Agradecem as palmas às dez da noite e as máscaras feitas à mão por quem nem sabia costurar. Mas não é isso que lhes faz o salário aumentar ao fim do mês, quando percebem que, comparado com o resto da Europa, ficaram para trás na corrida por uma remuneração justa.
Sem números oficiais que ajudem numa comparação exata, os profissionais de saúde em Portugal recebem menos do que os colegas europeus, avança esta segunda-feira, 13 de abril, o "Jornal de Notícias". Esta não é uma novidade para os sindicatos, os primeiros a chegarem-se a frente nas reivindicações. "Nós não pedimos uma fortuna, pedimos sim um salário justo", refere à MAGG Guida da Ponte, dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul.
Mas afinal, quanto ganham os profissionais de saúde em Portugal? A MAGG deu a volta às tabelas salariais, falou com enfermeiros, médicos e sindicatos e a voz de todos une-se naquela que dita que as remunerações base são baixas e, por isso, a progressão nunca é substancial.
No caso dos médicos, o salário base é de 1.566,42€ ilíquidos, que se mantém, pelo menos, pelos primeiros quatro a seis anos de carreira. É que enquanto a função pública tem aumentos salariais de 0,3%, no caso dos médicos existe uma tabela salarial própria "que não é atualizada há anos", lembra a sindicalista.
No caso dos médicos, existem apenas duas formas de evoluir na carreira: a primeira é através da avaliação de desempenho, "cujos parâmetros são tão complexos que não são aplicáveis, lembra Guida da Ponte, ou então através de exames. Estes exames acontecem duas vezes durante a carreira, a primeira cinco anos depois do exame da especialidade e a outra três anos depois dessa primeira avaliação. "Supostamente", reforça a dirigente sindical. "É que, na verdade, isso nem sempre acontece porque não existem médicos disponíveis para fazerem os exames aos interessados".
Nos hospitais da Europa do Norte, lembra, o salário depende do hospital que contrata, um pouco à semelhança do que acontece cá nos privados. Ainda assim, Guida da Ponte vê benefícios no sistema de carreira. "É estruturante e faz com que trabalhemos em hierarquia. Sei que vou evoluir, mas sei também que essa evolução é muito lenta". E dá até o seu exemplo. É especialista há sete anos na área de Psiquiatria, trabalha no SNS e, feitas as contas, na prática recebe 9€ à hora.
"O que me revolta mais é ver o governo a pagar 50€ à hora a empresas prestadoras de serviços médicos, que são contratadas para colmatar a falta de médicos nos hospitais. É uma solução nada viável a longo prazo", garante.
"As alterações às carreiras só trouxeram novas categorias, não trouxeram mais dinheiro", diz líder sindical
Rui Reis tem 43 anos e é enfermeiro especialista em reabilitação. Quando lhe perguntámos sobre o salário de início de carreira a resposta é rápida. "Muito mau". O pior mesmo é saber que vinte anos depois de começar, a resposta não é muito diferente. "Continua a ser muito baixo para as funções que desempenhamos".
Começou como enfermeiro em 2000 e tinha como salário base, aquele que a tabela remuneratória estabelece: 1205,08€. "Sem os descontos", faz questão de lembrar. Em 2010, tirou a especialidade, ainda que até aí já exercesse as funções de especialista sem que o cargo fosse oficial. Sem ter na memória os números exatos, sabe que o ordenado melhorou, mas pouco e, atualmente, e tal como se pode ver no recibo de vencimento enviado à MAGG, o salário é de 1.407,45€, o que significa que está na base da carreira de um enfermeiro especialista. Feitos os descontos, leva para casa 1.171,21€.
Em 2019, o governo alterou o regime da carreira especial de enfermagem, criando as categorias de enfermeiro especialista e de enfermeiro gestor. Os salários, porém, ficaram longe daquilo que era defendido pelos sindicados. Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses lembra à MAGG que chegaram a propor um salário inicial de cerca de 1.600€/brutos. O início de carreira de um enfermeiro não especialista mantém-se na 15ª posição da tabela remuneratória, nos 1.205,08€ euros brutos e o de enfermeiro especialista fica-se nos 1.411,67 €.
Enquanto enfermeiro especialista, Rui sabe que o topo da carreira dita um ordenado de 3.064,36 €. Mas o caminho até lá é difícil. "Para chegar ao topo da carreira tinha que trabalhar mais de cem anos", admite.
A líder sindical reforça esta ideia: "As alterações às carreiras só trouxeram novas categorias, não trouxeram mais dinheiro".
A progressão na carreira de enfermeiro fica também dependente da avaliação de desempenho, mas Guadalupe lembra que a lei impõe que apenas 25% dos trabalhadores possa ter a menção de "relevante", o que é equivale a 4 pontos, dos quais, 5% pode ter a menção de "excelente", correspondente a 6 pontos. Os enfermeiros mudam de posição remuneratória a cada dez pontos.
Esses pontos perdem-se assim que o enfermeiro concorre a uma especialidade, o que dificulta ainda mais a progressão e, por conseguinte, o aumento salarial.
Guadalupe Simões garante que, com a excepção dos países de Leste, Portugal é País com onde os enfermeiros ganham pior. Em Espanha, refere, os salários variam consoante a região autónoma. "Na Andaluzia os valores são os mais baixos, mas em Madrid um enfermeiro pode começar a carreira a a ganhar 3 mil euros", garante. Isto quando falamos de enfermeiros de determinados setores, como é o caso daqueles que trabalham em bloco operatório, uma diferenciação que em Portugal não acontece. "Valorizamos a profissão e não os serviços, dai que não haja diferença entre um profissional que esteja na enfermaria ou numa cirurgia".
Já na Suíça, avança a líder sindical, o cantão suíço é o que paga mais e o ordenado base começa nos 2500€.
Em Portugal, ainda assim, o setor público, oferece um salário superior ao privado, cuja base é de 1020€. "Muitos acabam por optar pelo privado, simplesmente porque não há vagas no público", refere ainda.