Duas considerações ocorreram-me aos primeiros acordes do início do concerto de Bryan Adams este domingo, 24 de novembro. Onde o cantor canadiano voltou a esgotar a MEO Arena, em Lisboa, depois de um primeiro concerto na quarta-feira, 20, e de outras duas salas igualmente esgotadas em Braga e Gondomar.
- talvez tenha de começar a encarar que já deixei a juventude para trás, dado que ao olhar para os meus pares e para quem vibrou tanto com este concerto como eu, percebo que se calhar já não passo por alguém com Cartão Jovem (esperem, esta referência também não ajuda a provar a minha jovialidade);
- independentemente da idade, as pessoas continuam sem saber comportar-se em público.
Sentada na fila B (por isso, a segunda) do balcão 1, só tinha uma fila à frente, essa com uma varanda e uma vista COMPLETAMENTE desimpedida para o palco. E o que é que as pessoas à minha frente resolvem fazer assim que a música se começa a fazer ouvir? Levantarem-se, claro está. Mais de duas horas e meia de concerto e nem um minuto de rabo sentados, criando um efeito de catadupa para as dezenas de lugares atrás, que ou se rendiam às evidências e faziam o mesmo para ver o espetáculo para o qual pagaram, ou sentavam-se numa atitude de Madre Teresa para os espectadores atrás e viam Bryan por entre rabos e ecrãs de telemóvel. Durante todo o concerto pensei se aquelas pessoas sabiam que a plateia em pé era mais barata, podendo assim poupar-nos à falta de noção.
Mas, bom, depois deste momento Marretas no teatro a queixar-me da vida, vamos a evidências: Bryan Adams e o assombroso guitarrista da sua banda, Keith Scott, fizeram-me engolir o tal pensamento de estar velha. Foi uma verdadeira lição de humildade ver o cantor e o guitarrista, com 65 e 70 anos, respetivamente, levarem cerca de 20 mil pessoas à loucura, ao choro, a todas as emoções de um espectro ao outro, num concerto que não perdeu energia, encanto e até um sentimento de pertença.
Bryan Adams esgotou a discografia, cantou covers, dançou, tocou e guardou espaço para um momento entre amigos, quando partilhou com o público um slideshow dos seus anos a viver em Birre, em Cascais, entre os 9 e os 12 anos de idade. Um período que o artista descreve como uma das alturas mais felizes da sua vida, antes do divórcio dos pais. "Foi a última vez em que vivemos como uma família", disse o cantor.
O anjo do rock desceu à Terra e deu o concerto de uma vida
Não houve primeiras partes nem uma saudação do músico canadiano para abrir o concerto, mas sim a voz do humorista britânico John Cleese, que narrou um texto sobre o que aconteceria ao mundo sem rock. Bryan Adams foi anunciado como um anjo que desceu à Terra para trazer a música, e foi justamente num look todo branco que surgiu em palco. Assim de costas, uma pessoa fica a pensar se não está a ver o Nélson dos Anjos (por favor, não me processem, a sério que eu não tenho um milhão de euros).
Bryan arrancou com temas como "Kick Ass" e "18 Till I Die", sem ainda grandes interações com o público, mas foi com "Please Forgive Me", a primeira balada da noite, que a coisa arrancou ainda mais. Depois de mais um tema, Bryan Adams saudou o público e rapidamente percebemos que Portugal é efetivamente especial para o cantor canadiano.
Recordou o seu primeiro concerto no nosso País, em 1988, no velho Estádio da Luz, e um fator curioso. "Os jornalistas não acreditavam que eu vinha mesmo dar o concerto. Então voei para Portugal uma semana antes do espectáculo para dizer 'pessoal, é mesmo verdade, venho mesmo'", contou, perante uma audiência que já via Bryan Adams como um amigo. Foi também durante esse momento que recordou o pai, que morreu há cinco anos, e que tal como garante o cantor, gostava tanto de Portugal como ele.
Seguiram-se "Shine A Light" e uma versão mais purista de "Heaven", o único momento deste concerto pelo qual esperávamos um pouco mais devido ao poder desta popular balada — embora o público não tenha desiludido e tenha acompanhado na perfeição, com muitas lanternas de telemóvel à mistura.
O MEO Arena recuperou e muito a energia com a interpretação do cantor do popular dueto com Tina Turner, que Bryan Adams recordou com muito carinho. "Perdemos um grande talento, e eu perdi uma amiga", disse o canadiano sobre a morte da artista, em 2023. "It's Only Love" foi um dos momentos gigantescos deste concerto, com a preciosa ajuda de Keith Scott — foi magistral com a sua guitarra eléctrica neste tema e em tantos outros, tendo ficado a solo no palco a embalar 20 mil pessoas apenas com poderosos acordes. O rock vive, meus amigos.
No meio do tema popularizado com Tina Turner, Bryan Adams ainda aproveitou para cantar breves trechos dos mais famosos hits da cantora, como "The Best" e "What's Love Got To Do with It".
Quando os homens ficam sem camisola, até Bryan Adams faz o twerk
Com a energia lá em cima, seguimos para, sem margem de dúvidas, o momento mais divertido da noite, onde o cantor informou que todos tinham de sacar dos seus melhores passos de dança. "Tenho aqui o meu amigo com uma câmara e estamos à procura dos melhores moves. Vá, os homens podem sempre optar pelo twerk ou por tirar a camisola", disse Bryan Adams e o público respondeu.
Não havia uma alma sentada naquela sala, e no grande ecrã do palco surgiram vários homens a responder ao desafio, de todas as idades, dos mais musculados aos barrigudos, e até Bryan Adams fez a usa pequena versão de um twerk. No entanto, e ao contrário de muitos concertos a que estamos habituados, este não foi transmitido em direto no ecrã, mas sim apenas trechos intercalados com vídeos e efeitos a acompanhar as canções.
De forma estética, resulta muito melhor, todo o jogo de cores e luzes faz sentido, e vimos imagens espectaculares. No entanto, para quem estava na plateia em pé, do centro da sala para trás, talvez fosse mais difícil ter uma visão do palco, principalmente sem o auxílio dos ecrãs.
O alinhamento continuou com temas como "Cloud Number 9", "The Only Thing That Looks Good On Me Is You" e "Here I Am", entre outros, até que chegamos a "When You're Gone", outro dueto, desta feita originalmente cantado com Melanie C, ex-Spice Girl.
Em 2012, no concerto do Rock in Rio Lisboa, Bryan Adams escolheu uma pessoa do público para cantar consigo, e a eleita acabou por ser a cantora Vanessa Silva (que ficou conhecida no programa "Academia das Estrelas", da TVI). Custava ter pedido à portuguesa para ter dado um pulo à MEO Arena? Mesmo sem Vanessa, o momento foi animado, com o público a responder, mas não tínhamos dito que não a uma participação especial.
Não faltou muito até regressarmos todos a 1991, mais precisamente ao épico com Kevin Costner, "Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões", filme cujo principal tema da banda sonora é a épica "Everything I Do (I Do it For You)". 20 mil pessoas a cantar, uma voz de Bryan Adams que não treme aos 65 anos, e um momento arrepiante que não confirmamos nem desmentimos que nos fez soltar uma lágrima.
Seguimos para "Back To You" e "So Happy it Hurts", tema que dá nome à digressão, e que teve direito a um carro insuflável a sobrevoar a MEO Arena com a ajuda de drones, e um vídeo a acompanhar que até contou com a mãe de Bryan Adams no grande ecrã, com muito estilo aos 96 anos.
O lugar preferido do cantor? Uma praia portuguesa
Voltámos às grandes baladas com a poderosa "Have You Ever Really Loved a Woman", e (achávamos nós) terminávamos em apoteose com "Summer of 69". Tudo a gritar a plenos pulmões, um autêntico espetáculo da banda e Bryan Adams a dar tudo de extremo a extremo do palco, a cantar e a tocar guitarra como se tivesse a energia de 20 anos.
O público acompanhou tudo com voz, palmas e muitos saltos, mas Bryan Adams não estava mesmo preparado para deixar esta audiência. Mesmo já depois de cantar um dos seus grandes hits, voltou ao alinhamento com "Cuts Like a Knife", e tratou-nos a todos como amigos ao ficar sozinho em palco, mostrando um slideshow dos anos da sua vida em Cascais.
O público teve oportunidade de ver a casa onde vivia, a escola, fotografias de professores e o cantor partilhou o momento em que foi apanhado a fumar pela Miss Leitão. Voltou a explicar que guardava estas memórias com muito carinho por ser a última recordação da família unida antes da separação dos pais e mostrou um dos sítios do mundo mais especial para si: a praia do Guincho, em Cascais, primeiro com uma fotografia com os pais e o irmão nos anos 70, e uma mais recente das duas filhas, nascidas em 2011 e 2013, do seu relacionamento com Alicia Grimaldi, a sua antiga assistente pessoal, com quem está desde 2009, exatamente no mesmo local.
O show tem de continuar, por isso Bryan Adams voltou a Hollywood com "All for Love", o tema de "Os Três Mosqueteiros", na versão de 1993, e as baladas voltaram a reinar. A cover de "Too Good to Be True" fez com que todo o público se sentisse especial — afinal, o cantor estava sempre pronto para cantar mais uma.
Mas o final chegou mesmo com "The Best of Me", sem qualquer margem para dúvidas: em Lisboa, nesta noite de domingo, nem a tempestade que se fazia sentir lá fora interferiu com o melhor Bryan Adams de sempre, que durante mais de duas horas e meia nos fez esquecer de problemas, dramas existenciais e que a roupa que deixámos na corda ia estar num belo estado. E valeu tanto a pena.