Carlos Rodríguez Jiménez é um especialista em nutrição endócrina e, aos 83 anos, ainda se mantém no ativo. No entanto, logo na primeira quinzena de fevereiro, após o registo do primeiro infetado pela COVID-19 em Espanha, começou com os primeiros sintomas, que inicialmente desvalorizou.

"Senti uma comichão estranha na garganta, de aparência alérgica, que causava uma tosse tão persistente que até produzia terríveis dores abdominais. Depois, vieram a febre, a fraqueza e a falta de apetite, mas eu não lhes dei muita importância e continuei a minha vida normal, indo ao Hospital Beata Maria Ana [em Madrid] e aos meus jogos no Clube de Ténis Chamartín", diz o médico apaixonado por este desporto ao jornal espanhol "El Mundo".

Não houve suspeitas imediatas de que se tratasse do novo coronavírus, sendo que as longas horas a trabalhar foram identificadas como causas para o mal-estar. "Normalmente trabalho das 9 da manhã às 9 da noite com um horário muito apertado. O meu recorde, até agora, é sair às 22h50, porque tive que esperar por um paciente que veio de Palencia. Sim, podiam ter sido [turnos] um pouco longos, mas sentia que isto não era o suficiente para derrotar alguém saudável como eu. Então comecei a sentir que poderia ser algo mais."

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Nos dias que antecederam a declaração do Estado de Emergência em Espanha, decretado a 14 de março, Rodríguez Jiménez encontrava-se todas as noites com o seu grande amigo Aurelio Capilla, 60, diretor médico do La Beata fazia cinco anos, no estacionamento do hospital.

Tanto Carlos como Aurélio deram positivo nos testes para a COVID-19 e foram internados na mesma altura. Só que o rumo que a doença tomou foi muito diferente nos dois casos: Rodríguez Jiménez está vivo para contar a sua história e o seu amigo, de menos 25 anos, acabou por morrer a 19 anos de abril. "Estacionamos os nossos carros lado a lado. Porque ele e não eu? Já me perguntei isto mil vezes. Eu poderia jurar que daria a minha vida por ele", disse, em lágrimas, descreve o mesmo jornal.

Os sintomas de Rodríguez Jiménez  foram piorando, ao ponto de o médico ter sentido um certo alívio pela chegada do Estado de Emergência, porque isso significava ter de ficar em casa. Mas este confinamento foi de pouca dura.

“Eu estava com dificuldades em respirar, estava com falta de ar e mal conseguia andar da sala para a cozinha. Como resultado da minha hipotensão ortostática, de todas as vezes em que tentava levantar-se, perdia a visão por causa da tontura. Nessas circunstâncias, decidi ligar para o meu parceiro, Dr. Vigaray, que ordenou que eu fosse imediatamente ao hospital."

E foi. O quadro clínico era terrível. "Glóbulos brancos no chão, ameaça de formação de micro-coágulos espalhados no pulmão, pneumonite bilateral, ferritina muito alta ... A baixa saturação que tinha nos pulmões causou-me uma sensação irreprimível de querer dormir para sempre, como se já não estivesse bem neste mundo."

A semana do internamento dos dois médicos coincidiu com o avanço drástico da epidemia em Espanha. Nesta altura, nos Cuidados Intensivos teve de se começar a escolher: que pacientes é que aqui poderiam ficar internados? Quais é que teriam direito a ventilador? Nos lares, morriam dezenas de idosos com a idade de Rodríguez Jiménez, que não chagavam sequer a ter acompanhamento médico. A 2 de abril, em 24 horas, morreram de 950 pessoas infetadas pelo novo coronavírus em Espanha. 

No meio do caos, Rodríguez Jiménez continuava vivo. E não perdia o bom humor. "Nunca me faltou ânimo, mesmo que quem estivesse deitado na cama não fosse eu. Além do mais, acho que a única coisa que me conservou intacto na altura foi o desejo de melhorar meu backhand [movimento de técnis] para imitar Roger Federer. Que explosão! Que elegância!".

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Depois de 25 dias internado, o  especialista em nutrição endócrina de 83 anos recebeu alta. "Digo ao meu povo que é mais difícil jogar ténis às duas da tarde com sol vertical do verão nos tribunais centrais do Club Chamartín do que superar o coronavírus, um processo muito complicado, que não pode ser lidado de outra forma, além do que agora se chama de resiliência."

A prática de ténis, acredita, foi fundamental para a sua recuperação pela influência na reserva pulmonar e no sistema imunitário, não descartando, obviamente, a importância do que comemos, do que bebemos e de como descansamos.

Além disso, há os efeitos na mente: o desporto "não implica apenas o desenvolvimento da atividade física, mas de todo um modo de vida marcado por um espírito de superação que nos leva a tentar fazer melhor todos os dias", considera. "É um humor que envolve uma ginástica mental prodigiosa que, para o cérebro, é pura medicação."

Especificamente sobre o ténis, o médico, que aos 83 anos faz jogos de uma hora e meia, diz que "tentar tirar a bola do alcance do seu oponente requer precisão", que, por sua vez, "requer uma quantidade enorme de ajuste mental."

E no futuro? Depois do livro de nutrição, vem o derradeiro desafio: "Melhorar a vantagem de Federer, a resistência de Nadal e o estilo de Feliciano López, que com aquela cara de jogador de póquer, parece não fazer nada, mas ele faz tudo."