Depois de nove anos de jejum (entre os quais dois de pandemia em que festas, nem vê-las) a TVI decidiu presentear-nos com o regresso das galas. Ao invés de acontecer no Natal, esta teve por intuito celebrar o 29º aniversário da estação que nos trouxe o "Big Brother", a produção em massa de novelas e Cristina Ferreira.

Se foi um bom espectáculo televisivo? Não. Mas ninguém está à espera disso. Quem vê uma gala destas (ou uns Globos de Ouro, ou mesmo uns Óscares) está à espera de uma e apenas uma coisa: momentos cringe para comentar com os amigos nos grupos de WhatsApp ou nas redes sociais. E se houve disso com fartura! Mas já lá vamos.

A coisa até correu bem, entre as sete e as oito da noite, com a emissão em direto da passadeira vermelha do Casino Estoril. Os repórteres de serviço, João Montez, Sofia Vasconcelos e Zé Lopes souberam manter o ritmo, ao longo de quase uma hora, com convidados a surgir em catadupa no pequeno ecrã, quase sem pausas ou momentos de conversa meio estranhos em que ninguém tem nada para dizer.

João Montez, Sofia Vasconcelos e Zé Lopes
João Montez, Sofia Vasconcelos e Zé Lopes créditos: TVI

Enquanto Portugal estava a deglutir o jantar, deu-se início às hostilidades, com Cristina Ferreira e Manuel Luís Goucha a chegar de autocaravana ao Casino Estoril. As imagens (que assumimos que foram pré-gravadas), fizeram uma transição quase perfeita para o arranque da emissão.

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A partir daí foram mais de três horas de um caos divertido, nem sempre bem coreografado nem organizado, uma espécie de visão privilegiada do jantar da empresa que, nas galas da estação de Queluz de Baixo, é concedida ao telespectador.

A TVI tem tantos talentos, tantos atores, mas parece que a única pessoa que é chamada à chapa para fazer sketches é Eduardo Madeira. Uns até têm piada (como aquele em que fez de Cristiano Ronaldo, com Manuel Marques magistral no papel de Georgina Rodríguez a mandar abaixo "los ibéricos"), outros nem por isso.

Longe de nós achar que não se pode brincar com a Igreja Católica. Mas ficamos na dúvida se é meta ou apenas bizarro meter um padre verdadeiro (Ricardo Esteves, presença habitual no canal de Queluz de Baixo e jurado do talent show "All Together Now") num sketch sobre a missa dominical.

Não havendo orquestra (culpa da COVID-19 ou dos custos, não sabemos bem), havia um dj numa cabine, de seu nome Jingle Lee. Quem? Exato. Mas isso agora não interessa nada, como diria Teresa Guilherme, e o que interessa é que, no que toca a improviso, não há pai para José Cid. O músico de 80 anos só precisa de um piano para mandar a sala abaixo e ai de quem lhe diga que tem de tocar os seus grandes êxitos até ao fim. Cid faz as coisas à sua maneira e no seu tempo, e se a sala quiser que cante com ele. Rei.

Se há coisa que reiterámos, após o visionamento aturado desta gala, é que Rita Pereira continua a ser a melhor bailarina da TVI. A atriz continua a deixar tudo em palco, mesmo que as parceiras de baile não estejam propriamente à altura. Não se percebe é porque é que, em pleno 2022, a música escolhida para este momento de baile das protagonistas da novela "Quero é Viver" foi "Poker Face", êxito de Lady Gaga lançado em 2000 e troca o passo.

Não há uma só pessoa neste País que não goste de Lurdes Baeta, isso é indiscutível. Mas alguém tem de repensar esta ideia de pôr a jornalista a cantar em tudo o que é gala ou especial da TVI. É que aquele dueto com Miguel Gameiro até podia ter sido cómico. Se não fosse trágico. Que é feito dos 4 Station? Não dava para substituir Pedro Pinto e João Maia Abreu por dois dois jornalistas da estação? Abaixo-assinado, já.

No espectro oposto do talento vocal esteve Sofia Ribeiro, assombrosa num dueto com Ana Bacalhau. Teria sido um belo momento de televisão, não fosse a realização atabalhoada, sempre cortada com planos avulsos e sem sentido da sala, um vai e vem de gente e pratos amontoados em cima das mesas.

Manuel Luís Goucha já chegou a um ponto da vida em que se está a marimbar e diz tudo o que lhe passa pela cabeça. Desde chamar Capitão Gancho ao recém-regressado José Eduardo Moniz até comentar as "transparências" da indumentária de Paula Paz Dias (mulher do presidente do Grupo Media Capital), o apresentador estava, como se costuma dizer, "on fire".

E não faltaram, claro, as bocas à estação rival, em jeito de brincadeira bem humorada com Cristina Ferreira. Goucha aludiu à gala dos Globos de Ouro que Cristina, na sua passagem pela SIC, apresentou, dizendo que esta até "antenas na cabeça" tinha usado. "Não se nota que eu estou mais séria?", respondeu Cristina, com um triplo sorvete na cabeça.

Numa semana em que só deu "Big Brother Famosos", 'graças' à expulsão e subsequentes diretos / conferências de imprensa / posts nas redes sociais de Bruno de Carvalho, o reality show não podia faltar à gala, na forma de uma ligação em direto à casa. "Que saudades de seres humanos", disse Kasha. Idem, Kasha, idem. Soou "Vou Alugar um Quarto" no Salão Preto e Prata e, vieram a palco 5374 pessoas, nenhuma das quais sabia a letra de cor, mas não tem mal. Por esta altura a gala da TVI já era um bocado como aquelas festas de Natal da empresa em que, às onze da noite, já está tudo de gravata na cabeça, a dançar a Macarena e a beber champanhe por um copo de plástico.

Na terceira parte (uff!), Cristina Ferreira mudou de vestido e havia um clima generalizado "já ninguém quer saber", tal era o ruído da sala que nos chegava através da emissão. Não querendo ser picuinhas, mas sendo, alguém devia explicar a Ruben Rua, que até é apresentador de televisão e tudo, que os acentos nos pretéritos perfeitos das palavras são mesmo para pronunciar: "brincáaaaaamos", "cantáaaaaaamos".

Já passava da meia noite e lá veio mais um sketch mal amanhado, de suposta homenagem aos emigrantes, consubstanciado numa personagem chamada Jean Pierre Fanan, interpretada por Eduardo Madeira. Se houvesse um Óscar para o cliché da noite, estava entregue.

E de repente, quando a emissão estava quase, quase a chegar ao fim, as grávidas Inês Aires Pereira, Sara Pinto e Inês Gutierrez protagonizaram um dos momentos mais hilariantes da noite, com um guião primorosamente escrito e ainda melhor interpretado. Apenas trememos de medo quando vimos Inês Gutierrez fazer equilibrismo ao sentar-se numa mala de viagem com rodinhas.

gala tvi

A festa foi linda, pá, mas um bocado longa. Que é coisa que toda a gente se queixa, seja em Portugal, nos Estados Unidos ou na China (bem, na China já não sei). Estas galas duram tempos infindos? Duram. Têm momentos constrangedores ao ponto de ficarmos com os pelinhos da nuca todos eriçados? Têm. Mas são também sinal que a vida está, finalmente, a voltar ao normal e que, lentamente, podemos começar a dizer adeus a estes dois anos que nos privaram de fazer um comboio humano, aos pulos, a gritar em plenos pulmões "vou aluuuugarrrr um quarto, vouuuu alugaaaaaar um quaaaarttttoooo!".

O melhor da noite

  • O dueto de Manuel Luís Goucha e Cláudio Ramos;
  • Manuel Marques a fazer de Georgina Rodríguez;
  • São José Lapa a dizer em direto ao presidente do grupo Media Capital que foi ao WC e que o vestido se rasgou;
  • "Não falamos do Bruno";
  • Rita Pereira a dedicar a música do genérico da novela "Quero é Viver" à irmã, que está internada após ter sofrido um acidente.

O menos interessante da noite

  • O humor datado dos sketches;
  • a realização atabalhoada, que não permitia ao telespectador ver metade das atuações;
  • a duração da gala (porquê quase quatro horas? Porquê?!).