8 de abril, 1990. Foi há precisamente 30 anos que o mistério sobre quem teria assassinado Laura Palmer mudaria para sempre o rumo da televisão. A receita para o sucesso estava, à partida, garantida: um crime que envolvesse mistério e sobrenatural num enredo denso tinha tudo para resultar numa altura em que poucas (quiçá nenhumas) séries eram assim.

Apesar de tudo, e embora seja considera uma produção de culto, "Twin Peaks" não é das mais populares e comentadas como todas as outras que se lhe seguiram — como "Os Sopranos", "Mad Men" ou até mesmo "Breaking Bad". A explicação, uma de muitas, aponta para a ausência de um bad boy sem escrúpulos como protagonista da ação e que tanto viria a deslumbrar os espectadores da televisão moderna.

Mas houve mercado para "Twin Peaks" e a série ganhou uma legião de fãs. Tanto o é que, em 2017, cerca de 25 anos depois do final da segunda temporada e de um filme realizado por David Lynch, estreou-se uma terceira temporada focada no agente Dale Cooper (Kyle MacLachlan) vários anos depois de concluído o caso que o levou até àquela cidade remota nos EUA.

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A terceira temporada, que foi promovida como uma minissérie, foi elogiada pela crítica e reuniu grande parte do elenco original. Os fãs, claro, sentiram-se satisfeitos porque o revivalismo (quer seja na televisão ou no cinema) é sinónimo de conforto. E ter a oportunidade de ver uma versão moderna das personagens que marcaram uma geração é uma sorte de que nem todas as séries se podem gabar de ter.

Em jeito de celebração dos 30 anos de "Twin Peaks", fomos à procura das melhores curiosidades sobre a série que ainda hoje faz os fãs mais acérrimos suspirar de saudade.

1. A história que envolveu Mikhail Gorbachev e George H.W. Bush

As grandes séries também vivem pelos mitos que se vão criando em redor delas. "Twin Peaks", produto da televisão dos anos 90, não foi exceção.

E um dos rumores mais conhecidos sobre a produção de David Lynch é que a série terá intrigado Mikhail Gorbachev, o oitavo e último líder da União Soviética, ao ponto de perguntar a George H.W Bush, presidente dos EUA entre 1989 e 1993, para tentar saber a resposta junto dos estúdios de produção.

A informação foi avançada no livro "Reflections: An Oral History of Twin Peaks" que levou o jornal russo, "The Moscow Times", a confrontar Gorbachev com a informação. O antigo líder político, no entanto, confirmou não ter qualquer memória sobre a série.

"Twin Peaks" estreou na Rússia em meados de 1993, muito tempo depois de, nos EUA, já se saber quem tinha sido o responsável pelo homicídio de Laura Palmer.

2. A rivalidade entre dois canais alemães que levou a perda de audiências

Na Alemanha, o canal responsável pela transmissão de "Twin Peaks" foi a cadeia RTL. Mas os responsáveis pela estação decidiram cancelar a emissão da série 20 episódios depois da estreia.

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Tudo porque o canal rival, a SAT1, revelou em primeira mão a todo o país a identidade do responsável pela morte de Laura Palmer.

Numa luta constante pelas audiências, os resultados da cadeia RTL começaram a cair a pique porque já não havia interesse por parte do público em continuar a acompanhar a série.

3. A música do genérico foi criada em apenas 20 minutos

Composto por Angelo Badalamenti, o tema instrumental que viria a ser a música principal da série e do genérico, é ainda hoje considerado uma obra-prima.

Chama-se "Love Theme" e, sabe-se agora, toda a peça foi construída em 20 minutos e sem o músico alguma vez ter tido acesso a imagens ou páginas do argumento da série.

4. A fotografia de Laura Palmer não é da atriz que a interpretou

Não se sabe exatamente a fontes desta história, mas muito a fotografia de Laura Palmer na série não pertencia a Sheryl Lee, a atriz que interpretou a personagem. A fotografia pertence a Kimberly Wright, uma amiga próxima de David Lynch que se terá voluntariado para posar para a série. Segundo Wright, aquele terá sido o seu primeiro trabalho enquanto modelo.

5. Steven Spielberg quis fazer o episódio "mais estranho possível" da série

O realizador de filmes como "O Resgate do Soldado Ryan" ou "Império do Sol" sempre foi fã da série e, segundo vários rumores não confirmados, ter-se-á voluntariado para realizar o primeiro episódio da segunda temporada. Em troca, terá proposto a David Lynch fazer o episódio "o mais estranho possível" da série.
Apesar do esforço, as negociações não avançaram e David Lynch assumiu, uma vez mais, a realização.

6. "Vemo-nos daqui a 25 anos"

Em junho de 1991, data da estreia do último episódio da série, a personagem Dale Cooper tem uma visão de Laura Palmer que lhe diz: "Vemo-nos daqui a 25 anos."

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Na altura, a frase, críptica como toda a série, deixava no ar a possibilidade de um regresso no futuro — embora muitos fãs não atribuíssem validade a esta teoria.

Mas, de facto, a renovação para uma nova temporada chegou através da Showtime, casa de séries como "Segurança Nacional" e "Dexter" e estreou-se em 2017 — exatamente 25 anos depois do final, e em concordância com aquela que tinha sido a frase da Palmer.

Será que a renovação sempre esteve prevista por David Lynch? Nunca saberemos, mas é mais um facto a contribuir para o misticismo da série.

7. A ABC pressionou Lynch a revelar o assassino de Laura

Segundo David Lynch, foram várias as figuras responsáveis pela ABC, o canal americano, a insistir que o assassino de Laura Palmer fosse relevado na segunda temporada. O realizador e criador da série acedeu só que, ao contrário do que os responsáveis do canal esperavam, a revelação fez mais mal do que bem.

É que as audiências da ABC caíram a pique nos episódios seguintes já que, desfeito o mistério, não havia motivos para continuar a acompanhar a história.

8. Depois de cancelada a série, o filme foi apupado em Cannes

Devido às fracas audiências da segunda temporada, a ABC acabou a cancelar "Twin Peaks". Apesar de ser ter transformado numa série de culto, houve quem achasse que a produção de David Lynch tinha perdido o foco e, por isso mesmo, o cancelamento foi olhado com alguma naturalidade.

Mas depois disso veio uma prequela em forma de filme. Intitulado "Fire Walk With Me", também realizado por Lynch, a produção não só não surpreendeu em bilheteira como chegou mesmo a ser apupada no Festival de Cinema de Cannes.