Chegou às salas de cinema no dia 11 de abril para falar sobre uma história paralela do que aconteceu no dia 25, e já conquistou muitos entusiastas. "Revolução (Sem) Sangue", a primeira longa metragem do realizador Rui Pedro Sousa, conta a história real de quatro jovens — Fernando Giesteira, João Arruda, Fernando Reis e José Barneto — que morreram nos festejos da Revolução de 1974, assim como de um funcionário da PIDE — António Lage —, e promete mostrar uma realidade que muitos desconhecem.
Ensinado na escola como um processo pacífico, o nome "Revolução (Sem) Sangue" não é por acaso, já que, se existiram mortes, é apenas pacífica até certo ponto. A produção acompanha as vidas e os sonhos destes quatro jovens nos últimos dias do regime e relata, acima de tudo, o fim precoce das suas vidas, com o propósito de não só passar a mensagem do dia 25 de Abril, mas também da esperança, dos medos e da revolta do povo naquele dia.
Do elenco fazem parte Diogo Fernandes, Rafael Paes, Lucas Dutra, Miguel Monteiro, Helena Caldeira, Dinarte de Freitas, São José Correia, Catarina Siqueira e João Bettencourt, que esteve à conversa com a MAGG para falar sobre o novo filme. O ator, de apenas 22 anos, interpreta Tomás, um jovem que foi obrigado a ir para a Guerra do Ultramar e que, quando chega a Portugal, se vê envolvido numa outra revolução. O grande objetivo de "Revolução (Sem) Sangue", segundo João, é "consciencializar" a população do que aconteceu, tanto quanto como um "relembrar para não voltar a acontecer".
A propósito da celebração dos 50 anos do 25 de Abril, “Revolução (Sem) Sangue” chegou às salas de cinema para mostrar uma das realidades paralelas daquilo que aconteceu naquele dia.
Este filme é mesmo uma história real sobre o 25 de abril. Principalmente nas escolas, o que nos contam e o que aprendemos é que esta foi uma revolução muito pacífica, onde conseguimos a nossa liberdade e os nossos direitos, mas o que é certo é que ninguém nos fala deste lado mais sombrio, onde morreram quatro pessoas. No filme abordamos esse mesmo tema. Para além de tudo o resto, mostramos esse lado.
Este filme está muito direcionado para os jovens, para nós termos a possibilidade de vermos o desenrolar do que se passou e ficarmos com mais conhecimento. É engraçado, porque eu já tive a oportunidade de ver este filme seis vezes e fui vê-lo com o meu avô, que passou o 25 de abril e não sabia desta história. Ele não sabia que tinham morrido quatro pessoas, então também é interessante ver a malta mais velha, que passou por isso, não saber desta situação, e é sempre bom recordar.
Mas qual foi a verdadeira mensagem que quiseram passar?
Para além de recordar estas mortes, que foi o principal motivo para o qual o Rui quis fazer este filme, é um relembrar para não voltar a acontecer. Em termos políticos, estamos a ir por um caminho muito complicado, então é sempre bom relembrar os nossos direitos humanos e o que nós já passamos para os conseguir. Nestes dias, acho mesmo imprescindível as pessoas irem ver este filme.
Acha que foi também para mudar algumas mentalidades? Já que muitos acreditam que esta revolução foi efetivamente sem sangue, pacífica.
Eu não diria para mudar, é mesmo mais para consciencializar. As pessoas não tinham essa noção, eu próprio não tinha a noção de que tinham morrido pessoas no 25 de Abril, pensava que tinha sido uma coisa muito pacífica, porque é isso que passa. Não sei se Portugal quis dar essa mensagem de ser algo pacifico, e que na realidade até foi, mas a partir do momento em que há uma morte não se pode dizer que foi uma revolução sem sangue. Eu acho que por um lado estamos a querer também dar voz a estas pessoas que não tiveram oportunidade de ser lembradas.
O João no filme é Tomás , um jovem de 24 anos que acabou de chegar da Guerra do Ultramar e se rapidamente confrontado com uma revolução. O que é que pode desvendar mais desta personagem?
A minha personagem, antes de ir para a Guerra no Ultramar, tinha uma vida completamente normal, com as condições que se tinha aqui em Portugal. Tinha um emprego, vivia com a mãe, tinha uma vida supostamente tranquila com amigos, tinha tudo tranquilo, e depois, de repente, é convocado para ir para a Guerra do Ultramar defender as colónias portuguesas, e passou lá quatro anos. Como podemos imaginar, uma pessoa jovem com 20 anos ir para a guerra vai voltar com muitos traumas, tanto físicos como psicológicos, então foi muito difícil este retorno ao País.
Quando ele chegou foi mesmo muito difícil ultrapassar essa fase, e os amigos apoiaram-no muito, e essa também foi a mensagem que eu quis passar no filme. Nestas fases tão difíceis que nós passamos, ou às vezes menos difíceis mas que para nós são muito complicadas, basta termos alguém do nosso lado que fica mais fácil de ultrapassar. Sem querer dar aqui muitos spoilers da personagem, o Tomás era muito amigo do Fernando Reis (Diogo Fernandes), que foi uma das pessoas que morreu, e foi a pessoa com quem ele teve mais contacto. O Fernando foi quem o apoiou mais, quem tentava constantemente com que o Tomás não se lembrasse tanto das imagens que tinha da guerra, e depois mais para a frente, vemos esse contraste do Tomás a voltar a querer ir para uma revolução, para conquistar aquilo que os portugueses queriam. Mas de repente o Fernando morre, e é mesmo muito triste ver o estado final do Tomás.
Mas o que é que era ser um jovem naquela altura?
Obviamente, pelo que eu tive de interpretar, era muito complicado, porque não se tinha poder de decisão, tudo era decidido pelo governo. Eu acho que agora, olhando para trás, é que percebemos o quão difícil foi viver enquanto jovem naquela altura. O que eu construí foi basicamente um jovem que foi obrigado a ir à guerra, claro que faço aqui esta referência ao 25 de abril, mas muito para além disso, a minha personagem foi à guerra, foi obrigado. Foi o que seria a mesma coisa agora se me retirassem o poder de estar a falar aqui abertamente, era muito difícil, muito complicado. Esta liberdade de escolha e expressão foi conquistada pelos portugueses.
E como é que se preparou para este papel?
Vi muitos documentários de pessoas que foram à Guerra do Ultramar, e também tive a oportunidade de falar com o tio da minha namorada, que esteve mesmo lá. Foi muito interessante ver o olhar dessas pessoas, foi até um bocado assustador, ver aquelas pessoas falarem daquilo de uma forma tão tranquila, porque as imagens certamente estavam todas lá, na cabeça das pessoas. Obviamente que há pessoas com mais traumas, muitas dessas não gostavam de aparecer nos vídeos que vi, mas foi assim que me preparei, com esses testemunhos. Também acabei por ver alguns trabalhos sobre guerras, principalmente da Segunda Guerra Mundial, porque estudar sobre uma guerra, qualquer guerra, dá sempre para retirar alguma coisa.
A sua personagem, ao contrário de algumas principais, não existiu na realidade. Acha que assim foi mais fácil interpretá-la?
Não diria fácil, acho que apesar de o Tomás não ter existido, estava quase como que a representar uma sociedade, uma população que foi à guerra, onde existiram mais de 10 mil mortos e 20 mil feridos. Dizer se uma personagem foi fácil ou difícil é sempre muito relativo, gostei muito de fazer o Tomás, foi uma das minhas personagens favoritas. Foi uma personagem muito tensa e com um peso muito grande no filme. Apesar de não ser, por exemplo, as personagens do Lucas ou do Diogo ou do Rafael, que foram personagens que existiram mesmo, assim como eles tinham algo a que se conseguiam agarrar eu também tinha, construí umas personagem com coisinhas daqui e coisinhas dali, que acabou por representar um todo.
“Revolução Sem Sangue” foi muito publicitado como um filme para os jovens. Aliás, o próprio elenco do filme é muito jovem, e o João falou sobre isso logo no início da entrevista. Como é que foi tentar perceber a realidade de um tempo em que ainda não estavam vivos?
Eu acho que, para nós, a realidade desta historia foi um bocado um choque. Logo na leitura do guião estávamos todos ali muito concentrados, muito entusiasmados para conhecer estas historias a fundo, então eu acho que houve logo ali uma aura que se juntou, e quisemos fazer com que o filme passasse com a maior veracidade possível a realidade destas pessoas.
Algum momento do filme que o tenha marcado mais?
Eu acho que o momento mais marcante do filme é mesmo quando se dá a morte das principais personagens. Acho que isso é quando tens ali aquele choque maior, de que realmente aquilo aconteceu, e depois há ainda outro choque maior mesmo quando o filme esta acabar, que é quando se mostra as famílias destas pessoas. Tivemos a oportunidade de gravas as famílias a ver o filme, e eu acho que aí é quando há aquele choque de "ok, isto aconteceu mesmo", e acho que isso foi o mais impactante em termos de história.
Há pouco falou sobre o quanto teve de estudar para esta personagem. O que é que o Tomás lhe trouxe?
Esta personagem foi um pouco complicada para mim, porque é uma personagem com um peso muito grande, muito densa e muito calada, não queria falar com ninguém, e eu acabei por levar isso um bocado a sério de mais. No set de gravações eu muitas vezes isolava-se para estar sempre em personagem, precisava de me isolar e falava muito pouco com as pessoas, e eu, sendo uma pessoa muito comunicativa, acabou por me afetar um pouco, perceber como é que as pessoas ficam depois de um trauma tão grande.
Obviamente que nunca conseguimos dar os 200% que queremos dar de realidade porque nunca vivemos a situação, então sentir essa pequena percentagem daquela pessoa que viveu aquilo foi realmente um perceber que dói, que dói perceber que estas pessoas sofreram tanto com isto, e isso faz um pouco de relação com o final do filme, quando as famílias das personagens os veem a morrer. Mesmo já tendo visto o filme seis vezes, eu penso sempre "fogo, nós estamos a celebrar o 25 de Abril, que é uma coisa que nós conquistámos, mas aquelas famílias e os amigos estão a sofrer imenso com isso", porque é uma data que vai ser sempre relembrada, mas que ao mesmo tempo estás ali a ver os teus familiares a morrer, e essa comparação é muito complicada.
"Não tem mal nenhum as pessoas serem de direita ou de esquerda ou de centro, cada um tem a sua opinião e é assim que deveria ser"
No inicio falou sobre a situação política atual. Além de jovem ator, também é, acima de tudo, um cidadão. Depois de ter feito esta personagem em “Revolução (Sem) Sangue”, e de perceber como foi o dia 25 de Abril pelos olhos de quem o viveu, como é que encara o cenário político do País?
Isso é uma questão muito complicada. Eu acho que nós vivemos numa sociedade onde queremos a nossa liberdade, e é assim que deve ser, mas a liberdade está cada vez a ficar mais pequena, não só pelo cerco político mas também pela própria sociedade. Eu percebo que as pessoas queiram ter uma opinião, mas têm de ser abertas também às outras opiniões, porque as coisas estão a ficar, de uma certa forma, uma opinião única. Quem tem uma opinião diferente já começa a ser crucificado. Com isso, estamos a ir também por uma caminho apertado, não só na política como na sociedade. Mas em termos políticos sim, acho que estamos a passar um tempo muito difícil, os jovens então... está muito difícil com estas questões das casas e dos salários, e acho que temos de continuar a lutar por um caminho em que nos vejamos no futuro, mas sempre com o maior respeito e sem maltratar ninguém.
Tem alguma opinião sobre o crescimento dos partidos de direita? É que, aquilo que tentaram derrubar no filme, na Revolução dos Cravos, foi essencialmente esse mesmo lado da política, que agora parece estar a reafirmar-se.
É sempre uma linha muito ténue falar disto, e acho que o fundamental para esta revolução do 25 de Abril foi exatamente querermos exercer os nossos direitos como seres humanos. Acho que temos de lutar sempre em relação àquilo que nós queremos, seja a liberdade, seja uma casa, seja um salário maior, temos de lutar por isso. Não tem mal nenhum as pessoas serem de direita ou de esquerda ou de centro, cada um tem a sua opinião e é assim que deveria ser, porque acho que isso também é estar a retirar um pouco a liberdade de cada um. Se uma pessoa não puder votar na direita porque vai ser censurado, aí voltamos a viver numa ditadura, é não deixar as pessoas terem liberdade de expressão. Acho que cada um tem o seu pensamento e temos de nos respeitar a todos enquanto sociedade. Devemos ouvir-nos cada vez mais.
Acredita que a falta de participação dos jovens na política está a ajudar a isso?
Acho que os jovens se estão a erguer é um pouco mais, estão cada vez mais a reafirmar-se em termos políticos, pelo menos falo por mim. Tenho 22 anos, na escola também não nos são apresentadas as coisas políticas da melhor forma, aliás, nem da melhor nem da pior, não é simplesmente falado, e eu acho que cada vez mais os jovens estão a querer saber da política e a querer saber mais sobre os planos da política, o que lhes envolve, quais são os melhores planos. Acho que é muito importante, enquanto jovens, termos esses conhecimentos, e apresentar essas condições aos próximos jovens que aí vem.
Como disse, ainda é novo, tem menos de metade dos anos da revolução. O que é que pode dizer que estas vivências, que este filme, lhe ensinou?
Eu acho que nos ensina muito a valorizarmo-nos, a perceber o que é que nós queremos e o que é que temos de fazer para o conseguir. Na verdade, foi muito difícil na altura, não foi uma revolução de um dia para o outro, foi algo planeado, e eu acho que neste momento as pessoas estão a querer fazer as coisas de um dia para o outro, e elas têm de acontecer com calma. Acho que aprendi muito isso com este filme, a olhar para as coisas de uma maneira mais calma e com muito respeito.