A primeira pergunta que Hugo Dunkel nos faz assim que começamos a conversar é: "Quanto tempo tens para mim?". Falamos durante 35 minutos, mas ficamos com a sensação de que se as obrigações de um dia cheio não nos obrigassem a cortar a conversa ainda agora estaríamos ao telefone.
Hugo fala com um entusiasmo de quem percebe que a mudança que deu à sua vida valeu a pena. Afinal, estamos a dias de ver finalmente aberto um espaço físico que vai servir de base à LOCAL, um projeto associativo que criou em 2014 em prol da comida de verdade, que mais não é do que "aquela que realmente nutre os produtores, consumidores, comunidades e a terra", esclarece-nos quem mais sabe sobre o tema.
Hugo estudou agricultura biodinâmica em Inglaterra, formou-se em nutrição e está neste momento a frequentar um mestrado sobre alimentação em Coimbra. Aos 33 anos, assume-se como um ativista pela cultura alimentar com base na sustentabilidade, um caminho que se desviou daquele que tinha traçado quando se candidatou ao curso de design de produto.
"Na verdade, eu sempre me interessei por comida, agricultura, sustentabilidade e escolhi a vertente artística de modo a conhecer ferramentas que melhorassem a vida das pessoas e nunca pelo caminho mais industrial da coisa", explica à MAGG. Mas daí a dedicar a vida a defender formas mais conscientes de comer vai uma longa história, a tal que, se tivéssemos todo o tempo, ainda agora estaríamos a ouvir.
Ser sustentável não é ser vegetariano
Hugo já foi vegetariano e, num contexto de alimentação saudável e sustentável, ver um verbo conjugado no passado pode parecer estranho. "Deixei de o ser quando percebi que a pegada ecológica deixada pela produção de carne não vive sozinha, também o cultivo de cereais e leguminosas — a base da alimentação vegana — também tem as suas consequências negativas", esclarece. Lembra, por exemplo, que a criação de uma monocultura de grande escala de milho ou centeio obriga ao processo pouco natural de criação de um campo arável. "Na Amazónia são destruídos hectares e hectares de floresta para a produção de soja", reforça.
É por isso que, hoje em dia, come de tudo, inclusive carne — desde que seja de produção de pasto — e peixe, sempre selvagem. É um "omnivorismo consciente", como lhe chama, conceito que tenta sempre passar nas oficinas, palestras e workshops que organiza através da associação que conta até com um manifesto dividido em 13 das caraterísticas que considera que toda a comida deve ter: local, ecológica, sazonal, saudável, diversa, natural, ancestral, omnívora, democrática, abundante, comensal, permanente e justa.
A associação a ganhar (ainda mais) forma
Quando percebeu que o design ia ficar de lado e que o caminho era o da comida, estudou o mais que pôde e juntou-se a uma amiga com os mesmos interesses, para juntos organizarem workshops e oficinas, na altura mais focadas na fermentação, seja de pão, vinho, queijo ou chucrute.
"Independentemente do tema, a ideia é sempre dar a conhecer às pessoas a ligação dos alimentos à sua saúde e à forma sustentável como pode ser produzido", explica.
Das oficinas pontuais passaram para a criação de um projeto associativo a que que deram o nome de LOCAL. Não que isto tenha posto fim a estes pequenos cursos, pelo contrário. "Fomos alargando as temáticas e passamos a fazê-los em vários pontos do país".
Atualmente, são 12 as pessoas a fazer parte da LOCAL. Pessoas com projetos tão diferentes quanto o de Gina Pinheiro, que vive nos Açores e produz leite biológico cru (e não pasteurizado, como os o supermercado) ou Duarte Martins, que decidiu recuperar um terreno ardido em Penamacor para fazer dele um espaço de criação sustentável de árvores, hortas e animais.
E foi exatamente por ver o projeto crescer que Hugo sentiu necessidade de voltar a reuni-lo, desta vez num espaço permanente a que deu o nome de LOCAL Food Lab.
Este "laboratório de experimentação centrado em questões de cultura alimentar, sustentabilidade e saúde", como nos é apresentado pelo responsável, tem sede no Porto e vai servir também para que não andem de tachos e panelas pelo País. "Não vamos deixar de dar workshops e fazer palestras onde nos chamarem, mas a parte prática agora centra-se aqui". E é também aqui, na rua de Cedofeita número 28, para ser mais preciso, que vai nascer uma biblioteca e salas para oficinas e experiências gastronónimas. Para já ficam-se pelos jantares temáticos — sendo que o pão vai ser o tema do primeiro — mas têm em vista a ideia de passar a servir almoços.
"Para mim foi ótimo perceber que, se há dez anos, eu era o freak que se preocupava com comida, agora faço parte de uma comunidade com os mesmos interesses", admite.
A inauguração do espaço está marcada para dia 22 de setembro, num almoço comunitário, no qual a ideia é que todos tragam algo para dividir pelo grupo, que se vai sentar em mesas com dez metros de comprimento. Escusado será dizer que não entra nada que não seja "comida de verdade".