Esta terça-feira, 28 de novembro, um comunicado da Polícia Judiciária (PJ) pôs pais e educadores em alerta. Atualmente, existem vários contactos telefónicos de crianças e jovens de escolas básicas e secundárias a serem adicionados a grupos de WhatsApp onde são partilhados conteúdos de cariz pornográfico.
A Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e Criminalidade Tecnológica da PJ pediu atenção redobrada aos pais neste alerta, avisando que se trata de uma prática "emergente e massiva" de factos que constituem a prática de crime de pornografia de menores, pode ler-se no "Correio da Manhã".
Na mesma missiva, as autoridades explicaram que os jovens e crianças são expostos a estes conteúdos depois de serem adicionados a grupos de WhatsApp, cujo único objetivo é "sujeitar os menores à visualização de pornografia de adultos, de imagens e vídeos de abusos e exploração sexual de crianças, ou que retratam práticas sexuais entre adultos e crianças".
Já incluídos nos grupos, os menores são incentivados a partilhar os seus contactos de colegas e amigos, alegadamente com o objetivo de superar o desafio de agrupar o maior número de elementos possível.
A PJ apela então à vigilância de pais e educadores, para que os adultos consigam monitorizar o uso desta aplicação de conversação, alertando para a importância dos mais jovens recusarem convites de contactos de desconhecidos, bem como bloquear os mesmos contactos. A Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e Criminalidade Tecnológica pede ainda que, caso os adultos tenham acesso a este tipo de grupos, estes façam capturas de ecrãs das conversas, mostrem contactos dos administradores e conteúdos partilhados e denunciem o caso às autoridades.
Mas como é que podemos estar atentos a tudo isto numa era em que crianças e jovens vivem de aparelhos tecnológicos nas mãos — ou têm acesso facilitado aos mesmos? O diálogo é a chave? Um controlo mais apertado? E depois de estarem expostos a pornografia e cheios de questões, como devem os pais proceder?
Do poder dos canais de conversação à importância da literacia tecnológica para toda a família, fomos à procura de respostas.
"Os pais têm de insistir em canais de diálogo, onde os filhos não sintam julgamento"
Como quase em tudo na vida, o diálogo é a base. "Desde tenra idade, é importante que os pais garantam instrumentos de diálogo entre eles e os filhos, independentemente da idade das crianças ou do teor desse diálogo", explica Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica da Academia Transformar. "Desde que exista um canal de comunicação aberto, os mais novos sentem segurança de partilhar questões que acontecem no dia a dia", salienta a especialista à MAGG, deixando a ressalva que as crianças são todas diferentes.
"Sabemos que existem crianças mais expansivas, que contam tudo com muito detalhe, e outras mais fechadas, introvertidas, que se resguardam mais e que têm mais dificuldade em partilhar. No entanto, nos dois cenários, os pais têm de insistir em canais de diálogo onde os filhos não sintam julgamento, onde os mais novos percebam que as suas emoções são valorizadas e as suas questões colocadas em primeiro lugar."
Filipa Jardim da Silva salienta que outro passo para os proteger de situações deste cariz é o contínuo processo de fomentar a inteligência emocional dos mais jovens, para que estes sejam os primeiros a fazer melhores escolhas.
"Esquecemo-nos que não estamos com eles 24 horas por dia. Por isso, passar aos filhos ferramentas com que eles se consigam proteger e tomar melhores decisões passa muito pela inteligência emocional. Ou seja, falar desde cedo de emoções, que se possam expressar livremente, e que exista um espaço na educação para falar sobre o que é seguro, o que não é, o que é privado e o que são boas práticas no contacto com os outros", refere a especialista.
"Tal como se ensina a não meter os dedos nas tomadas, a não pôr a mão no fogão, também temos de o fazer com a tecnologia"
Longe vão os tempos em que sabermos que os nossos filhos tinham um telefone era uma forma de proteção. Hoje em dia, já sem falar no vício dos ecrãs, estão expostos às redes sociais e aos perigos que daí podem vir. E para combater isso, para além de criar jovens informados, também tem de existir literacia tecnológica nos adultos.
"É fundamental, hoje em dia, que todos os educadores, professores, pais e avós estejam cientes que dar um telemóvel para a mão de uma criança que está no nosso raio de visão não é garantir que ela está em segurança. Para que se transforme numa ferramenta segura, a partir do momento em que as crianças têm acesso a esta tecnologia, é importante alertar para as boas práticas. Tal como se ensina a não meter os dedos nas tomadas, a não pôr a mão no fogão, também temos de o fazer com a tecnologia. Educar para práticas de segurança e assegurar controlo parental em função da idade", diz a psicóloga.
A especialista da Academia Transformar também chama novamente a atenção para incluir no diálogo temas de atualidade, como este dos grupos de WhatsApp. "A partir do momento em que existe este comunicado, pais e professores devem falar do tema, ajustado à faixa etária, perceber o que a criança sabe, estando disponíveis para responder a questões e falar novamente sobre as boas práticas de atualização. É também importante que revejam a aplicação com eles, ajustem as definições de segurança, a importância de aceitar apenas quem conhecemos e o que é esse conceito de conhecer — ou seja, clarificar e explicar que são pessoas com identidades reais que fazem parte da vida real deles."
"Acima de tudo", continua Filipa Jardim da Silva, " o tema deve ser abordando de um prisma de curiosidade, sem julgamentos, para que a criança sinta que não fez nada de errado e não se sinta atacada".
E quando os miúdos são expostos a estes conteúdos?
No caso de as crianças terem sido expostas a conteúdos sensíveis, Filipa Jardim da Silva refere que o diálogo volta a ser a chave. "Ajustando sempre a conversa ao nível de desenvolvimento do jovem, os pais e educadores devem perguntar o que este viu, o que acha que viu, que perguntas tem acerca do que viu. É preciso também explicar que — e falando deste caso atual em particular — tratam-se de conteúdos feitos para chocar, acessíveis supostamente só para adultos, e que mesmo enquanto adultos, temos de ter o discernimento de escolher o que queremos e não ver."
A especialista salienta também que é importante falar sobre limites e que existe a probabilidade de os pais serem obrigados a responder a questões que os deixem desconfortáveis, mas que o devem fazer em nome de um espaço de comunicação aberta.
A psicóloga chama a atenção para a vigilância deste jovens após uma situação de exposição. "Se forem verificadas alterações persistentes no sono, apetite, comportamento regular , prestação académica, naturalmente que é necessário procurar a ajuda de um profissional, para que tanto pais como filhos possam ser orientados em função do que aconteceu concretamente."
No entanto, há também o reverso da moeda: depois da exposição, esta pode aguçar a curiosidades dos menores pela exploração de conteúdos desta natureza. "Há que falar abertamente sobre o que são relações saudáveis em adultos, que só os adultos namoram, e falar também sobre escolhas conscientes sobre o corpo. Ajustando novamente a informação à idade dos menores, explicar que aquilo que vemos muitas vezes sobre relações íntimas em ecrãs e na internet não corresponde inteiramente à vida real", refere Filipa Jardim da Silva.
Em conclusão, reforçar o diálogo, falar sobre consentimento e sobre inteligência emocional. "Passar a ideia de que se alguém os pressiona para ver algo, não é por isso que o têm de fazer. Há que fazer boas escolhas, traçar limites e não ceder a pressões", diz a especialista.