É importante dizer algumas coisas antes de começar aqui a descascar nos Morangos. Então é assim: nunca vi um episódio da série. Zero. Nem um. A única vez que tive um contacto mais demorado com o universo Morangos foi quando era editor da “Sábado” e todos os críticos de cinema da revista se recusaram a ir ver a estreia do filme. Então lá fui eu.
Daqui a muitos anos, quando for ainda mais velhinho, vou olhar para trás e pensar: perdi dois meses da minha vida fechado em casa numa quarentena, e, tão grave quanto isso, perdi uma hora e meia da minha vida fechado num cinema a ver um filme dos “Morangos Com Açúcar”.
Só hoje, ao ver o episódio de estreia da 7.ª temporada na TVI, é que me apercebi que um episódio da série é maior do que o filme que passou no cinema. Detalhes, adiante.
Isto não é bem uma crítica, até porque era injusto e até acho que seria meio sobranceiro vir para aqui armar-me em superior e dizer que este é um produto menor ou sem qualidade. Honestamente, acho que os Morangos são o que nasceram para ser, nem mais, nem menos. Cumpriram com o papel de série que junta miúdos ao fim do dia em frente à televisão a ver outros miúdos a interpretar personagens mais ou menos parvas, mais ou menos giras, mais ou menos talentosas, mas que, lá está, marcaram uma geração.
Eu nunca vi os “Morangos”, mas lembro-me de ouvir falar do Pipo, dos DZR’T, sei que passaram pela série a Cláudia Vieira, a Rita Pereira, a Jessica Athayde, a Vanessa Martins, o Pedro Teixeira, e sei que a malta que seguia os “Morangos” religiosamente era fã destas personagens. Ou seja, os “Morangos” não são/eram maus, apenas não eram/são para velhos como eu.
Mas pronto, a ideia aqui era, de facto, analisar de forma um bocadinho mais detalhada o universo destes Morangos que nos vão fazer companhia por uns tempos na TVI. A Marta Cerqueira já fez uma (brilhante) análise aos mundos juvenis de 2009 (ano em que a série passou) e os mundos juvenis de hoje, a Rafaela Simões já contou como é que uma fã que viu as temporadas todas se sentiu, agora, ao rever uma série dos tempos em que tinha 11 anos (!), e cabe-me agora analisar mais a componente técnica da coisa. Vamos lá.
Então, primeiro: não percebi grande coisa. Sempre fui péssimo a jogar ao peixinho, não sei se sabem, aquele jogo em que viramos as cartas todas ao contrário e vamos virando aos pares a ver se encontramos duas cartas iguais. A sério, sempre fui um desastre. Isso diz-me que não sou a pessoa com mais memória visual do mundo — não sou. Por isso, a cada personagem nova que aparecia na série lá ficava eu a perguntar-me “mas agora quem é este?”, e “mas este encaixa em que núcleo?”, ou ainda “qual é a relação deste com qualquer outra personagem?”. A sensação imediata, e mais transversal, com que fiquei foi que estava muita gente a entrar ao mesmo tempo, mas depois, nas cenas que protagonizavam, não acontecia nada de relevante, a ação não andava para a frente.
Para me defender, fui tirando notas.
— “Filmagens em Londres — estavam cheios de guito na altura”.
— “Que filtros são estes que eles usam nas imagens? Era o mais próximo que havia do Instagram na altura?”
— Cenas inóquas.
— Personagens vazias.
— A Sara Matos dá dez a zero a esta gente toda.
— O Ortigão com ar de choné.
Assim, coisas soltas. E foi com base nisso que escrevi este texto. Mas vamos lá do início. A série começa em Londres, ótimo, como disse lá em cima, bons tempos, em que havia dinheiro para estes luxos. Muitos exteriores, várias cenas em sítios icónicos da cidade, tudo ingredientes para um grande arranque. Só que não. O que vimos foram três miúdos deslumbrados com cada coisa que viam, em especial o Fábio Castro (desculpa, não sei o teu nome verdadeiro — Miguel Santiago, fui Googlar). Para ele, ver o Big Ben ou a guarda-real era sempre motivo para um abrir de boca e saltos de alegria. Rapaz, aos 19 anos eu também fui pela primeira vez na vida a Londres, e não me lembro de saltar de alegria com nada. Mas vá.
Ao fim de dez minutos de televisão em que só vi miúdos a andar por Londres, e em que nada acontece, comecei a achar “bom, já percebemos a ideia, isto vai evoluir, ou vamos continuar com o tour pela cidade”. E estes 10 minutos são um pouco o espelho de todo o episódio: parece que nunca está nada a acontecer, as coisas estão apenas a passar na televisão.
Lá percebi que afinal os três amigos estavam ali para estudar na Royal School of Arts. Boa, são gente instruída, com talento, embora só a Sara Matos o aparente (porra, que a miúda já era gira, já era talentosa, e 11 anos depois continua igual em tudo).
O que é que se passou mais nestas duas horas? Então, há um café chamado Chiclete onde dois gangues artísticos se enfrentam. É tudo bad boys que cantam, dançam e acham-se melhores do que os do gangue rival. Não vou comentar aqui coisas menores como “onde raio é que os putos foram arranjar dinheiro para comprar fardas de polícia e como é que conseguiram ter à disposição carros da PSP para uma falsa operação stop?” — isso são detalhes.
Mais coisas: há um rapaz exageradíssimo, um tal de Bruno Bacelar, que está convencido de que vai herdar uma fortuna e começa logo a fazer vida de menino rico, a contar com o ovo no cu da galinha. Percebe-se ao fim de um minuto que nunca irá receber nada, e que a namorada (a Inês Folque, giríssima), lhe vai dar com os pés quando perceber que o rapaz afinal vai continuar a ser pobrezito.
Percebe-se também que na escola onde aquela criançada toda anda, e que tem um professor chamado Zé Milho com uma crista punk (Cifrão, you rock!), vai abrir um concurso de vagas de talentos artísticos para a tal escola de Londres onde estão a Sara Matos, o Fábio exagerado e o outro rapaz que não sei quem é. Ou seja, vai haver guerra por essas três vagas.
E acho que não se passou mais nada nestas duas horas. O irmão do gajo que tem a mania que vai ser rico foi trabalhar para um talho para ganhar dinheiro, há uma miúda que quer ser artista e que está muito triste porque não entrou na escola de talentos de Londres, e a mãe quer que ela corra atrás do sonho, e houve mamas. Mamas ao longe, mas mamas, mamas da Simara e da Lúcia, que decidem fazer um strip tease na praia às sete da manhã porque acham que não está lá ninguém. Foi o início da carreira da Simara, que, anos mais tarde, veio a vestir a pele (a expressão não é inocente, porque se há coisa que ela faça pouco é vestir o que quer que seja) de repórter de biquíni da CMTV. Vidas. (isto é uma piada muito jornalística, se calhar não perceberam, mas também não vou explicar).
Pronto, é isto. Amanhã vou ver o segundo episódio para ver se isto melhora. Ah! Ah! Ah! Não vou nada, sou velho.