em 2015 fiquei um pouco triste, mas não foi uma coisa que ficou na minha mente durante semanas. Na realidade, acho que só estive dois ou três dias a pensar onde podia ter chegado, mas não levei isso como um 'não' de 'não tens talento'. Ouvi aquele 'não' como um não de "ainda não te encontraste'", refere.

Na altura, Edmundo Inácio interpretou o tema "Frágil", de Jorge Palma, mas ao olhar para trás reconhece que o que fez foi muito idêntico ao original e percebeu o porquê de não passar. "Naquela atuação, faltou alma, e o facto de estar agarrado a um instrumento foi também uma forma de me esconder atrás da minha timidez". É que, assume em tom de brincadeira, é tímido, apesar de não parecer.

Durante estes últimos anos, aproveitou para ouvir muita música, fazer experiências e adotou estratégias para enfrentar essa timidez e não voltar a esconder-se num instrumento para poder ser ele mesmo. "Faço a minha interpretação e o que me sai na hora e se me apetecer saltar, deitar, seja o que for, isso acaba por acontecer porque estou em cima do palco com alma, com uma ligação com o público que também é importante. Arte não é só para mim."

Edmundo Inácio
Edmundo Inácio créditos: RTP1

Na atuação deste domingo, 31 de outubro, Edmundo saltou e deu tudo no tema português, mas não dançou como em 2015. Essa forma de arte ficou no passado. "A dança devo ter parado perto de 2017. Já fazia há muito tempo, com algumas pausas no meio, e isso ajudou-me imenso a saber usar o corpo", refere. Contudo, a exigência da competição e uma lesão fez com que desse prioridade à faculdade e à música.

O músico que quer ser artista

Atualmente, a música é o foco principal, cujo resultado vai estar à vista enquanto estiver em concurso no "The Voice Portugal". "No percurso do programa, a minha ideia, e vou fazer de tudo para que isso aconteça, é cantar sempre na língua portuguesa, porque é a minha língua e de alguma forma a que me diz mais", refere o concorrente.

"Tudo o que quero tentar nesta jornada é pegar em músicas não tão conhecidas ou de alguma forma esquecidas. Os originais já têm a sua beleza e eu tento mostrar a forma como as vejo e a beleza que encontro nessas canções", remata. No fundo, o que quer mostrar através da música são histórias, como a do tema que sensibilizou tantas pessoas da Nazaré.

O olhar mortal de Marisa, lágrimas e atuações dignas de final. Vimos a estreia do "The Voice"
O olhar mortal de Marisa, lágrimas e atuações dignas de final. Vimos a estreia do "The Voice"
Ver artigo

Edmundo Inácio também já está a pensar em projetos futuros, mais uma vez construídos de raiz, e que vão desde os temas que está a escrever e a compor até à idealização da forma como gostava de construir um espetáculo.

Ainda assim, o concorrente não fecha portas e prefere ver-se no futuro como artista, e não como músico. "Se me perguntarem se gostava de ser músico, cineasta, pintor, é muito difícil para mim, porque na realidade só quero ser artista e que de alguma forma a minha mensagem ajude e tenha algum impacto nas pessoas. Acho que a arte é uma forma muito mais bela de ver as coisas", remata.

Reveja a atuação de Edmundo Inácio, que alcançou 100 mil visualizações em menos de 48 horas.