Depois de uma semana sem o programa "Pesadelo na Cozinha", a vontade de saber qual a próxima vítima remodelação de Ljubomir ainda era maior. Mal o nome do restaurante nos caiu em mãos, metemo-nos a caminho, sempre pela marginal, até à Parede.
É lá, ainda que a mais de um quilómetro da linha da praia, que fica o Miquipal, um restaurante que, de tão escondido, nos faz duvidar das indicações dadas pelo Google Maps. É que da estação de comboio até ao restaurante, as pessoas vão ficando para trás, as lojas são cada vez mais escassas e até vermos um placard com o nome, também ele curiosá diga-se de passagem, do restaurante, passamos por um deserto de prédios, interrompido apenas pelo barulho dos miúdos assim que dá o toque de saída no colégio dos Maristas.
"Não parece nome de restaurante, pois não?", questiona José Bentes que, quando pegou no restaurante, há 18 anos, preferiu manter tudo como estava desde a década de 70 inclusive o nome. Mas se fosse hoje tinha mudado. "Chamava-lhe o Saloio ou o Beirão, por exemplo. Algo mais parecido com o que é habitual num restaurante", admite. Ainda assim, sabe que é "ao Zé" que as pessoas vão quando querem comer marisco. "Se calhar podia ter mudado o nome do restaurante era para 'Zé'", brinca.
Conversa animada, troca de ideias, refeição feita, café tomado. Parecemos já velhos amigos. Mas a verdade é que esta história começa cerca de 1h30 antes quando do lado de cá estava uma cliente como as outras e do lado de lá um chef a dar conta dos pedidos na cozinha.
Não nos identificámos como jornalistas para ter a certeza que o tratamento seria o mais imparcial possível. De tal forma que até convidámos para almoçar uma recém-mamã para ver como lidavam com a presença de um carrinho de bebé num restaurante com espaço interior limitado. Ainda que as escadas de acesso sejam tudo menos baby friendly, a prontidão em manobrar o carrinho de maneira a que a criança tenha espaço à mesa deu logo ponto extra a João Sousa, o funcionário que foi nosso mestre de cerimónias para toda a refeição.
Foi ele que nos trouxe a ementa à mesa e lembrou que há dois pratos do dia: filetes de peixe e bife de lombo com molho de pimenta. "Então mas isto não era uma marisqueira", pensámos nós, encontrando a resposta apenas na terceira folha do menu, aí sim, com oito opções de marisco. Até lá chegar, passámos por propostas de peixe, carne e até hambúrgueres. O destaque de capa é dado aos petiscos e percebemos que a dinâmica da casa agora é por aí.
Salada de quinoa não há, avisou-nos João cortando aquela que seria a nossa primeira opção. Passámos então para o croquete de alheira (1,70€), a sopa de peixe rica (5,50€), o ceviche de peixe com batata doce e milho (8,50€) e, para não dizermos que íamos dali sem provar marisco, umas amêijoas à bulhão pato (9€). Na mesa deixam-nos um cestinho com broa, manteigas e patês e ainda bem, que o almoço demorou um pouco a chegar e, quando veio, veio tudo de uma vez, o que dificulta a gestão de quem quer comer com calma sem deixar que a comida arrefeça.
Feitas as contas à temperatura, avançamos pela sopa que se quer quente e pelas amêijoas, cujo molho puxa sempre a um pãozinho extra. Só que aqui, além do peixe demasiado cozido na sopa, a gordura das amêijoas fez com que o cesto do pão tenha ido praticamente intacto para trás.
No ceviche sentia-se o peixe fresco, ainda que camuflado por um molho com sabores demasiado fortes para um prato que se quer cítrico. O croquete era generoso e tinha um molho de mostarda a acompanhar, como se quer.
Arrematamos a refeição com uma fatia de melão — do mais doce que se pode pedir — e uma fatia de tarte de lima, do mais doce que se pode esperar. Dois cafés, a conta e estamos despachados.
"Foi a produção que me sugeriu a inscrição no programa"
Burocracias tratadas, sentámo-nos à mesa com José Beites, dono do restaurante e mestre de uma cozinha que gere há 18 anos, ainda que conte mais de trinta de profissão. "Andei aí a trabalhar em cozinhas de topo. Mas chegou o dia em que decidi que também tinha direito a abrir o meu próprio negócio", conta à MAGG. No banco disseram-lhe que era maluco, mas José nem duvidou. "Assim que me emprestaram o dinheiro, avancei".
Comprou o Miquipal com o nome e os pratos de comida tipicamente portuguesa que herdou da antiga gerência. "Tínhamos sempre dobrada, cozido à portuguesa, um peixinho grelhado, uma feijoada". Só mais tarde, há cerca de cinco anos, é que José decidiu dar um twist ao negócio e aproveitar a proximidade da zona balnear para se focar no marisco.
Tudo corria bem e já eram muitos os que se deslocavam à Parede para comer do seu marisco. Mais ainda quando José se rendeu aos vouchers de descontos que prometiam uma mariscada que habitualmente custava 45 euros para duas pessoas a 21 euros, ainda com direito a uma bebida por pessoa. "Chamou-me clientes mas fez-me perder muito dinheiro", admite.
Quando acabou com os vouchers, continuou a perder dinheiro e, desta vez, também clientes, que já não estavam dispostos a voltar a pagar o dobro do preço pelo prato a que já estavam habituados.
Apesar da vontade — e da urgência — em dar uma reviravolta ao Miquipal, não partiu de José a vontade de participar no "Pesadelo na Cozinha". Depois de algumas visitas à paisana, duas pessoas da Shine Iberia, produtora do programa, interpelaram o dono do restaurante para perceber se teria interesse em inscrever-se. "Disseram-me que o nosso restaurante tinha sido indicado por um cliente que via que o espaço pedia uma mudança", conta-nos José.
"Se soubesse o que sei hoje nunca me teria inscrito"
José ainda hesitou em aceitar mostrar os bastidores da sua cozinha ao País, mas quando a produção garantiu que não seria exibido nada que não fosse verdade, avançou. Mesmo assim, conhecendo o programa e o seu temperamento, muniu-se de calmantes para a semana na qual decorreram as gravações. "Eram seis por dia. Eu sou muito impulsivo, torno-me agressivo e sabia que a coisa podia correr mal", avisa. Mas nem todos os comprimidos do mundo eram suficientes para aquela primeira semana de setembro, período durante o qual foi gravado o programa. "Não devemos tratar mal ninguém e muito menos ofender. Eu fui humilhado ao máximo, completamente espezinhado. O chef chegou cá e basicamente disse: 'Você é uma merda e não percebe nada disso'". Ora, José fez as contas. "Se ele tem 42 anos de vida, eu tenho 37 de profissão. Ainda ele não comia broa já eu sabia o que era trabalhar em cozinha".
Retomando a calma, o proprietário do Miquipal conseguiu reconhecer que se tinha deixado ficar para trás na cozinha e, por isso, aceitou que o chef incluísse na ementa coisas como ceviche, tataki e salada de quinoa. "Ainda ninguém pediu a salada, por exemplo", ao que nós respondemos com a nossa primeira tentativa de almoço. "Pois, olhe, como nunca ninguém pediu, nunca a fiz, por isso é que não havia".
Trocou a garoupa à Bulhão Pato por corvina, por recomendação do chef que o lembrou, e bem, que "a garoupa vem da Mauritânia e demora seis dias a chegar ao restaurante e a corvina está no Tejo". Adotou ainda os molhos bearnaise e o chimichurri para a carne, ainda que tivesse que ir à Internet saber como se faz. "O chef fez, eu provei, gostei, mas fiquei sem saber como se fazia. Aliás, em nem sabia o que era chimichurri. Agora sei que é um molho argentino e uruguaio feito à base de ervas e especiarias, mas como a produção demorou muito tempo a enviar as receitas, fui eu pesquisar como se fazia".
Na cozinha, José conta com a ajuda de Laura Gomes que ficou satisfeita com as inovações. "Eu já trabalhei noutras cozinhas, com outras formas de cozinhar, mas aqui tinha de fazer como o patrão mandava", refere. Ainda assim, foram dias "de muitos nervos", mas dos quais saíram coisas boas. "Sim, atenção, nem tudo foi mau", avisa José, e aponta para a pequena banca da cozinha, onde Laura vai empilhando tupperwares devidamente etiquetados.
"Percebemos que, devido à dimensão da cozinha, temos que ter tudo bem arrumado. Havia vezes em que andava com os pratos na mão sem ter onde os pousar", lembra José.
Como ponto positivo de toda esta experiência, o dono do Miquipal retira também os quatro dias passados no Bistro 100 Maneiras, um dos restaurantes de Ljubomir. "A diferença é que ele vive dos turistas e por isso, pede por um hambúrguer 22 euros. Eu cá, sirvo o mesmo hambúrguer, mas se pedisse esse valor, ninguém cá vinha".
Fazendo uma espécie de balanço, José garante que não se voltaria a candidatar, mas admite que toda a equipa aprendeu com o que aconteceu com aquela intervenção. Aliás, aqueles dias foram tão importantes que, para alguns, serviu de alavanca para mudar de rumo. "Não sei que conversas privadas o chef teve com os meus funcionários, mas a verdade é que um deles já nem voltou depois das férias e o João já me avisou que vai sair". Ficámos com pena. É que, apesar de ser de poucos sorrisos, foi certeiro no serviço e até lhe demos um hi5 imaginário quando, subtilmente, ao pousar os cafés na mesa, disse "uma bica para esta menina e, para si, um cimbalino". Ainda que com uns quilómetros de desvio, atirou a piada no ponto cardeal certo.