Passava pouco das 10 horas quando falámos com Inês Correia de Matos. Por esta altura, a primeira fotografia do dia já tinha sido tirada. Há 29 dias de quarentena, foi ao 4.º dia que decidiu começar a fotografar e a partilhar nas stories do seu Instagram os momentos desta nova realidade. Juntou assim aquilo de que gosta fazer — fotografar — à oportunidade de captar através da lente uma época única que os seus filhos estão a passar.

"Não foi com intenção de coisa nenhuma, foi para me entreter. Nem pensei se alguém gosta disto, se alguém quer ver ou interessa", diz Inês à MAGG. A verdade é que agora já sabe e não só cativou o olhar de outras pessoas, como é quase como um ritual tranquilizador para quem está do outro lado do ecrã.

"Recebi muitas mensagens de pessoas que dizem que estão a passar a quarentena sozinhas e que a primeira coisa que fazem de manha é ver o nosso dia, porque lhes dá um bocadinho de normalidade e um bocadinho da realidade", conta, acrescentando que o feedback tem tanto de bom como de assustador.

Sem saber, a fotógrafa, mãe de dois filhos e responsável pelo projeto After Click, está diariamente a fazer companhia a outras pessoas em quarentena por coisas tão simples quanto a fotografia de um café ou dos miúdos a brincar — partilhas pessoais que normalmente não mostra. "Eu não partilhava nada da minha vida e de repente foi escancarar a porta de casa. Ao principio até achei que podia ser curiosidade das pessoas, mas ao fim de 29 dias continuo a receber mensagens", diz.

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As fotos são espontâneas e Inês tenta mesmo não interferir em nada do que capta. E nem é assim tão difícil: "As crianças têm sempre uma ideia nova, ou fazem um disparate, ou brincam ou choram".

No entanto, podemos dizer que o #togethernessreport é uma espécie de recriação de algo que aconteceu há alguns anos na vida de Inês. "Há 9 anos tive um filho e tive de ficar com ele em casa porque tinha problemas de saúde. Fiquei quase 3 anos com ele, porque não podia mesmo sair. Na altura ainda não existia Instagram, mas encontrei no Facebook uma forma de mostrar à família como é que ele estava, como é que nós estávamos, para evitar visitas. Depois ele ficou bom e foi para a escola", acabando assim o isolamento naquela altura.

Antes de ficar em casa, Inês trabalhava na Universidade Católica e admite que se não fosse o facto de ter ficado com o filho, nunca se iria despedir para se dedicar à fotografia. Contudo, essa oportunidade acabou por chegar e formou-se na área.

"Agora, esta fase em que estamos todos em casa, remeteu-me um bocadinho para aquela época. Em tudo diferente, obviamente. Naquela altura éramos só nós os dois (agora somos quatro), o Bartolomeu não está doente e estou já como fotógrafa, não como amadora", conta.

Foi então que pensou em juntar a falta de trabalho — "não vou fotografar ninguém da minha varanda", brinca Inês — e o facto de ter voltado a ficar confinada. "Achei que era uma altura única nas nossas vidas que provavelmente não se repetiria", pelo menos assim o espera que assim seja.

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No meio das partilhas diárias, ou melhor, horárias, Inês Correia de Matos não deixa de se sentir por vezes como tantos outros portugueses nesta altura e admite alguma desmotivação. "Todos os dias acho que vou desistir. Porque ao início achei graça, mas também eu já me fui abaixo. Há três dias estive a chorar o dia todo e a pensar: 'Mas quando é que acaba isto? Como é que vai ser depois?'. E há dias em que acordo e penso: 'Não tenho nada para fazer hoje, o que é que eu vou fazer mais?'", conta, mas revela que acaba por surgir sempre algo, seja porque os miúdos foram lavar os dentes ou pediram para fazer um bolo.

Fora esses momentos, há outros que Inês gosta particularmente de fotografar: "Aqueles em que os miúdos olham lá para fora que me dá uma tristeza de os ter aqui confinados. Mas ao mesmo tempo acho que o olhar deles é  para o lado de lá da janela. Isto um dia vai acabar e eles miúdos consegue ver isso, o que está do lado de lá da janela, porque não têm tanta consciência como nós", refere Inês, acrescentando que os filhos ainda estão a lidar bem com a quarentena até porque a veem como uma oportunidade para aproveitar o tempo com os pais.

Todos os dias há cerca de dez a 12 fotografias que relatam o dia na casa de Inês Correia de Matos. A MAGG mostra-lhe 35 dessas fotos que começaram a ser partilhadas há três semanas e têm tanto de simples quanto inspirador.