As operações de multiplicação não se fazem só em papel quadriculado. Também acontecem junto à calçada portuguesa, mais precisamente a da rua dos Fanqueiros, em Lisboa. O Terroir abriu um novo espaço para dar lugar ao restaurante, com menus de degustação, e lançou o conceito de atelier que era, na verdade, a ideia inicial do projeto.
Como sabemos, a pandemia trocou as voltas a muitos projetos e o conceito experimental e de cozinha partilhada do atelier que deveria ter vingado desde início no Terroir, acabou convertido em menus de degustação. Passado precisamente um ano desde que o restaurante abriu portas, ambos os conceitos passam a coexistir a partir desta quinta-feira, 5 de agosto: o novo atelier que ocupa o antigo espaço já conhecido do Terroir e o restaurante está agora num novo espaço.
A troca foi possível após o encerramento, mesmo ao lado do primeiro Terroir, de uma loja de souvenirs artísticos da conhecida cadeia Toranja, o que significa que em vez se levarem lembranças físicas para casa, agora levam-se experiências, ou, pelo menos, é o que espera o co-proprietário Erik Ibrahim, conforme disse à MAGG.
Fomos conhecer o novo menu de degustação do Terroir Restaurante, mas começámos com um dos novos cocktails no Terroir Atelier, que em tempos foi uma loja de roupa de cerimónia para crianças. Já não há cerimónias, porque o espaço é descontraído e convida a um cocktail de assinatura depois das 16h, como o azal spritz, com ABC Azal, lima, hortelã e Fever Tree (9€) que provámos, ou um cocktail com vinho tinto Touriga Nacional (10€). Estas e outras bebidas são também vendidas a quem passa e espreita pela pequena janela do Terroir Atelier para pedir um cocktail refrescante.
Pode ser acompanhado de petiscos preparados à vista de todos no balcão alto em mármore e que resultam de experiências do chef Tiago Rosa e da equipa, mas também do cliente, que pode personalizar o petisco ao seu gosto neste atelier de comida — quer mais picante? Assim será.
Do atelier passámos para o restaurante de luzes baixas e decoração a cargo da Luxedesign — que colocou o nome Terroir (relacionado com a vinha e os vinhos) nas paredes através dos ramos e de uma filoxera junto à casa de banho para simbolizar a maior praga das vinhas. Foi neste ambiente que provámos um dos menus de degustação a preços mais acessíveis do que possa imaginar.
Eric e a mulher Inês são fundadores do projeto Terroir e formados em gestão hoteleira. É isso mesmo que fazem, gerir o restaurante, porque tudo o resto deixam nas mãos da equipa em quem confiam. Entre eles está o gerente Fernando Carrilho, com experiência em restaurantes com estrela Michelin, a sommelier Magda Martins, que passou pelo galardoado Bon Bon, no Algarve, e o chef Tiago Rosa, que também tem um currículo vasto, ainda que tenha apenas 25 anos. Já esteve nas cozinhas do restaurante Eleven, do Fortaleza do Guincho e do Pure C, na Holanda. De volta a Portugal, agarrou o projeto Terroir, onde trabalha com produtos portugueses, mas com a experiência que foi adquirindo pelo mundo.
A experiência em sítios galardoados de cada elemento da equipa do Terroir, pode vir a significar uma estrela Michelin no futuro. Ainda assim, os pés estão bem assentes na terra e Eric diz à MAGG que a estrela será bem vinda, mas não é um objetivo para já, até porque significa um nível de pressão e exigência altíssimo.
Em vez das estrelas do prato, foram os pormenores que nos conquistaram
Atualmente, o Terroir tem dois menus de degustação: um de cinco (45€) e outro de oito momentos (59€), com pairing de vinhos por 25€ e 40€, respetivamente. Surpreendido? Nós também quando soubemos o valor. Afinal, não é preciso largar boa parte do ordenado para ter uma experiência única e talvez com este valor nem tenha de ser apenas uma vez no ano quando há uma data especial para celebrar. A degustação no Terroir pode não ter vista para o Atlântico, nem 14 momentos (se só com cinco saímos mais do satisfeitos, é difícil imaginar o que seriam 14), mas tem tudo o que um menu de degustação pede: combinação de sabores que nos deixam paralisados durante segundos, doses reduzidas mas que não nos deixam com fome chegados ao final e uma ambiente intimista.
Na visita ao novo espaço do Terroir, o Terroir Restaurante, provámos o menu de cinco momentos, que na verdade tem mais umas vírgulas antecedentes, bem como no fim. No nível 0,1 está a simpatia do staff, que é atencioso, sabedor e cauteloso. Isto porque sabe na medida certa quando interromper, quando o "está tudo bem" é oportuno ou escusado, no fundo, sabe servir cada cliente que difere no grau de sociabilidade. No nível 0,2 fica o ambiente intimista (péssimo para fotos, por isso não julguem as que captámos, mas palavras não faltam para descrever), ainda assim descontraído, o que faz deste um local onde um menu de degustação não exige um fato de gala comprado de propósito.
Saltamos para o 0,8, porque à mesa começam a chegar os primeiros sabores pensados pelo chef Tiago Rosa. Dos ramos das vinhas espalhados pelas paredes, passamos para algo mais robusto: um tronco de três níveis de sabores. O primeiro explodiu na boca logo após a dentada no shiso em tempura que de imediato deu lugar ao sabor do tártaro de camarão. De seguida mergulhámos no mar com um mexilhão com ligeira acidez que despertou as papilas gustativas, coberto por uma fina fatia de cenoura, fazendo lembrar uma espécie de peça de sushi. Encerrámos com algo mais forte que sabia a natureza: bochecha de porco enrolada em cebola e polvilhada com pó de salsa.
Quando pensávamos que íamos para o momento 1, eis o 0,9: pão de massa mãe, acompanhado de azeite e manteiga com mel. Amigos, esta junção é das melhores coisas que já provámos e que nos leva a pensar "como é que nunca me lembrei disto antes?". Quando tal acontece, é sinal que temos à nossa frente algo bem sucedido. É uma ideia tão simples que podíamos reproduzir em casa, mas perder-se-ia a magia desta experiência gastronómica — se é para comer, que seja aqui.
Finalmente, o primeiro momento
Fresco leve e, mais uma vez, inovador. A entrada que abre os cinco momentos é composta por cavala braseada e regada com calda de tomate e melancia. É uma opção fresca e da qual retiramos um ensinamento gastronómico: parece que se cozinharmos melancia ela não se desfaz e a prova são os cubos saborosos que nos apresentaram. O destaque era a cavala, mas foi a melancia que nos ficou na memória. Para acompanhar a abertura do menu de degustação, fez-se uma exceção ao que é nacional e foi servido no copo o único produto no Terroir vindo do estrangeiro: champanhe Cattier Rose.
Segundo momento
A prova de que nem tudo em 2020 foi mau é o vinho Filipa Pato Nossa Calcário 2020 que nos foi apresentado para o segundo prato e que faz também esquecer os momentos menos bons do último ano e meio. Não bastava a natureza surpreender-nos com ingredientes saborosos, como até se manifesta nas pétalas em forma de coração do segundo momento, com várias texturas. O chef Tiago Rosa revelou à MAGG que gosta de pegar num só ingrediente e mostrar que é possível dar-lhe várias formas e sabores e a prova disso está aqui: um puré de amêndoa, com berbigão e puré do mesmo, acompanhado de couve-flor. Por cima vinha ainda uma planta comestível que parecia orvalho pela manhã.
Terceiro momento
Confortáveis, com bagagem para mais, seguimos para um robalo, com batata fumada e algas. O robalo mereceu cada garfada, mas o que nos deixou arrebatados foram as algas. Tanto que quisemos saber de onde eram e o gerente Fernando Carrilho prontamente informou que são da ria Formosa (estamos quase para lá ir buscar mais). A harmonizar, um vinho branco Meruge 2019 generosamente servido por Magda.
Quarto momento
Depois do peixe, a carne. Contudo, como se nota, está em minoria no menu de degustação, uma vez que Tiago prefere trabalhar outras iguarias. "Gosto de trabalhar um pouco de tudo, mas mais peixe e mariscos", referiu à MAGG. De qualquer modo, a carne não podia ficar de fora e foi apresentado um prato de vazia, com aipo e acelga, harmonizado com um tinto, claro. Neste caso, o São Lourenço 2017 Bairrada. Mais uma vez, embora seja notável a carne suculenta, o destaque vai para outro pormenor: o aipo, o nosso preferido pela acidez q.b.
Quinto momento
Chegámos à sobremesa. Também aqui a técnica de dar várias texturas ao mesmo ingrediente foi aplicada, desta vez num bolo de cenoura, com fatias finas da mesma por cima e puré a acompanhar, finalizado com mel e gengibre. Tínhamos sido avisados de que poderia lembrar o xarope de cenoura que as avós faziam, mas pensámos que era só estratégia para dar uma ligação emocional ao prato. Qual quê. Por uns instantes, fomos levados à infância, mas desta vez sem birras. Quisemos tomar todo este remédio, que mais ou menos bem faça à saúde, é um aconchego na alma. Para acabar em grande, provámos um vinhos doce, o ABC Azal 2017, que casa na perfeição com a sobremesa e não torna enjoativo o final da experiência.
5,1
Não há pré sem pós momentos e o último foi um mini salame de chocolate e uma criação genial: bolacha maria com manteiga de amendoim e um toque salgado. Alerta, malta do fitness, os skyr ficam arrumados a um canto com estas "bolas energéticas".
Além deste menu, o Terroir Restaurante tem também opção de menu de degustação vegan surpresa, pelos mesmos valores (45€ por cinco momentos e 59€ por oito momentos). Tiago Rosa admite que é um desafio fazer pratos vegan, principalmente os principais, e ao mesmo tempo entusiasmante, mas, no fundo, basta trocar a proteína e enaltecer outros ingredientes.