Esta segunda-feira, 16 de agosto, foi notícia que há lojas de centros comerciais a irem para tribunal contra mães trabalhadoras que exigem folgar ao fim de semana, tema que não tem sido consensual nos tribunais superiores, avança o "Jornal de Notícias". 

Em causa está o direito das mães, cujos filhos têm idades inferiores a 12 anos, a ter horário flexível. O objetivo das lojas que interpuseram as ações, cujo nome nos acórdãos públicos foi omitido, é que fique decidido que as funcionárias em causa não podem escolher os dias de descanso semanal a propósito daquele benefício, avança o mesmo jornal. Deste modo, as lojas podem contrariar os pareceres desfavoráveis da Comissão para a Igualdade no Trabalho (CITE) à recusa do pedido das trabalhadoras.

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António Garcia Pereira, advogado especialista em direito do trabalho, explica à MAGG que em causa está o Artigo 56.º da Lei n.º 7/2009 do Código de Trabalho que estipula que "o trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos".

De acordo com Garcia Pereira, nada diz que esse horário flexível não possa ser aplicado a folgas aos fins de semana. Contudo, o que leva à falta de consensualidade nas decisões dos tribunais superiores em dar o parecer positivo ou negativo quanto aos horários de trabalho flexíveis são, segundo António Garcia Pereira, as exceções de recusa estipuladas no Artigo 57.º, que o especialista define como "vagas" e "imprecisas". 

No Artigo 57.º pode então ler-se que "o trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias". Neste documento por escrito devem constar as indicações do prazo previsto, dentro do limite aplicável, e uma declaração que comprove que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação "no regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração"; "no regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem atividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal". Além disso, deve ainda ser referida "a modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial".

Imprecisão dos conceitos do Artigo 57.º é o que leva, segundo Garcia Pereira, à falta de consensualidade 

Apresentadas todas estas solicitações, de acordo com o ponto dois desse mesmo artigo, "o empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável".

Mas, afinal, o que se entende por "exigências imperiosas" e quando se verifica que o trabalho do funcionário é realmente "indispensável"? O problema está, segundo Garcia Pereira, exatamente nessa questão.

"Este é um conceito suficiente vago e impreciso para caber lá muita coisa. Por necessidades imperiosas deve-se entender que a ausência do trabalhador prejudica gravemente, se não mesmo impossibilita, dado o posto chave que desempenha, que a empresa mantenha a sua atividade", explica o advogado à MAGG.

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira é especialista em direito do trabalho e fundador da Garcia Pereira & Associados. créditos: Facebook

De acordo com Garcia Pereira, é fácil verificar-se a justificação dessa exceção (a de recusar o pedido de horário flexível), se estiver em causa uma empresa que só tenha um trabalhador, por exemplo. Contudo, tendo em conta as situações apresentadas pelo "JN," e estando em causa trabalhadores de empresas que, por norma, têm vários funcionários, o advogado assume que será difícil perceber o porquê da recusa do horário flexível.

Como decorre o processo após a recusa do horário flexível por parte do empregador?

"Se o empregador pretender recusar o pedido de horário flexível — o que só pode fazer por esses motivos já mencionados — deverá indicar isso ao trabalhador, e o trabalhador tem um prazo de cinco dias para apresentar a sua pronúncia sobre a intenção de recusa. Nessa altura, o empregador, com a sua decisão da intenção de recusa e a pronúncia do trabalhador, envia os documentos para a CITE para efeito de aprovação de parecer", explica Garcia Pereira.

Nestes casos, segundo o especialista, se a CITE não notificar nada no prazo de 30 dias, significa que dá razão ao patrão. Contudo, "se notificar nesse prazo um parecer desfavorável [ou seja, a favor do trabalhador], o empregador, nos termos do Artigo 57.º, só pode recusar o pedido do horário flexível após decisão judicial que reconheça o motivo que ele invocou."

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Ainda assim, Garcia Pereira realça que a questão está no facto das decisões dos tribunais estarem longe de serem uniformes nesta matéria. "Há decisões a confirmar o parecer da CITE e há decisões a darem razão ao empregador. De onde vem a margem da diferenças? Exatamente da natureza vaga e impressiva dos conceitos de necessidade imperiosas ou impossibilidade de substituição. E, portanto, às vezes, os tribunais entendem que numa situação concreta se verifica a exceção (que justificará a recusa do horário flexível) e há casos em que confirma o parecer da CITE."

Os conceitos de recusa têm de ser mais precisos, alerta especialista

Garcia Pereia defende que o que seria necessário para que situações destas deixassem de ser recorrentes era "densificar mais os conceitos justificativos de recusa".

"A lógica da diretiva é, claramente, a de que o trabalhador que tem um filho, que vive com ele, com menos de 12 anos, pode ter direito a um horário flexível. Portanto, a exceção não pode ser a regra. Ou seja, o conceito para a exceção (a de recusar) não pode ser de tal maneira amplo e vago que o número de casos de exceção seja igual, ou até superior, ao número de casos em que o horário flexível é concedido".

À MAGG, o profissional assume que a perceção que tem é a de que a cultura empresarial de Portugal continua a ser "muito avessa" às ausências determinadas pelo cumprimento de responsabilidade familiares. "Além disso, todos nós sabemos que, por tradição cultura, que é errada e deve ser ultrapassada, mas que ainda é maioritária, essas responsabilidades familiares recaem, na grande maioria das vezes, em cima das mulheres e, portanto, são as mulheres que são mais prejudicadas com esta lei", remata.

Márcia Barbosa, do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), estima, em entrevista ao "JN", que 90% dos horários flexíveis solicitados por pais e mães trabalhadores de centros comerciais estão relacionados com sábados, domingos e feriados. "Se for direto à empresa, 99% das vezes é recusado. As empresas portuguesas lidam muito mal com os direitos parentais", assume também.