Pelo menos uma vez já deve ter ouvido falar ou visto o chef Fábio Bernardino: ao lado de Tânia Ribas de Oliveira no programa "A Nossa Tarde", junto da equipa das manhãs da TVI no "Esta Manhã", nas receitas que andam pela página de Instagram do chef ou aquelas que por aqui já partilhámos (como o gelado que nos lembra a infância) ou nos lives de cozinha que há mais de um ano acontecem todos os dias às 19h certinhas.

É conhecido pelas receitas fáceis, saudáveis e diversificadas, com que ficámos mais familiarizados principalmente com a pandemia, altura em que o chef lançou os "sabores que nos unem".

Dos sabores que, em 2020, que uniram à distância o chef e uma comunidade de seguidores — atualmente mais de 48 mil —, Fábio rumou recentemente ao norte do País para passar em várias localidades, como o Gerês e Esposende, com o objetivo de provar pratos tradicionais locais e conhecer alguns dos seguidores que o acompanham e têm por ele um carinho desmedido.

Além de vontade de conhecer e cozinhar, como, aliás, tem partilhado no Instagram sem falhar um dia, Fábio Bernardino levou na bagagem uma área de formação desconhecida por muitos. Sabia que o chef começou a estudar na área da cozinha e pastelaria com apenas 14 anos e que após a licenciatura em Produção Alimentar em Restauração e o mestrado em Segurança e Qualidade Alimentar em Restauração, ainda tirou um doutoramento em Turismo e Gastronomia no Instituto de Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa?

Já para não falar de pós-graduações e do curso de padaria no Cordon Bleu em Paris. Ficámos a saber tudo na entrevista na qual o chef nos contou que o seu trabalho vai muito além de cozinhar. Através dos conhecimentos que tem na área, tem contribuído para Organizações Não Governamentais (ONG), cozinhado para uma comunidade cada vez maior de invisuais e ensinado as gerações mais velhas a cozinhar de forma mais sustentável — sem que isso esteja relacionado com receitas que juntam tofu com bulgur.

Das influências aos sonhos, uma hora ao telefone com o chef Fábio Bernardino passou a correr, porque havia sempre mais um "tenho de contar isto que me aconteceu" sobre histórias bonitas entre si, a cozinha e as pessoas que o acompanham — os seguidores e a equipa que anda sempre com o chef e está lembrada na primeira pessoa do plural ao longo da entrevista.

De onde veio este gosto pela cozinha? Aprendeu alguma receita com a sua mãe ou avó?
Ui, isto é um gosto muito antigo. Ao contrário de muitas pessoas que dizem assim: "Ah, eu aprendi com os meus pais, porque sabiam cozinhar e tudo mais, eu foi absolutamente ao contrário. A minha mãe não cozinhava nada e desde muito cedo tive de ir para a cozinha para cozinhar bem e comer bem. A necessidade de cozinhar em casa e, mais tarde, a necessidade de cozinhar nos acampamentos de escuteiros, deram-me aqui um gosto muito especial pela cozinha.

Mas eu tinha uma particularidade. Desde muito pequenino, quando ligava um programa de televisão e às vezes via o chef Silva e aqueles grandes cozinheiros, tentava replicar as receitas deles, mas nunca tinha os ingredientes todos os em casa. Tive a necessidade de inovar ou trocar ingredientes. Comecei aqui a ganhar uma sensibilidade para a cozinha. Mais tarde, decidi ir tirar o meu curso de cozinha na escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, prossegui com licenciatura, mestrado, doutoramento e fiquei aqui com uma vocação muito grande para outras áreas que não são às vezes só a cozinha e os pratos em si.

A par de ir estudando, fui também trabalhando sempre em cozinha, em negócios familiares, nos meus próprios negócios e também tive a oportunidade de desde muito cedo começar a dar aulas de cozinha.

Qual é a sua origem gastronómica?
Tenho grande parte da minha família numa aldeia perto do concelho da Covilhã, que é São Jorge da Beira. Tenho grandes raízes na parte das beiras e da gastronomia local. Depois, a minha mãe tem influências já da parte de Angola. Daí faço uma cozinha de identidade e com um toque de mistura diferente: o cruzar de uma malagueta, de um gengibre, e às vezes procuro também a mistura de outros ingredientes mais saudáveis, também para reduzir o sal. Encontro assim um equilíbrio entre a saúde e uma cozinha que se mantenha atual e mantenha preservada a tradição. Isso é muito importante.

Essa cozinha está presente nas redes sociais e nos programas de televisão. Nunca quis tê-la no seu próprio restaurante?
Vou ser sincero. Eu odeio restaurantes. Odeio, porque sinto-me preso e enquanto chef de cozinha nunca quis ser chef propriamente de um restaurante. Então pelo que é que eu enveredei? Por uma área de catering de eventos. Faço muitos catering e tenho uma outra vertente completamente diferente que é de inovação e desenvolvimento de produto.

Em que consiste o desenvolvimento de produto?
Grande parte dos produtos que surgem na área da dietética e nutrição na vertente de cozinha, sou eu que os desenvolvo. Acabo por trabalhar muito em consultadoria em ligação com a equipa do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde, mas aí em termos da promoção da alimentação saudável.

Depois, em áreas que são um bocadinho mais críticas, em que desenvolvo projetos com associações de doentes. Por exemplo, a alimentação para o doente com esclerose lateral amiotrófica. Recentemente, com uma farmacêutica, fiz a alimentação para o doente com Parkinson. Trabalhei também na área da disfagia, que é dificuldade em deglutir os alimentos. E o que é se faz? Trabalhar ao nível da texturização alimentar. Se a família está toda a comer um bife e a pessoa não pode comer esse bife porque não consegue engolir, então, como trabalhar esse mesmo prato para que a pessoa consiga ter o prazer de estar à mesa, tendo a sua refeição adaptada. São questões que solucionamos.

Outra vertente, já que estamos a falar. Sou um chef de ONGs, em termos de projetos muito ligados à sustentabilidade do mar, da própria economia local. Faço muitos projetos com a Confederação Nacional de ONGs, com a própria WWF (Fundo Mundial para a Natureza), e outros com o Instituto Marquês de Valle Flôr, em termos de sustentabilidade ambiental. E por ser jovem, chego muito a jovens.

No fundo, para o Fábio a cozinha não é só o sabor. Tem aqui uma causa.
Desde muito cedo tive necessidade de olhar para a cozinha e traçar um rumo completamente diferente do que as outras pessoas estavam a traçar. Claro que a maior parte das pessoas que estuda cozinha como eu fica "ai, não, eu quero ter um restaurante". Eu nunca senti propriamente essa vontade.

Então há muito tempo que pensou usar a cozinha para ajudar as pessoas a adaptar a alimentação ao estado de saúde?
É verdade. Nos diretos (de Instagram) tentamos nunca promover o sal, mas sim a utilização de ervas aromáticas, de especiarias. Uma das coisas que também tentamos trabalhar nas receitas de forma indireta é a redução da proteína animal. Não somos a favor de as pessoas serem todas vegetarianas ou vegan, mas o que é que nós fazemos? Todas as semanas, fazemos um ou dois conteúdos de comida vegetariana, um ou outro de comida vegan e um ou outro com carne, mas com menos proteína animal.

E muito recentemente, deparámo-nos com uma situação. Começámos a fazer diretos inclusivos, porque tínhamos uma seguidora e passámos a ter uma comunidade de invisuais. E agora vai dizer: "Fábio, tem cegos a ver o direto?". A ver não, mas a ouvir o direto sim. Na própria comunicação, de uma maneira muito subtil, comecei a fazer mais descrições. Começámos a ser mais exclusivos também na maneira como publicamos os conteúdos. Tentamos fazer a parte do vídeo descritiva e explicar a fotografia do prato em texto a dizer "o prato tem o arroz de feijão na base, a patanisca de lado" para chegar aqui a uma comunidade diferente.

"Tento fazer das minhas redes sociais um estímulo positivo"

Alguma vez pensou estar em programas de televisão?
Isto começa com uma história muito engraçada. O meu primeiro momento em televisão foi há muitos anos num programa que era o "Queridas Manhãs", na SIC, e foi um momento que na altura até foi pago por um cliente e do nada disseram-me: "Ah, Fábio, tens que ir lá cozinhar, tens cinco minutos para apresentar uma receita". Fui, e em cinco minutos apresentei uma receita. Mal saí do ar, fui para casa e ligou-me a redação do programa a dizer: "Fábio, a Júlia [Pinheiro] gostou muito de ti e vais ter que vir cá mais vezes. Comecei na altura a ser, era a imagem de marca, o chefinho da querida Júlia.

E nunca ficou nervoso com isto de ir para a televisão?
Eu sempre achei muita piada e quando comecei tinha cerca de 19 aninhos, muito cedo. Tinha acabado a minha licenciatura, estava a dar aulas, só que o que é que começou a mudar na minha vida? Ia a qualquer lado e muitas pessoas de mais idade acabavam por me conhecer e ter um carinho muito grande por mim. As pessoas sentiam que era como se fosse o neto.

Depois, mais tarde, fui para um programa que na altura era apresentado pelo José Carlos Malato, "A Minha Mãe Cozinha Melhor Que a Tua", na RTP1. A partir do momento em que entro na RTP1, mantive-me lá durante uns tempos e no programa não cozinhava propriamente, fazia a avaliação dos pratos, mas tentei ser sempre um júri não destrutivo. Um júri que entusiasmava as pessoas a cozinhar, a melhorar e a dar sempre um reforço positivo, que é muito importante na cozinha. Porque acho que não devemos ser pessoas que destroem sonhos e talentos.

Mas porque sentiu isso na pele?
Sim. Nem sempre a vida nos sorri de uma maneira muito forte. Desde muito cedo ia a concursos de cozinha que eram por categorias de idade. Um júnior ia quase até aos 30 anos. Então, quando comecei a competir em cozinha, se calhar tinha 14 anos e nos primeiros não tinha assim muita valorização. Até que um dia, com 18 anos, no concurso da Lusiaves para Jovem Cozinheiro do Ano, na altura era estudante e não tinha grandes apoios. Via todos os concorrentes com apoios das marcas dos equipamentos, toda a gente ia para os concursos super quitado e com tudo e mais alguma coisa e eu lembro-me que nesse concurso até ia assim meio amarotado.

Fui de Lisboa para Coimbra a correr no autocarro, com o meu estojo de facas, toda a gente a tirar grandes robôs de cozinha, eu tirei uma púcara de barro da mala. Fiz um frango na púcara e trabalhei muito a técnica do tradicional, ligado à sofisticação. E ganhei as duas categorias de prémios. Percebi que, antes dessa vitória era muito criticado na cozinha pelo facto de "és novo, ainda não conheces as coisas". E é verdade, mas não é por ser novo que uma pessoa deixa de sonhar. E não é por ser novo que deixamos de querer conquistar novos lugares na cozinha e marcar a nossa posição.

Trabalhou durante muito tempo ao lado da apresentadora Tânia Ribas de Oliveira. Foi a experiência que mais o marcou?
Sem sombra de dúvidas. Posso dizer a pés juntos que a minha Tânia é minha alma gémea da televisão. Tenho muito boas ligações com outras pessoas, somos profissionais e comunicamos, mas há um amor, um carinho, uma ligação, uma amizade muito grande e uma dinâmica que estabelecemos no ar juntos. E isso vem muito de uma cumplicidade quando estamos a cozinhar, da maneira como comunicamos, como interagimos e isto passa lá para casa. E a vida dá muitas voltas, não sabemos como é o dia de amanhã, mas se eu pudesse estar sempre com a minha Tâniazinha...

É uma relação que vai para além da televisão?
Claro que sim. Uma pessoa acaba depois por conhecer as família, o marido, já jantámos todos fora. Aquelas questões todas em que uma pessoa acaba por criar uma boa cumplicidade. Depois também estamos sempre a falar no Whatsapp. Eu adoro a minha Tânia porque ela a cozinhar às vezes tem dúvidas então manda-me uma fotografia a dizer: "Fábio, tenho isto na panela, o que faço de seguida?". Aquelas dúvidas existenciais e quase de sobrevivência de última hora. É uma relação diferente.

"Não sabemos como é o dia de amanhã, mas se eu pudesse estar sempre com a minha Tâniazinha..."

Agora está pela TVI, mas objetivo é voltar à RTP1?
Eu nessas coisas não posso desvendar muito, mas há coisas que não dependem propriamente de mim. Mas, independentemente do que vier, vou ter sempre a minha Tâniazinha no coração. E até digo mais: se tiver oportunidade de estar com a Tânia, troco praticamente tudo para estar lá. Mas há coisas que às vezes não dependem somente de nós.

Quando o Fábio não está a cozinhar, o que é que faz? O que é o Fábio para além da cozinha?
Eu tenho alguns hobbies. Muitos deles acabam por ser ligados à restauração. Adoro ir a uma boa pesca, atividades ligadas aos vinhos, ir a provas de vinhos. Acabo também por ter um grande grupo de amigos que têm bons restaurantes e uma pessoa acaba por ter esses convívios. E adoro obras, inventar coisas, tratar das minhas ervas aromáticas e fazer restauro de carros clássicos.

E gosta de treinar.
Sim, gosto sempre do meu treininho. A pessoa é da cozinha, já tem aquela barriguinha que é o seu calo gastronómico, mas tem de se mexer. Defendo que temos de cuidar do nosso corpo, não é só por uma questão de estética, é de saúde. A pessoa mexer-se bem, ter elasticidade, é muito importante. Na cozinha passamos muitas horas de pé, em más posturas, e acaba-se por comer muito também.

Como é que é gerir as redes sociais?
Nunca fica nenhum seguidor sem resposta. A todas as pessoas que me enviam mensagem, eu todos os dias respondo. Desde dúvidas de receitas, ajudas, como quando a pessoa tem intolerância à lactose, o que é que pode trocar. E tento fazer das minhas redes um estímulo positivo. Todas as segundas-feiras é dia de sopa para introduzir a sopa na alimentação.

É assim que se conquista uma comunidade com milhares de seguidores?
Eu tenho um grupo de seguidores que são os meus protetores. Quando algo corre mal (críticas negativas), as minhas velhotas desatam a defender, eu nem abro a boca.

E ontem tive uma senhora comigo no direto - porque ao domingo, além do direto, faço sempre uma entrevista a um seguidor nosso. O sonho da senhora era conhecer-me. Mandei-lhe depois uma mensagem a dizer "às x horas vou estar na sua terra. Venha cozinhar comigo no direto". Cheguei a Santo Tirso, de repente eu pensava que era já uma concentração de boas vindas. Tinha quase metade de Santo Tirso à minha espera e depois trouxeram caixas com tomates da horta, abrunhos, tomate cherry, aqueles legumes todos da horta. Senti que este tipo de trabalho que faço vai muito para alem de cozinhar e cheguei à conclusão que isto acaba por ser mesmo uma terapia entre pessoas. Não tenho um grupo de seguidores estanque, são ativos, participam, dão sugestões e comunicam entre si. Isto é um projeto muito grande.

Mesmo este público mais sénior não é reticente à alimentação virada para a sustentabilidade?
Antes pelo contrário. Às vezes criamos uma expectativa em que pensamos que as pessoas por serem mais velhotas não vão aderir. Comecei a fazer uma coisa desde início: fazer os aromáticos para cozinhar. As cascas da cebola eram fervidas em água e utilizávamos o caldo para cozinhar. Muitas pessoas começaram a fazer caldos aromáticos e a não desperdiçar.

Muitas outras, tinham a mania de descascar as batatas, as curgetes, a própria abóbora, para fazer uma sopa ou um prato. E eu disse assim: "Malta, experimentem não descascar, metam os legumes por inteiro". Atualmente, não quero exagerar, mas 80% dos nossos seguidores já não descascam esses legumes. Vamos criando redes, tendências, em que se calhar as pessoas, ao não descascarem os legumes, estão a poupar 30% de ingredientes que são comestíveis e deitariam fora.

A quem é que sonhava servir um prato?
O Herman José. Já tive oportunidade de cozinhar para ele várias vezes. Uma, quando ele foi ao restaurante (onde trabalhava na altura) e servi-lhe uma ceviche e até mesmo quando fui ao programa fazer, um petiscozinho para ele. Agora pergunta: "Porquê?". Porque além de ser a figura que é, do meu ponto de vista é das mais cultas e que domina muitas áreas, desde a maneira de falar ao conhecimento, mas também a arte da cozinha.

Mas tendo em conta que já cozinhou para ele, gostava de repetir ou cozinhar com o Herman?
Ainda não tive a oportunidade de cozinhar com ele, mas haveremos de estar juntos. Essa oportunidade ainda há-de acontecer.