Os clientes são raros ou nenhuns e a proteção dos funcionários não pode ser garantida. Solução? Encerrar o restaurante. Foram às centenas por todo o País a tomar esta decisão, e muitos outros a tentar contornar a situação dedicando-se apenas ao take away ou às entregas ao domicílio.
Mas com tanto restaurante a fechar de um dia para o outro, para onde foi toda a comida em stock? Foi isso que quisemos saber junto dos cozinheiros que, nos últimos dias, lidam com os frigoríficos cheios e as salas vazias.
Leonor Godinho, chef da Musa, deu azo à criatividade, comum às criações que todos os dias serve a acompanhar as cervejas artesanais. Esta rainha dos fermentados decidiu dar nova vida a todos os frescos que tinha no frigorífico. "Fiz pickles de todos os pepinos, fermentei tomates e cenouras e fiz mais chucrute do que teria que fazer habitualmente, de maneira a gastar todas as couves", conta à MAGG.
O restaurante está disponível apenas para take away, e a gestão agora é feita diariamente. Ainda assim, e para assegurar que nada ia para o lixo, Leonor tostou e triturou o pão para fazer pão ralado, secou o tomilho e o alecrim e fez-se valer das máquinas de vácuo para preservar a carne, o peixe, legumes e os queijos.
Já Patrícia Cerqueira, dona e cozinheira do restaurante vegan Cozinha de Alecrim, no Príncipe Real, teve como vantagem o facto de gerir um espaço pequeno e de mudar de menu todos os dias. "Eu raramente tenho sobras grandes de legumes e, quando acontece, coloco no menu do dia para não correr o risco de estragar", refere. Nos últimos dias, e a funcionar em exclusivo para take away e delivery, viu-se confrontada pela primeira vez com as sobras do próprio dia. Nesse caso, valeu-lhe a aplicação Too Good to Go, com a qual tem parceria, e que permite ao cliente comprar a um preço mais baixo a comida que sobra de cada restaurante, evitando assim que vá para o lixo.
Já a rede de restaurantes da Plateform, antiga Multifood, anunciou o encerramento de todos os restaurantes que têm no País. São 150 no total, entre Vitaminas, Honorato, Pizzaria Zero Zero ou o restaurante Alma, do chef Sá Pessoa.
A decisão "não foi fácil", como anuncia o CEO do grupo, Rui Sanches, em comunicado. O grupo decidiu-se pelo encerramento, sem hipótese de serviço de entregas, “por uma questão de equidade entre todos os trabalhadores”, ou seja, de forma a que nenhum dos 2 mil funcionários corresse mais risco que outros.
Questionado pela MAGG sobre que fim levou a comida em stock, o grupo responde que todos os produtos frescos e com validade reduzida foram distribuídos pelos colaborados do grupo. "As nossas equipas continuam a ser a nossa grande prioridade neste período particularmente difícil", acrescentam.
As mentes criativas de quem não quer deitar comida fora
Tal como Leonor, são muitos outros os chefs a dar tudo para que nada seja desperdiçado. Hélder Miranda e Sara Sá, pegaram em tudo o que tinham em stock no recém aberto Manna, no Porto, e criaram nova vida.
"A questão do desperdício é algo que nos diz muito", explica Hélder à MAGG e, neste espaço que junta ioga e comida vegetariana, não só se reaproveitou toda a comida, como se fez diminuir o impacto ambiental da sua conservação.
Os perecíveis foram transformados em compotas, fermentados, pickles e conservas e, o que sobrou dessa triagem foi vendido a clientes habituais e também oferecido ao staff. Os congelados foram acondicionados, "tipo Lego" — como descreve Hélder — num só frigorífico dos cinco disponíveis, para reduzir ao máximo o impacto ambiental. E é por isso também que, mesmo em tempos de crise, esta dupla se nega a recorrer a empresas de entregas ao domicílio. "Apesar de ser uma grande oportunidade de negócio, representa uma enorme pegada carbónica", acrescenta Hélder, que já equaciona o recurso a outros meios de entrega, como a bicicleta ou veículos com zero emissões.
De volta a Lisboa, encontramos ainda outros restaurantes entregues à transformação inteligente da comida. No Infame, restaurante do Hotel 1908 que, por sua vez, também serve pequenos-almoços, e no Jangada, restaurante do hotel You and the Sea, as refeições estão agora reservadas apenas aos hóspedes.
Como habitualmente trabalham com frescos, foi fácil gerir as encomenda que, sem surpresas, diminuíram. Conseguiram assim, tomar a decisão de fechar o espaço a passantes sem deitar comida fora. Pedro Chamusco, Operations Manager dos dois espaços, conta à MAGG que além de terem congelado tudo o que era possível, dedicaram-se também à confeção de chutneys e fermentados.
Ao contrário do que acontece quando os restaurantes fecham para férias, desta vez a situação foi inesperada e a gestão de stock mais desafiante. O que valeu a Henrique Costa Pereira, diretor do grupo Alentejo, foi trabalhar por antecipação. "Umas semanas antes da decisão de encerrar os restaurantes, comecei a gerir melhor o stock e as encomendas e, cinco dias antes do fecho, parámos mesmo de comprar", refere. O Udon manteve-se aberto apenas para entregas, mas o The Green Affair e o Optimistic fecharam portas aos clientes.
Os funcionários concentraram todos os congelados no mesmo espaço para evitar o dispêndio energético e, no caso da comida com um prazo de validade mais curto, Henrique optou por doá-la, o que não se revelou tarefa fácil. "As medidas de segurança limitavam estas ações", lembra. Conseguiu, por fim, doar toda a comida ao ATL da Galiza, o antigo bairro do Fim do Mundo, em Cascais. "Foi gratificante receber o telefonema da diretora a dizer que só com a primeira remessa, já tinham ajudado pelo menos doze famílias".