Depois da reabertura das creches e do pré-escolar após o período de confinamento, Dulce Cruz decidiu que a filha Sara, de 2 anos, iria voltar à escola de forma faseada. Começou então a ir duas manhãs por semana e a mãe, designer de livros e criadora de conteúdos na página de Instagram @erva_dulce, iniciou uma espécie de diário online nas redes sociais sobre a adaptação escolar da criança.

"A adaptação escolar da Sara estava a correr muito bem, e a escola dela conseguiu arranjar forma de conciliar as diretrizes da Direção-Geral da Saúde [DGS] com as necessidades emocionais e psicológicas das crianças — e fê-lo com o consentimento dos encarregados de educação. Mas há escolas que não o estavam a conseguir, e comecei a receber muitas mensagens de preocupações de pais", revela à MAGG a mãe de 36 anos.

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Através destas trocas de mensagens, Dulce percebeu que a preocupação dos encarregados de educação quanto ao bem-estar dos seus filhos no regresso às aulas era geral, com especial enfoque na vertente emocional no contexto das novas regras de contingência quanto à COVID-19.

Enquanto produtora de conteúdo, Dulce Cruz percebeu que também seria de sua responsabilidade fazer chegar a mensagem a outros pais, à comunidade escolar e ao governo, entre outras entidades. E foi assim que nasceu o movimento Assim Não é Escola, que começou a ser divulgado oficialmente a 22 de agosto.

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Uma das mensagens do movimento partilhadas com a #assimnãoéescola créditos: Dulce Cruz / Instagram

"O movimento foi criado por um conjunto de pais para contestar e pedir a revisão de algumas diretrizes da DGS para o regresso às aulas e está a ser difundido nas redes sociais e nos media, através da #assimnãoéescola", explica a mãe de Sara. "É uma proposta de conciliação entre os deveres das escolas, os deveres dos pais e os direitos e necessidades das crianças e está a ser dirigido aos pais, às escolas, às instituições que representam os especialistas nesta área e ao governo".

Para Dulce Cruz e para as restantes 23 mães e pais que atualmente fazem parte do projeto, "a escola não é segura enquanto as necessidades afectivas das crianças não estiverem atendidas e algumas destas medidas são impeditivas do bem-estar global das nossas crianças", salienta, referindo-se ao conjunto de diretrizes divulgadas pela DGS.

"Este movimento é para dar voz a estas preocupações, permitindo que mais mães e pais possam dar o seu contributo para uma escola mais próxima das famílias. Acreditamos que é possível conciliar a contingência e assegurar a saúde mental dos nossos filhos", salienta a designer.

#assimnãoéescola. Então, como deve ser?

Enquanto grupo, o movimento Assim Não é Escola não concorda com várias das diretrizes da DGS para o regresso às aulas no ano letivo que se aproxima. Entre elas, Dulce Cruz destaca o uso da máscara, que não dever ser total nos adultos, nem pedido às crianças mais pequenas.

"Não concordamos com o uso ininterrupto das máscaras. Acreditamos que os adultos devem poder retirar a máscara em momentos chave do dia, até para garantir vínculos com as crianças que dependem da expressão facial", explica a mentora do movimento. Em relação às máscaras dos mais novos, Dulce salienta que o grupo acredita que estas "não devem ser usadas por crianças com menos de 12 anos e, com esta idade ou acima, apenas nos espaços fechados".

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Entre outras propostas, o movimento também não concorda com o distanciamento físico entre as crianças. Propõe a criação de medidas como "desfazemento das turmas" e acredita que deve ser feito um "investimento extra na lavagem das mãos". A diminuição dos intervalos também é uma das medidas da DGS que reúne o desacordo do movimento, que acredita em "aumentar ao máximo as atividades ao ar livre".

Com a pandemia chegaram também novas regras quanto à presença dos pais nas escolas, que estão proibidos de entrar no recinto das mesmas, devendo entregar as crianças à porta. "Nas creches e jardins de infância, pedimos que os pais possam, todos os dias, entregar a criança ao seu cuidador principal dentro da escola, para que a conversa, mesmo que sucinta, permita à criança entender que vai ficar com alguém com quem temos uma relação de confiança. Para que os pais possam participar na adaptação escolar, propomos que seja criado um espaço intermédio exclusivo para este efeito, onde encarregados de educação e educadores possam estar presentes de forma segura e durante o tempo necessário para uma despedida pacífica, com o consentimento da criança", explica Dulce Cruz.

O movimento acredita que este "tempo garantirá a transferência saudável da figura de apego dos pais para os educadores" e, para evitar a acumulação de pais, sugere que "a adaptação das crianças pode ser faseada numa tabela de horários ou dias diferentes.

Em relação ao primeiro ciclo, defendem que se "mantenham os dias de apresentação com a presença dos pais, mediante as medidas de segurança necessárias, claro", salienta Dulce Cruz.

O movimento Assim Não é Escola também acredita que deve existir uma atenção redobrada e "um esforço adicional das escolas para estarem atentos ao estado emocional das crianças, dado que sabemos que, ao físico, vão estar", diz a mãe de Sara. Ao governo, o movimento pede a criação de "medidas para que os pais trabalhadores possam estar disponíveis e presentes para qualquer necessidade dos filhos neste período, nomeadamente em fases de maior stresse emocional".

Com a ajuda de vários psicólogos, pediatras e outros especialistas, os mentores do movimento estão, atualmente, a criar várias ferramentas para conseguir conciliar as medidas de segurança necessárias a crianças e funcionários nas escolas com o bem-estar emocional dos miúdos.

"Muitas destas medidas [da DGS] comprometem o bem-estar global da criança, sobretudo a nível emocional. Inclusivamente, foi publicada uma carta aberta no 'Público', escrita por vários psicólogos, onde estes se opunham à maioria das diretrizes. E estamos a inspirar-nos muito nessa carta para criar ferramentas que os pais possam usar, e para dialogar com as escolas", explica Dulce Cruz. "É também para permitir esse diálogo dos pais com as instituições de ensino que estamos a fazer isto."

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A trabalhar em várias vertentes e em grupos de trabalho separados, os pais e profissionais envolvidos no movimento Assim Não é Escola já têm várias ações em marcha. "Vamos disponibilizar uma carta aberta que pode servir de modelo às mães e pais que queiram demonstrar as suas preocupações e contributos às escolas, e estamos também a preparar uma petição pública que reflete estas mesmas preocupações", explica Dulce Cruz.

O movimento, que é propagado nas redes sociais através das publicações identificadas com a #assimnãoéescola, mantém também "contactos com especialistas, associações e ordens profissionais para ouvir as preocupações e contributos da sociedade civil" e recolhe ativamente "opiniões científicas que orientam a definição de propostas", conclui a mentora.

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