Na primeira semana no "Big Brother", Lourenço Barcelos captou a atenção dos colegas e dos telespectadores, mas acabou por abandonar o jogo ao fim de menos de um mês. Assumindo-se, de imediato, como transexual, prometia abrir mentalidades.

A participação no reality show assentou em três motivos: pagar a última operação para concluir a mudança de género, ajudar a mãe e inspirar a comunidade LGBT. Na sua perspetiva, o terceiro objetivo não foi concluído dentro da casa, pelo que pretende fazê-lo através das suas redes sociais.

Quanto à expulsão, o jovem de 24 não duvida se deveu a um erro seu, admitindo que devia ter sido mais interventivo e manifestar com maior frequência a sua opinião. “Não dei as minhas cartas todas, porque tinha ali uma grande história e infelizmente não soube aproveitá-la da melhor maneira. Infelizmente isto é uma corrida contra o tempo", confessou, em conferência de imprensa.

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Convicto de que foi um jogador correto, dinâmico e que entreteve os colegas, sublinhou: “Faltava essa parte de, em direto, dar mais a minha opinião, dar-me mais a conhecer aos portugueses. Não sou só a minha história, sou mais".

Questionado sobre as piadas de António e Bruno, Lourenço garantiu que não levou a mal e sabe que não foram no sentido pejorativo. Contudo, apesar de também ter entrado na brincadeira, reconhece que devia ter alertado para a interpretação e reações do público.

De Mafalda a Lourenço em três anos

Aos 24 anos, a vida de Lourenço não deixa ninguém indiferente. "Tudo começou aos 7 anos, mais ou menos, que eu me lembre. Eu sempre pensei que era um homem. Era simplesmente um miúdo que gostava de raparigas, não era uma rapariga que gostava de raparigas, porque eu sempre me identifiquei como um homem". 

Lourenço relembrou o quanto sofreu durante a sua infância. Na escola, afastavam-se dele e criticavam a forma como se vestida: roupa desportiva, masculina e larga. "Quando nós somos crianças nós não temos filtro e dizemos aquilo que a gente pensa. Eu ia para a escola dizer que gostava das minhas colegas, mas dava-me mal porque, vendo de fora, eu era uma rapariga. Sofri muito", relatou aos jornalistas.

À medida que foi crescendo, percebeu que odiava ver-se ao espelho e que não era só a atração pelo sexo feminino: Lourenço não se sentia bem no corpo que tinha."Para aí aos 10, 11, 12 anos cheguei a pôr a papel nas calças para fazer o formato [do pénis]. Dormia com isso, sentia-me super bem".

Sofria em silêncio. Em conferência de imprensa, contou que sempre foi uma pessoa reservada e só recentemente se começou a abrir com a mãe — que sempre soube, ainda que o jovem tivesse levado algum tempo a assumi-lo. Para a restante família e amigos, também não foi nenhuma surpresa.

Depois de um ano de pesquisa, em 2018 fez a primeira operação: retirar as mamas. "Liberdade" é como descreve a sensação, na altura. "Foi a melhor coisa que eu poderia ter feito até hoje", explicou o ex-concorrente, referindo que, até então, evitava sair à rua por se notarem as mamas. Depois da operação, nas primeiras idas à praia, sentiu-se nu e estranho, mas garantiu que foi espetacular.

Atualmente, só precisa de mais uma cirurgia, de modo a alterar o órgão genital. Lourenço é seguido num hospital público e o Sistema Nacional de Saúde cobre a intervenção, mas o tempo de espera é longo e o ex-concorrente não tem a certeza se existem próteses, pelo que, tendo possibilidade, prefere ser operado no setor privado.

Até a mudança de sexo estar totalmente concluída, sente-se condicionado nos relacionamentos com as mulheres, que se afastam quando sabem que é transexual. Em declarações aos jornalistas, mencionou que já se sentiu muito em baixo por lhe virarem as costas e até chegou a pensar que nunca seria "um homem de verdade”. No entanto, procura sempre pensar positivo: "Eu estou no caminho certo e quem gostar de mim vai gostar de mim como eu sou".

A entrada no "Big Brother" exigiu um processo de muita preparação para que se sentisse confortável — sobretudo para despir as camisolas. Já fora da casa, assegurou que se sentiu muito à vontade com colegas e que nunca lhe apontaram o dedo.

A relação com o pai: “Eu preciso dele. Gostava de tê-lo na minha vida”

Lourenço gostava que o "Big Brother" o aproximasse do pai, que é governador provincial do Moxico, em Angola. "Tinha que medir um bocadinho as palavras, mas isso não quer dizer que seja fácil. É difícil para mim ainda ter um pai que me trata pelo 'dead name' [nome morto]. Não me conhece."

Foi a mãe quem contou ao progenitor a mudança de género. "Acho que ele ainda não encaixou bem a cena, apesar de já saber que eu sou um homem transexual, eu acho que ainda lhe custa, se calhar por falta de convivência, chamar-me Lourenço, então chama-me sempre Mafalda, trata-me sempre pelo feminino".

O ex-concorrente recordou as visitas do pai, em pequeno e contou que começaram a ser cada vez menos frequentes até perderem, quase totalmente, o contacto. Sublinhando a falta de vontade do pai em contactá-lo, refere que tem a mãe, que é muito importante para si e um grande apoio. "Há momentos que me deixam mais triste. Por exemplo, no aniversário, podia dizer alguma coisa, não diz nada, eu é que tenho que estar a dizer", disse, em declarações aos jornalistas.

Segundo o jovem, foram várias as vezes que partilhou com a mãe que só quando o pai estivesse às portas da morte é que se lembraria do filho, pelo que não pretendia falar mais com ele. Contudo, volta sempre atrás com a palavra. "Eu estou sempre a tentar. Eu gosto dele. Eu quero esta relação".

Ainda assim, Lourenço não tem sentido a falta do progenitor durante a transformação. Num dos primeiros contactos presenciais, em que já tinha barba, receou a reação do pai. "São essas coisas que gostaria de falar abertamente com ele. Ele não sabe quem eu sou, eu também não sei quem ele é".

Do lado paterno da família, o ex-concorrente tem irmãos, com quem manteve uma relação até 2013. Atualmente moram nos Estados Unidos da América e Lourenço pretende voltar a restabelecer contacto. Quanto ao pai, não tem intenções de procurá-lo.

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Apesar de ainda ser cedo para previsões, Bruno d'Almeida, Ana Barbosa e Maria da Conceição são quem gostava de ver na final do "Big Brother". Já Letícia é, na sua opinião, a planta da casa.

Lourenço Barcelos foi o menos votado pelos portugueses e acabou por ser expulso do "Big Brother" na gala de domingo, 3 de outubro.