Depois de ter participado na 9.ª temporada de "Morangos Com Açúcar", Joana Metrass, a atriz portuguesa de 31 anos, deu o salto para o estrangeiro e participou em produções como "O Agente da U.N.C.L.E." e "Era Uma Vez". Apesar de nunca ter tido a internacionalização como objetivo principal de carreira, a verdade é que o sucesso que conseguiu lá fora tem sido reconhecido. Prova disso é o seu mais recente filme chamado "Guerra Sem Quartel" onde teve oportunidade de contracenar com Jean-Claude Van Damme.
O filme acompanha Lucas, um miúdo de 14 anos que vive sob influência de um dos gangues mais violentos de Washington e que vê na figura de Daniel, um veterano de guerra que sofre de stresse pós-traumático, a oportunidade de mudar de vida. No filme, Joana Metrass dá vida a Anna que faz par romântico com a personagem de Van Damme.
Em entrevista à MAGG, Joana falou um bocadinho de tudo. De como teve de ser um pouco jornalista para conhecer a história de pessoas que sentiram o poder dos gangues dos Estados Unidos e de como foi trabalhar com a "lenda do cinema que todos conhecem".
Mas ainda houve tempo para falar das séries que Joana diz ver como uma espécie de trabalho de casa, apesar de confessar ter-se rendido ao binge com "Peaky Blinders". Quando a MAGG lhe perguntou em que séries gostaria muito de participar, a resposta saiu de forma imediata: "The Handmaid's Tale".
"Em várias partes do mundo, as mulheres sofrem aquilo que as de 'The Handmaid’s Tale' sofrem. E por isso é tão importante que todos a vejam", explica.
Quanto desta personagem criou através de experiências por que tenha passado?
Enquanto atores, vamos sempre buscar inspiração às experiências que mais nos marcaram ao longo da vida. Mas neste caso foi diferente porque, ao contrário da Anna [a personagem que interpreta no filme], eu não sei o que é viver com medo da violência e da morte iminente.
Da mesma forma, também não sei o que é ter uma filha ou estar numa relação com alguém que sofra de stresse pós-traumático [como acontece com a personagem interpretada por Van Damme]. Isso, claro, implicou fazer o meu trabalho de casa e muita pesquisa no terreno.
Como?
No fundo, procurando pessoas que, de alguma forma, já tivessem passado por algumas destas experiências. E falei com muita gente, desde mulheres que tinham os maridos presos há vários anos por pertencerem a gangues, a mães que perderam os filhos para as violência nas ruas… Foi aí que me apercebi de que este filme não é tão violento quando comparado com a violência a que se assiste diariamente em alguns bairros de Los Angeles, nos Estados Unidos.
No fundo foi como ser um bocadinho jornalista. Das pessoas com quem falou, qual foi aquela que mais a marcou?
Foi muito isso, sim. Marcou-me muito a história de uma mãe que, quando falei com ela, tinha acabado de perder o filho muito recentemente para uma bala perdida que foi disparada no meio da rua. Estamos a falar de uma pessoa que foi vítima da violência aleatória dos gangues enquanto estava no quintal de casa a grelhar um bife.
Apesar de fazer a minha vida diariamente em Los Angeles, não tinha essa noção de que era uma cidade tão perigosa — mesmo que esteja identificada como tal. Foi aí que me apercebi de que a nossa realidade é bem mais violenta do que qualquer história de ficção.
Além das óbvias, quais foram as maiores diferenças que encontrou entre as produções nacionais e internacionais?
É engraçado porque aquilo que mais tenho notado são parecenças, principalmente nas conversas que as equipas responsáveis pelas produções vão tendo imediatamente a seguir após às gravações.
E o que é que dizem?
Que há falta de investimento.
Até mesmo em grandes produções?
Sim, até mesmo nessas. É um problema que acaba por ser transversal a qualquer equipa de produção em qualquer parte do mundo. Porque, geralmente, quando não há tempo, meios ou maneira de fazer uma determinada cena de uma forma muito específica, o problema é sempre o mesmo, ainda que em proporções diferentes: o dinheiro. Neste aspeto, os problemas das produções nacionais acabam por ser os mesmos do que as internacionais.
Quanto às diferenças, não sei bem… teria de pensar nisso.
A internacionalização sempre foi um objetivo?
Não foi bem um objetivo na medida em que eu assumia como necessário ou indispensável de cumprir. Na altura, quis começar a representar porque achava que era a melhor forma de viver várias experiências e era isso que eu mais queria. E ainda quero. A única certeza que eu tinha é que gostaria de dar o salto para o estrangeiro, mas nunca foi um objetivo muito pensado ou planeado.
Sabia apenas que gostava e que, a haver essa oportunidade, a aproveitaria sem dúvida alguma. E assim o fiz.
Como surgiu o convite para participar neste filme?
Foi muito natural, através de um casting como normalmente acontece. Os meus agentes enviaram uma das self-tape que eu gravei e o realizador escolheu-me depois de a ter visto. É sinal de que gostou [risos].
Mas nessa altura já sabia que ia contracenar com Van Damme?
Não. O filme ia ser filmado na Bulgária e quando soube que tinha sido escolhida, foi numa altura em que não sabia sequer se me ia ser possível sair dos Estados Unidos para assumir o papel porque não tinha o green card [o visto necessário para que imigrantes possam viver e trabalhar nos Estados Unidos]. Há uma fase durante o processo de requisição do cartão em que não se pode sair do país sem antes o receber, e eu estava nessa situação. Já o tinha pedido e estava à espera.
Fiz o pedido mas estava em risco a minha participação neste filme porque nunca mais tinha notícias. Lembro-me que a certa altura estava na fila da bilheteira do cinema quando recebi uma chamada do meu agente a dizer que tinha chegado o meu green card. Telefonei aos meus amigos, que iam comigo ao cinema naquele dia e a quem eu estava a comprar os bilhetes, e disse que não ia conseguir ir com eles ver o filme que estava previsto.
Naquele momento, comprei a viagem com destino para a Bulgária e nesse mesmo dia lá fui eu. Foi durante a viagem que me disseram que ia contracenar com o Van Damme.
Deve ter sido a viagem mais atribulada de sempre com esse turbilhão de emoções. Ou não?
Durante a viagem fui relativamente calma. Quando cheguei lá é que fiquei muito nervosa porque ele é a lenda de cinema que todos conhecem.
E a Joana conhecia o trabalho dele?
Confesso que não [risos]. Mas precisamente por ele ser esse nome tão conhecido do cinema, senti-me na responsabilidade de ir conhecer mais sobre o seu trabalho. Liguei a um amigo que conhecia os outros filmes do Van Damme, aqueles que não eram só ação tal como este filme não o é, e identifiquei-me muito com o que vi.
Por acaso, e durante o tempo em que conversei com ele, só uma vez é que veio à conversa um dos filmes em que ele participou. Mas foi porque calhou. Senti, genuinamente, que se não tivesse visto nada dele também não teria sido necessário, porque ele é um colega como qualquer outro. Muito humilde e honesto que, como eu, estava ali para dar o melhor a representar.
E o que é que aprendeu com ele? Aprende-se sempre, suponho.
Claro, que sim. Acho que aprendi a deixar-me ir e a ser menos… perfeccionista. O Van Damme é um ator que sugere, que improvisa e que não se importa de fugir um bocadinho ao que está previsto se achar que isso significa uma cena mais impactante e melhor conseguida.
Há uma coisa que invejo muito nele e que gostaria de um dia vir a ter. É que assim que ele ouve que as câmaras estão a gravar, há qualquer coisa nele que se acende e que justifica todo o seu sucesso. Quando ele está em cena, não conseguimos não olhar porque ele é assim, uma estrela.
As pessoas podem dizer que isso é porque ele é o Van Damme, mas esquecem-se que foi isso que o tornou naquele ator que todos conhecemos e de que gostamos.
Diria que o sucesso de uma cena só é possível através da química que se cria entre atores?
Não acredito na ideia de que uma cena só funciona devido à química dos atores que estão envolvidos. É uma ideia preconcebida mas acho, genuinamente, que o mais importante e necessário é haver uma vontade. Tem de existir uma vontade de aprender, de dar o melhor e de mostrar aquilo de que se é capaz.
A primeira vez que vi o Van Damme, num ensaio, ele estava sentado a assimilar toda a informação de que precisaria para ser bem sucedido naquele papel. É dessa vontade que falo, e que houve tanto da minha parte como da dele.
Quais foram os momentos hilariantes que partilharam durante as gravações?
Lembro-me que depois da cena final do filme, que foi muito emotiva e pesada, acabei totalmente desfeita e sem energia. Naquele momento não conseguia pensar em mais nada. Mas todas as mulheres que estavam a assistir às gravações e que faziam parte da equipa queriam saber como é que tinha sido estar abraçada ao Van Damme.
Eu só pensava: “O quê? Pois, era o Van Damme, sim…”, mas a verdade é que na altura em que estava a representar nunca me passou na cabeça que estava agarrado a ele. Era uma personagem. Mas foi engraçado ver as mulheres todas a delirar com aquilo [risos].
Joana Metrass era fã de "Era Uma Vez"
Como foi a experiência de participar em “Era Uma Vez?”
Foi incrível porque já conhecia a série e era fã, até porque é muito feminista e as personagens femininas têm um papel muito forte. Isso atraiu-me logo de início, por isso, quando recebi a notícia de que ia participar, fiquei contente.
É mais uma pessoa de séries ou de filmes?
Sempre fui mais de filmes, mas faço questão de acompanhar algumas séries até porque isso faz parte do trabalho de casa que eu impus para mim mesma. Muito raramente vejo uma série por lazer, mas sim para avaliar possíveis histórias onde talvez eu possa dar o meu contributo. Mas confesso que, recentemente, me rendi ao binge [risos].
Com que séries?
“Peaky Blinders”, por exemplo, viciou-me mesmo muito. Ao ponto de começar a ver o primeiro episódio de manhã e, quando as pessoas chegaram a casa, eu estava precisamente no mesmo sítio e na mesma posição a ver a série. Acho que está muito bem feita. Também vi “Big Little Lies”, que mostra a diferença de como é uma série escrita de mulheres para mulheres e “The Handmaid’s Tale” que está muito bem feita e é cada vez mais urgente de ser contada.
As pessoas ficam chocadas com algumas das coisas que vão acontecendo àquelas mulheres numa sociedade distópica que antes já foi os Estados Unidos da América. Mas a verdade, e o mais assustador de tudo isto, é que aquilo já não está a acontecer só na ficção.
Em várias partes do mundo, as mulheres sofrem aquilo que as de “The Handmaid’s Tale” sofrem. E por isso é tão importante que todos a vejam.
Gostaria de participar em todas essas que mencionou?
Sim, principalmente em “The Handmaid’s Tale” que adorei e onde me vejo a contribuir e a crescer enquanto atriz.
Enquanto atriz, haveria alguma coisa que nunca faria em frente às câmaras?
Tenho pensado cada vez mais nisso, mas sim, sem dúvida. Principalmente em séries que pudessem denegrir, fosse de que forma fosse, a mulher ou o papel e relevância dela em sociedade. E cheguei mesmo a recusar alguns projetos por isso mesmo.
Lembro-me de um filme que fiz, que me marcou imenso enquanto atriz, onde tinha de fazer uma cena de violação. Foi a primeira vez que fiz algo do género e, na altura, estava em pânico e ao telefone com a minha mãe porque tinha receio daquela cena. Este era um filme que falava dos perigos da internet principalmente para os menores, e que pretendia mostrar como é que eles podiam estar atentos a comportamentos padrão de possíveis agressores que se faziam passar por pessoas que não eram.
O objetivo era, claro, identificar as red flags, ou comportamentos suspeitos que denunciassem as verdadeiras intenções de quem estava do outro lado do ecrã. Nesse sentido, a cena da violação foi essencial para que os miúdos e, neste caso, as raparigas, se apercebessem de que poderia haver consequências sérias e de que muitas vezes a preocupação dos pais com os comportamentos dos filhos online não é só exagero.
E as reações que tive foram incríveis. Muitos pais e muitos jovens escreveram-me a dizer que o filme os tinha ajudado a entender o assunto de uma outra forma. Esse feedback foi muito importante para mim.