O arranque do novo formato de Bruno Nogueira, estreado este domingo, 11 de abril, diz ao espectador tudo aquilo que ele precisa de saber. Quatro amigos (Filipe Melo, Salvador Martinha, Nuno Markl e Bruno Nogueira) juntam-se para escrever um guião que, ao fim de duas horas, tem de ser finalizado. Depois, os atores representam-no tal como o receberam. Faça ou não sentido.
Focando-se na fase da criação, (quase) sempre penosa, os quatro amigos escrevem, apagam, repetem-se e voltam a escrever situações para personagens já construídas ou que aparecerão mais tarde na história. Em Portugal, onde o trabalho de um argumentista continua a ser menos destacado do que o de um ator, talvez tenha sido através deste "Princípio, Meio e Fim" que se percebeu que os melhores filmes, as melhores séries e os melhores programas do ano são, afinal, escritos antes de gravados.
Este início, que acompanha o esforço dos quatro em criar situações passíveis de serem representadas, é anti-climático, monótono e muito inconsequente. Eles debatem ideias, fazem outras cair por terra, frustram-se com a falta de avanço e riem-se de piadas que são só deles.
Nós, espectadores pouco habituados a tanta fritaria, rimo-nos não porque as entendamos, mas do desconforto de não estar no controlo, de não percebermos o caos — reforçado pela produção, que põe obstáculos à concentração dos quatro autores através de elementos sonoros, por exemplo.
Desafiar as convenções televisivas com desacertos
A ideia de expor esse processo não é por acaso. Num programa que quer abraçar o erro, o falhanço ou a falta de lógica, não há nada mais desafiante do que mostrar, num canal pouco dado a conteúdos alternativos, momentos que, por não estarem coreografados, delineados ou previstos, são tudo menos "boa" televisão. E essa é a melhor televisão que alguma vez poderíamos pedir: aquela que tira o tapete ao espectador que se julga sempre mais esperto do que aquilo que está a ver.
Até o simples facto de, no grupo de autores, pelo menos Filipe Melo aparentar menor à vontade em estar rodeado de câmaras é um pequeno desconcerto que ajuda a criar um ambiente muito específico para o espectador — de que algo está desengonçado; que não mata, mas vai moendo, aumentando a tensão.
O primeiro episódio, e serão seis no total, trabalha com uma história que embora comece com um jantar, em que os intervenientes "comem" peças de plástico, depressa se transforma numa espécie de filme de terror dos anos 80 em que o absurdo e o surreal se vão cruzando. Maria João (interpretada por Rita Cabaço), começa por dizer que não faz sexo há vários meses. Quando questionada por Francisca (Jessica Athayde) sobre com qual dos amigos gostaria de ir para a cama, escolhe Paulo (Albano Jerónimo).
A tónica do surrealismo continua a ser carregada e, só mais tarde, depois de os dois se envolverem, sabemos que Paulo vive com um dilema. Após cada relação sexual, a pessoa com quem esteve é sempre conduzida a um portal estranho que o leva para outra dimensão.
Porque os argumentistas assim o decidem, cabe a Luís Henrique (Bruno Nogueira) a tarefa de resgatar Maria João, fazendo sexo com Paulo, mas estando atado com uma corda (numa clara referência ao clássico "Poltergeist — O Fenómeno"), que será usada para puxar Maria João de volta para a sua dimensão assim que Luís for sugado pelo portal.
Pelo meio, as personagens gritam quando não precisavam de o fazer; falam como Vítor Norte porque os argumentistas assim o escreveram; Nuno Lopes tem de dizer "o princípio da frase pode esrare escreiro mas io dinaki so os draioes sageraão", porque foi escrita assim no argumento; Jessica Athayde imita um peixe num momento em que os autores, por lapso, deixaram um diálogo em branco; e a cena do resgate termina com todo o elenco a rir de loucura e a imitar galinhas, num momento que podia muito bem ter sido retirado de qualquer filme de terror dos últimos anos.
Não há moral, só vertigem e caos
Não há moral da história nem um qualquer desfecho para lá daquele a que uma narrativa é obrigada a ter. O propósito ultrapassa a lógica e, talvez por isso, seja errado olhar para esta hora de televisão e avaliá-la apenas com um produto de comédia de absurdo (embora o haja, como quando Nuno Lopes tem de esfregar queijo no rosto sem qualquer justificação).
"Princípio, Meio e Fim" é menos sobre uma qualquer história e mais sobre a forma como ela é construída e interpretada. Não é por acaso que, ao longo do episódio, se dedique tempo a mostrar como é feita a produção e a realização; como é estruturado um guião; e como é que os erros de escrita são respeitados pelos atores.
A ausência de lógica narrativa, que provoca o caos em cena, obriga-nos a estar atentos a elementos que, à partida, estaríamos propensos a desvalorizar, como a interpretação dos atores e a realização que, sempre solene, se aproxima do cinema autoral num formato assumidamente mais mainstream.
É televisão diferente, arriscada e original, que muito provavelmente poucos irão perceber. Existe, porque tal como se ouve no início, eles querem e podem fazê-la.
E nós, espectadores rabugentos que nos queixamos de que a televisão linear está a perder para a originalidade dos conteúdos que o streaming promove, só temos de agradecer por isso.
Mesmo que nos sintamos perdidos, e em constante vertigem, do princípio ao fim.