A primeira temporada de "Operação Maré Negra" foi baseada em factos reais, e abordou o caso de um submarino artesanal que, em 2020, atravessou o Atlântico carregado com cocaína, só tendo os seus tripulantes sido detidos na Galiza. Nesta nova leva de episódios, que chegam em simultâneo à RTP e à plataforma de streaming Prime Video a 10 de fevereiro, dois anos passaram e vamos saber o que aconteceu a Nando, o jovem lutador de boxe que caiu nas malhas do narcotráfico e acabou na prisão.
Filmada e produzida entre Portugal e Espanha, a segunda temporada da série conta com um elenco renovado, encabeçado pelo ator chileno Jorge López. Soraia Chaves dá vida à inspectora Dani, e Pêpê Rapazote interpreta Boza, um veterano do narcotráfico, portuense de origem, mas que está preso no mesmo sítio que Nando. As paredes da prisão não são obstáculo para o tráfico de droga, que continua a acontecer com o conluio de alguns guardas.
Atualmente um dos atores portugueses com mais internacionalizações na carreira, Pêpê Rapazote já conta com várias personagens ligadas ao mundo da droga no seu currículo. A primeira aconteceu na série “Shameless”, em 2012, na qual deu vida a Nando, um barão da droga brasileiro.
Seguiu-se depois “Narcos” e “Narcos: Mexico”, onde também interpretou personagens ligadas ao submundo da droga. O ator tem-se mantido a par sobre o tema, como conta à MAGG, para explicar como é tão plausível que alguém caia neste negócio. “Neste momento vende-se um quilo de cocaína na Colômbia por 2000 dólares. Chega aqui e já vale 60 mil. A tentação é grande, ou para fugir à pobreza ou para tentar ganhar mais algum dinheiro. A realidade junta-se ali e é muito verosímil ver as nacionalidades que estão nesta série, mais precisamente nesta prisão”, conta Pêpê.
O ator de 52 anos relata ainda que esta é uma realidade muito familiar na Galiza, epicentro da ação de "Operação Maré Negra". “Tenho amigos galegos com quem já tinha conversado antes, só por curiosidade. Curiosidades terríveis porque faz parte do modo de vida das Rias Baixas. Há uma pobreza intrínseca, há a pesca e, ou se vai trabalhar para a Inditex, ou se faz narcotráfico. Não há um galego que não tenha um parente afastado na prisão. Vem com uma lancha com dois motores de 300 cavalos durante a noite, para escapar à Guarda Costeira… de facto, é preciso ter uma coragem muito grande, mas é também um desplante monumental entrar por ali dentro, à espera de encontrar a enseada certa para depois descarregar e estamos safos. Mas há sempre um caso destes porque a tentação é muito grande”, conta Pêpê.
Séries como “Narcos”, “Better Call Saul", “Erva” ou "Operação Maré Negra" têm o condão de colocar o telespectador, ainda que momentaneamente, do lado do traficante. “Quando são produtos bem feitos, há um lado humano que não podemos ignorar. Uma das vertentes dessa realidade é a necessidade, são as injustiças sociais, o que leva uma pessoa arriscar ficar presa a vida toda. Acho que temos empatia, em geral, por sobreviventes e por pessoas que têm a coragem para desafiar o sistema, também um sistema estabelecido mas que, infelizmente, socialmente é muito desigual e injusto. Essas pessoas acabam por ser heróis aos olhos dos outros”, explica Soraia Chaves.
A atriz revela ainda que a sua personagem, Dani, vai “aproximar-se bastante” de Nando. “Os dois mundos aproximam-se. E aproximam-se porque têm muito em comum. Há uma empatia também entre estes mundos, que se vão tocar. A série passa-se muito nessa linha ténue, que torna a história muito tensa, mais muito excitante também”, salienta Soraia Chaves. “É um bocado Romeu e Julieta, há uma atração proibida”, acrescenta Pêpê Rapazote.
O fascínio da ficção, quer no cinema quer na televisão, pela figura do narcotraficante, advém, diz Pepê Rapazote, do facto de estas acharem que conseguem “perpetuar-se no poder”. “Têm sempre aquele ‘ui, já esticou demasiado a corda’. E temos casos desses, por exemplo, no ‘Narcos’, é sempre… foi uma jogada a mais! Ninguém está preparado para se retirar. Depois é o jogo do poder e acabam por ser apanhados. Portanto, nós torcemos porque já sabemos que a coisa vai acabar mal”, explica ainda o ator.
O chileno que faz de galego e que se apaixonou pelo Porto
Aos 31 an0s, Jorge López é um ator global. É o próprio que o diz, salientando, em jeito de brincadeira, que já trabalhou em vários países exceto no seu, o Chile. É ele o protagonista da segunda temporada de "Operação Maré Negra" e que os fãs de "Elite" reconhecerão das temporadas dois e três, nas quais deu vida a Valerio Montesinos.
López conta à MAGG que teve apenas duas semanas para se transformar em Nando, o jovem narcotraficante galego que protagoniza a série (e que, na primeira temporada, foi interpretado pelo espanhol Álex González). “Tive a ajuda de uma linguista, por causa do sotaque espanhol. O português falo-o medianamente bem, porque vivi no Brasil”, conta o ator. O boxe, que nunca tinha feito, e as cenas físicas, fazem deste “o trabalho mais exigente” da sua carreira, salienta.
O ator chileno explicou à MAGG como lidou com a responsabilidade de interpretar uma personagem feita anteriormente por outro colega. “No início, tive algum pudor, mas depois pensei ‘sou ator, estudei representação. Quando fazemos uma prova, as personagens são poucas e, como somos muitos alunos temos de fazer o mesmo papel. Então pensei que é exatamente a mesma coisa. Estou a entregar um trabalho. A um ator calhou contar a primeira parte e a mim a segunda’. Claro que parti da base que o meu colega construiu e, por respeitar o seu trabalho - e o meu também - decidi construir uma personagem com uma identidade e viagem próprias. Porque eu não sou um duplo, sou um ator."
No primeiro episódio da segunda temporada, mais marcada pela violência, o Nando de Jorge López mata um homem à pancada dentro da prisão. Novato neste tipo de cenas, o ator chileno conta que a direção de Daniel Calparsoro, realizador da série, foi fundamental.
“Ele deu-me indicações super exatas. Esta cena é muito singular, e custou-me muito, porque é muito precisa e tem que ser contada para que não apareça do nada. Decidimos que seria como um surto psicótico, faz tudo parte de uma crise, algo que até a ele o surpreendeu e que não esperava fazer. Foi assim que o fiz. Foi esgotante”, recorda Jorge López.
Dos três meses de filmagens de “Operação Maré Negra”, o ator guarda as melhores recordações de Portugal, em particular do Porto, onde passou duas semanas e meia. “Tem um lado muito romântico, de época e, ao mesmo tempo, moderno. Conserva uma identidade tão bonita. Ha poucos países que mantêm assim a sua cultura, o respeito às raízes, a arquitetura. É incrível, come-se muito bem e as pessoas são tão simpáticas”, elogia Jorge López. O ator levanta ainda o véu sobre a possibilidade de uma terceira temporada da "Operação Maré Negra". "Espero que aconteça porque tenho muita vontade de acabar de contar a historia desta personagem."