Sosseguem, almas puritanas. Não estamos a incentivar o adultério. Sabem aqueles sítios onde, assim que entram, parece que estão no cenário de um filme? É o Brilhante. O restaurante, situado no Cais do Sodré, com a sua ambiência luxuosa e boémia, onde tudo é vermelho-paixão, faz o mais cinzentão dos comensais sentir-se protagonista de um filme de espionagem, qual James Bond com a sua bond girl pelo braço ou, porque estamos no século XXI, qualquer versão dessa narrativa em que uma mulher também possa ter um boy toy no braço e um cocktail no outro.
São quase duas da tarde de uma quente sexta-feira e, na mão, temos apenas um Old Fashioned Brilhante (bourbon whiskey, açúcar e bitter, 10€), estrela da carta de cocktails do restaurante, que abriu portas no outono de 2022. Lá fora, a cidade fervilha, mas, aqui dentro, não se ouve nada. Os passos são abafados pela carpete fofa e, num misto de glória e estranheza, chegamos à conclusão de que nunca estaríamos num sítio assim se tivéssemos nascido no século XIX.
O Brilhante foi beber inspiração aos cafés oitocentistas da capital onde, por exemplo, os Vencidos da Vida, com os seus charutos e ideário liberal, discutiam sobre os destinos (e os infortúnios) de Portugal. A estrela da carta é o Bife à Brilhante, uma recriação do Bife à Marrare. Este prato (um pedaço de novilho grelhado no ponto, servido num sumptuoso lago de molho) foi uma criação de Antonio Marrare, napolitano que se instalou em Lisboa e abriu vários cafés, entre os quais o Marrare das Sete Portas, onde terá nascido este icónico prato.
O Marrare já não existe, embora fosse perto de onde está agora o Brilhante, mas, ao contrário do que se passava no século XIX, em que senhoras não eram propriamente bem vindas nestes locais de discussão, conluio, charutos e bebida, aqui estamos à vontade para saborear o nosso Old Fashioned enquanto degustamos um pedaço cor de rosa de carne suculenta.
Veludo, pele, madeira. Assim que entramos no Brilhante, sentimos de imediato que não nos vestimos para a ocasião (embora, justiça seja feita, não há dress code imposto). Há uma simpática host, além de vários funcionários de sala que, impecavelmente fardados, se atarefam entre mesas estilo cabine com confortáveis sofás e robustas cadeiras forradas a pele. Ao centro está o balcão, oval, dentro do qual fica a cozinha, o epicentro da ação do Brilhante.
A carta, que combina clássicos da gastronomia francesa e internacional, foi idealizada pelo chef Luís Gaspar, em conjunto com Tiago Ribeiro, chef residente do Brilhante. A sazonalidade, como pudemos comprovar, é também uma prioridade do restaurante, que faz parte do portefólio do grupo Plateform, do empresário Rui Sanches. Igualmente importante, o bar, onde o whiskey é a personagem central (e em cuja carta existem mais de 60 referências desta bebida destilada), coordenado pelo chef de bar executivo da Plateform, Fernão Gonçalves e pelo chef de bar residente, Luís Fonseca.
Enquanto bebemos o nosso Old Fashioned, e não conseguimos evitar ficar a contemplar o gelo, com o seu 'B' perfeito. Tão lindo.
Após matarmos aquela fome inicial, com baguette e uma incrivelmente aromática manteiga fumada (3,5€), entrámos logo em modo "sim, eu sou uma personagem de um romance de John Le Carré", ao provar as doces e tersas vieiras com puré de pastinaca e emulsão de erva príncipe (25€).
O robalo com beurre blanc de champagne e risotto de espargos (38€) estava no ponto, com as suaves lascas a desfazerem-se na boca, e os pedaços de espargos estaladiços, não demasiado cozinhados, a manterem a sua integridade e a aportarem frescura à riqueza do prato.
O risotto, cremoso e rico, complementou na perfeição o peixe.
A prata da casa, o Bife à Brilhante (34€), não desiludiu. O naco de lombo de novilho cedeu com facilidade aos avanços da faca, revelando um coração rosa, sumarento e que quase se desfazia na boca.
Acompanhámos com um competente (mas não brilhante) esparregado de espinafres com parmigiano reggiano (8€) e um pecaminoso puré de batata trufado (12€), que, por si só, merecia um Óscar de Melhor Ator Secundário nos prémios da Academia Isto é Demasiado Bom para Existir.
Terminámos com uma enorme (ideal para dividir, estão a perceber o conceito?) tarte de morango e ruibarbo com gelado de nata (10€). Os discos de biscoito, ligeiramente salgado e bastante amanteigados, serviram de suporte perfeito para os pedaços frescos de morango, bem casados com o gelado (nada enjoativo nem doce). E o que dizer da instagramabilidade desta sobremesa? 10/10.
Há experiências perfeitas? Há, e a nossa no Brilhante foi quase. Um pequeno reparo, que poderá ser até gosto pessoal (ou falta dele). A flor de sal, como finalização, pareceu-nos em excesso, entorpecendo o palato ao ponto de ter sido difícil saborear a sobremesa (além de ter requerido água em quantidades generosas). Posto isto, voltávamos, com o (hipotético) amante.
*A MAGG visitou o espaço a convite do restaurante Brilhante