Quando atendeu o telefone, Raquel Sousa, 32 anos, estava a jogar bingo com o filho Afonso, 7 anos, e o marido, Rogério Pereira, 39. Estão há 15 dias em casa, uma vez que a região onde vivem, Penafiel, fica perto de um dos focos de propagação da COVID-19 mais preocupantes em Portugal.

Afonso está no 1.º ano e não teve dificuldade em perceber o que se estava a passar. "Expliquei~lhe que havia um vírus que estava a pôr as pessoas doentes, que era invisível e que tínhamos de lavar muitas vezes as mãos. Ele compreendeu logo e perguntou se as pessoas morriam. Expliquei que para as pessoas que não tinham uma saúde tão boa era mais complicado e algumas pessoas morriam", contou à MAGG Raquel, psicóloga de formação, embora há dois anos se tenha dedicado à exploração de alojamentos locais.

Há casos de outros pais e mães que têm mais dificuldades em explicar aos filhos a situação atual, sobretudo se forem mais novos. "Com a minha mais nova tem sido muito complicado. Faz-me muitas perguntas como: 'Se apanhar o bichinho e estiver ao pé do mano Gabriel, ele vai ficar muito tempo no hospital'?", revelou Vera Almeida, 31 anos, mãe da Lúcia, 6 anos, Lucas, 8, e Gabriel, 12, que por ser asmático pertence ao grupo de risco.

Perante as questões de Lúcia, a mãe tenta "abonecar" as explicações por forma a que a filha mais nova perceba que se Gabriel ficar infetado, terá de ter cuidados extra e toda a família tem de ficar isolada. Isto porque para já apenas Vera Almeida, que está desempregada, fica com os filhos em casa, em Ferreira do Alentejo, enquanto o pai, José Torradinhas, tem de trabalhar uma vez que está na primeira e última linha de apoio: é bombeiro voluntário e agente funerário.

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O isolamento social é uma medida exigente para qualquer um de nós, mas pode ser especialmente desafiante para as crianças. Afonso, Lúcia, Lucas e Gabriel, fazem parte dos mais de dois milhões de alunos estão em casa desde 16 de março. O problema é até quando. O primeiro-ministro António Costa fez saber esta terça-feira, 24 de março, no debate quinzenal no parlamento, que o encerramento das escolas poderá "ir muito além" das férias da Páscoa.

A ideia de arrastar a quarentena até depois de abril é angustiante para os pais e para as crianças, que nem passadas duas semanas já se mostram irritadiças e tristes, em alguns casos.

Mas como em tudo, os filhos são o reflexo dos pais e é por isso essencial "explicar às crianças que estamos a passar por um momento singular nas nossas vidas e durante uns tempos as coisas vão ser diferentes", refere a psicóloga educacional Vera Ribeiro da Cunha.

Quão transparente deve ser a informação transmitida às crianças?

Coronavírus ou COVID-19 já não são palavras estranhas em casa. Mais estranho pode ser compreender o que se diz nas notícias sobre estado de emergência ou fase de mitigação. Mas será que devemos explicar o que é que estas e tantas outras informações significam?

"As crianças têm direito a receber informações verdadeiras sobre o que está a acontecer, mas os pais também têm a responsabilidade de as manter protegidas do excesso de informação. O melhor é dizer sempre a verdade com linguagem própria a cada idade", defende a psicóloga Vera Ribeiro da Cunha.

Os pais podem começar por perceber o que é que as crianças já sabem sobre o assunto e o que é que gostavam que lhe explicassem mais. Quando são mais velhas, e há ainda mais curiosidade para perceber o que é transmitido na comunicação social, o papel dos pais deve ser ajudar a fazer essa interpretação, mantendo sempre presente uma mensagem de tranquilidade.

"O Afonso vê as notícias na televisão comigo e já me perguntou: 'Mas morreu mais gente?'. Está sempre interessado e sabe bem o que é o coronavírus", refere Raquel Sousa, acrescentando ainda que tenta ser o mais transparente possível, filosofia que também é aplicada em casa de Vera Almeida, ainda para mais porque o filho mais velho, Gabriel, que consegue mais facilmente ter acesso e interpretar a informação, faz parte de um grupo de risco e deve estar alerta sobre as formas de se proteger.

"Não vale a pena falarmos de prazos"

E se as crianças perguntarem quando podem voltar à escola ou à normalidade? A resposta é simples e verdadeira: não sabemos. Ainda que se fale de mais dois ou três meses até estabilizar a situação, o decorrer da pandemia é imprevisível. "Assim sendo, não vale a pena falarmos de prazos, mas sim tentar tirar o maior partido possível deste tempo de recolhimento em casa", defende a psicóloga educacional, acrescentando ainda assim que as crianças devem ter presente que esta situação não vai durar para sempre.

Contudo, no caso de Raquel, esta optou por começar a consciencializar e explicar que há possibilidade de não voltar mais à escola este ano letivo. E apesar de ter sido difícil no início, conta que Afonso já assimilou a ideia.

Enquanto os dias tiverem de ser em casa, a psicóloga Vera aconselha que as rotinas sejam mantidas, uma vez que o facto de não haver espaço para divagar no que vai acontecer transmite segurança e estabilidade às crianças. Devem por isso: "Acordar no horário normal e dedicarem-se às tarefas escolares que agora são, também elas, num novo formato. Os ritmos biológicos devem ser mantidos".

Combater as saudades da escola

Ainda que no início estar em casa com a família e ter uma rotina diferente possa ser entusiasmante, muitas crianças começam a sentir falta da escola — em particular dos amigos e professores.

"A minha filha tem uma colega que está a deixar mais saudades que é uma menina 'especial', por assim dizer. Nós não fazemos vídeo-chamada com ela, mas está sempre a dizer que tem saudades. Já tive também o cuidado de fazer uma mensagem de voz para ela mandar, por exemplo, ao padrinho de quem tem saudades. E às vezes pede 'mãe, escreve uma mensagem para a professora para mandares só beijinhos'", conta Vera Almeida, mãe de Lúcia, Lucas e Gabriel.

E é precisamente a tecnologia o método que a psicóloga Vera sugere para combater as saudades: "É essencial utilizar as plataformas das redes sociais para manter e promover as relações de amizade. Em todas as idades. Sobretudo nas crianças mais pequenas que ainda não são autónomas neste mundo digital. Perceberem que de facto estão todos em casa, e todos a passar pelo mesmo momento mais singular na vida. A rede de amigos é fundamental para momentos de descontracção e de partilha".

Distrair as crianças pode ajudar a evitar a frustração

No caso de de Afonso a mãe permitiu que tivesse umas "mini-férias" nos primeiros dias: não teve rotina de escola, podia ir dormir mais tarde, acordar mais tarde e brincar quando lhe apetecesse. Passado uns dias, o professor começou então a enviar alguns trabalhos e Raquel Sousa passou então a estipular um horário "um bocadinho flexível", diz a mãe, que reconhece que estar a aprender em casa não é o mesmo do que na escola e com crianças não é possível manter a mesma rigidez. Ainda assim, Afonso sabe que à tarde, 2 horas do dia são dedicadas à escola.

Contudo, Raquel começou a notar esta semana que o filho farta-se facilmente das tarefas: "Começa a não ter a perceção do tempo que está a fazer os trabalhos ou a brincar. Acha que está há muito tempo, quando na verdade só começou há dez minutos". Para contornar isso, Raquel opta por mudar de brincadeira e até a inovar as atividades — já chegaram a andar de skate na varanda.

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Já Vera Almeida refere que a filha mais nova, Lúcia, passa os dias a abrir e fechar a porta da rua: "Está frustrada porque está habituada a estar com os primos. Chora imenso porque quer brincar com eles e porque quer sair para estar com os avós". Para lidar com a frustração dos filhos, Vera acaba por dar alguns passeios no campo onde não há ninguém, razão pela qual diz: "Sei que nisto sou uma privilegiada, porque viver nas grandes cidades é complicado para quem tem crianças. Aqui sempre tenho uma escapatória".

Mas a situação não está só a afetar Lúcia, 6 anos. A mãe nota que os três filhos estão a ficar mais deprimidos, porque normalmente são muito amigos uns dos outros e com tudo isto nota que estão fartos de se verem: "Chega ao fim do dia e estão a discutir. Às vezes só porque a irmã olhou para ele ou uma coisa assim, do nada. Isto está a ser muito difícil para eles".

Diversificar as atividades é uma forma de preencher o tempo livre que fica depois de feitas as tarefas escolares e pode ser ocupado com tarefas domésticas, lúdicas e criativas: "Façam coisas originais como acampar na sala ou um piquenique na varanda, façam teatros. Recorram à fantasia e à imaginação. Ponham 'o corpo a mexer' fazendo exercício e dancem com música bem alta", sugere a psicóloga Vera Ribeiro da Cunha.

Outra das atividades a que Vera Almeida recorre para brincar com os filhos são os kits da Science4you que diz que os miúdos adoram e têm ajudado bastante a passar o tempo: "São fantásticos para os miúdos estarem entretidos a fazer atividades e aprender ao mesmo tempo. Além disso, os jogos de tabuleiro são ótimos porque dá para fazermos em família".

Raquel Sousa dá outra sugestão, fazendo referência à Escola Virtual, que conheceu agora que se tornou gratuita, uma vez que incentiva as crianças a continuar a estudar de forma dinâmica e divertida. "Ganham medalhas, ganham pontos. O Afonso às vezes até quer repetir o exercício porque em vez de ter duas estrelas teve três. É uma atividade que ele faz sozinho, ainda que saiba que eu estou ali".

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"Os pais devem estar atentos ao impacto psicológico que esta situação pode ter em crianças e jovens"

A frustração pode caminhar para situações mais graves como tristeza ou depressão, mas podem ser travadas se os sinais forem detetados precocemente. Os primeiros, que podem aplicar-se a pais e filhos, são a tal frustração, a irritação, e o tédio gerados pelo isolamento.

"Os pais devem estar atentos ao impacto psicológico que esta situação pode ter em crianças e jovens", refere a psicóloga, apontado algumas soluções: "Uma comunicação aberta é essencial para fortalecer os vínculos familiares e conseguir identificar quaisquer problemas psicológicos que possam surgir".

A comunicação pode então ser aplicada num sentido de alerta, mas também de fortalecimento das relações entre pais e filhos que com o ritmo de trabalho diário têm ficado em segundo plano, atenuadas pelo cansaço. A psicóloga Vera aconselha por isso que a palavra de ordem durante o isolamento seja "mais": "Conversem mais. Brinquem mais. Mimem mais. Criem boas memórias nos filhos".

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