A administração de Donald Trump apresentou esta quarta-feira, 3 de junho, um relatório ao Supremo Tribunal que dita que as organizações financiadas pelos contribuintes norte-americanos deveriam ter o direito de recusar-se a trabalhar com grupos que considerem estarem a violar as suas crenças religiosas.

A pasta foi apresentada pelo Departamento de Justiça no processo Fulton contra a cidade de Filadélfia, que se foca no modo como os Serviços Sociais Católicos, uma organização religiosa sem fins lucrativos, gere a sua agência de assistência à infância na cidade norte-americana. O objetivo da organização é encontrar famílias para adotar as crianças nos sistema, mas a instituição em causa recusa atribuir crianças a casais do mesmo sexo, numa clara violação do regulamento de não discriminação da cidade de Filadélfia.

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No seu resumo, o governo argumentou que "Filadélfia discriminou o exercício religioso" e que as ações da cidade "refletem uma hostilidade inconstitucional às crenças religiosas dos Serviços Sociais Católicos". Este último ponto cita um caso recente do Supremo Tribunal em que o governo norte-americano interveio em nome do padeiro Jack Phillips, que se recusou a fazer um bolo de casamento para um casal homossexual devido às suas crenças religiosas. O Supremo Tribunal concedeu uma vitória a Phillips, com base no facto de a Comissão dos Direitos Humanos do estado do Colorado ter demonstrado hostilidade para com as suas opiniões religiosas.

Os Serviços Sociais Católicos processaram Filadélfia em 2018, depois de a cidade ter terminado o seu contrato com a instituição, ao saber que esta não considerava os casais do mesmo sexo como potenciais pais adotivos de crianças. A organização argumentou que prestar estes serviços a casais homossexuais violava os seus direitos constitucionais de livre exercício religioso e à liberdade de expressão.

A organização católica perdeu o processo no tribunal distrital e acabou por recorrer a um outro tribunal, que por unanimidade, confirmou a decisão anterior em abril de 2019. Os advogados da instituição recorreram novamente, desta feita ao Supremo Tribunal, em fevereiro deste ano.

"Estou aliviada por saber que o Supremo Tribunal vai ponderar a adopção com base na fé", disse Lori Windham, advogada que representa os Serviços Sociais Católicos, tal como escreve a NBC News. "Ao longo dos últimos anos, as agências têm fechado as suas portas por todo o país e, durante todo este tempo, as crianças estão a entrar no sistema."

No entanto, os defensores dos direitos civis alertaram para as consequências a longo prazo da decisão a favor dos Serviços Sociais Católicos. "Embora este caso envolva a rejeição de famílias LGBTQ, se o tribunal aceitar as alegações feitas, não só prejudicará as crianças em famílias de acolhimento, reduzindo o número de famílias a cuidar delas, como também qualquer pessoa que dependa de uma vasta gama de serviços governamentais estará em risco de discriminação com base na sua orientação sexual, religião ou qualquer outra caraterística que não passe no teste religioso de um provedor", disse Leslie Cooper, vice-directora do Projecto LGBT e VIH da ACLU, ao canal noticioso.

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Atualmente, 11 estados norte-americanos têm leis que permitem às agências licenciadas pelo governo reivindicar isenções religiosas no processo de acolhimento e adoção, e outros estão a considerar medidas semelhantes. Os defensores das minorias LGBTQ dizem que estas leis e políticas só agravam o problema da falta de famílias de acolhimento disponíveis.

De acordo com um relatório do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, existiam cerca de 443 mil crianças em famílias de acolhimento nos Estados Unidos em 2017. Todos os anos, cerca de 50 mil crianças são adotadas através do sistema de proteção social infantil, mas cerca de 20 mil envelhecem antes de serem colocadas numa família adotiva, salienta o departamento no mesmo relatório.

Os estudos mostram que as famílias LGBTQ acolhem e adotam a taxas mais elevadas e são mais susceptíveis de acolher crianças mais velhas, com necessidades especiais e minoritárias. Dados de um relatório de 2018 apontam que mais de 21 por cento dos casais homossexuais criam crianças adotadas, contra três por cento dos casais heterossexuais.