Já terminou a primeira sessão do julgamento de Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva, os três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), acusados pelo Ministério Público (MP) de homicídio qualificado pela morte de Ihor Homeniuk. O cidadão ucraniano perdeu a vida às mãos deste serviço a 12 de março de 2020, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa.

O arranque do julgamento, que arrancou esta terça-feira, 2 de fevereiro, no Campus de Justiça, em Lisboa, foi marcado pelo facto de os três homens, que alegam ser inocentes, terem prestado declarações. Em cada uma das suas versões, em quase tudo coincidentes, contradizem a versão do MP, que acusa os indivíduos de espancarem Ihor com recurso a murros, pontapés e um bastão extensível, deixando-o sozinho para morrer, nas nove horas após as agressões.

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“Não havia necessidade de bater no homem porque ele já estava numa posição de fragilidade. Somos agentes de autoridade. Nunca iríamos provocar uma violência sem necessidade”, disse, por exemplo, Bruno Sousa, o segundo a prestar declarações.

"Estava sentado num colchão e manietado com fita adesiva"

Luís Filipe Silva, foi o primeiro a falar, tendo relatado que na manhã de 12 de março terá sido chamado, juntamente com os dois colegas, à sala dos Médicos do Mundo, por causa de um homem que, cita o "Expresso", "estava a ter comportamento violento e autodestrutivo", sendo por isso necessário algemá-lo.

Quando chegaram ao local, relataram dois dos inspetores, a porta estava fechada e já havia informação de que Ihor havia "tentado morder" e "agredir um segurança com um sofá" — informação que já na altura foi desmentida pelo segurança.

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Por isso, entraram na sala com o bastão extensível que é de "uso comum", apesar de ser proibido. Ao entrarem, Ihor já estaria imobilizado, segundo o relato de Bruno Sousa.

"O cidadão estava sentado num colchão e manietado com fita adesiva", disse, citado pelo mesmo jornal. “A situação não correspondia à que tinha sido transmitida. Foi-nos omitido que o senhor já estava todo imobilizado com fita. Não sabíamos como é que essa situação tinha surgido. Não assistimos a quem colocou aquelas fitas”, acrescentou, agora citado pelo "Observador". O inspetor terá também visto marcas de possíveis agressões: “A nível de braços estava bastante marcado”, disse ao juiz.

Terão estado durante 30 minutos com Ihor e, durante este tempo, relatou Luís Silva, apenas tentaram retirar a fita adesiva ao homem. Por ter aparentado "sempre algum descontrolo", substituíram-na pelas algemas, que serviram "para garantir a integridade física do cidadão", até porque, devido à fita adesiva, as mãos já estavam num "estado de arroxeado", disse Bruno Sousa.

Ao tentarem retirar a fita adesiva, o cidadão ucraniano ter-se-á mostrado agressivo, tentando pontapear os inspetores. Laja terá tentado imobilizá-lo.

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“Não consegui tirar a totalidade e durante esse processo como sentiu alguma mobilidade nas pernas pontapeou, esperneou e fui alvo de algumas investidas e pontapés. A única forma que consegui controlá-lo foi imobilizar as pernas colocando as mãos em cima dos joelhos”, relatou.

Os três homens garantiram no julgamento que, no momento em que abandonaram a sala, Ihor foi deixado "em posição de segurança", tendo ficado as chaves das algemas com um segurança, que as retiraria quando este se acalmasse. 

Duarte Laja admitiu, no entanto, que no dia em que Ihor morreu, havia um número anormal de vigilantes: “Tanto quanto sei são quatro por turno. Naquele dia estavam lá mais do que quatro”. Na contestação da acusação, os inspetores defendem que outros elementos envolvidos no caso deveriam ser constituídos arguidos, fazendo referência a seguranças.

O mesmo inspetor negou ter proferido uma das frases mais mediáticas do caso: “Já não precisava de ir ao ginásio”. Segundo o "Observador", o inspetor Luís Silva terá esboçado um "discreto riso", sentado no banco dos arguidos.